Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Para Google vencer rivais, só Motorola não basta

“Verticalização” é a desajeitada palavra que se tornou uma tendência altamente badalada no mundo da tecnologia. Com o Google jogando na mesa US$ 12,5 bilhões em dinheiro nesta semana para comprar a Motorola Mobility, a ideia acaba de ganhar mais um novo impulso. Como muitos modismos, no entanto, existe o risco de que esse se torne um vagão descontrolado – com consequências indesejadas.

Até recentemente, a ideia de que os melhores produtos saíam de empresas que combinavam experiência tanto em equipamento quanto software sob o mesmo teto se opunha à mentalidade predominante no setor de tecnologia. O computador pessoal era fabricado sob um modelo horizontal, com diferentes empresas fornecendo os circuitos integrados, peças e sistema operacional. Isso, por sua vez, já era uma reversão em comparação à era anterior da computação, dominada pelos computadores mainframe, ou de grande porte, integrados, da IBM.

Coube à Apple levar o setor de volta ao futuro. Com o iPhone – e agora o iPad –, a empresa foi ainda mais longe, estabelecendo sua própria rede de lojas de varejo e, por meio da App Store, encurralando os serviços que levam vida a seus aparelhos. Com a entrada da empresa na produção de chips, assumiu o controle de seu componente mais importante. A ideia também vem invadindo o mercado de computadores para empresas, no qual a aquisição da Sun Microsystems pela Oracle em 2010 foi vista como marco. Combinar tudo em uma única “caixa” agora é visto como forma de aumentar a participação do fornecedor de tecnologia no orçamento de tecnologia da informação do cliente.

Participação da Oracle no mercado despencou

De início, não se tratava de a Oracle ter planos para fabricar computadores. Havia colocado os olhos apenas nas operações de software da Sun Microsystems – particularmente a linguagem Java. As exigências das negociações predominaram e a Oracle foi obrigada a comprar todo o lote. No fim das contas, pouco depois, a empresa já divulgava que a área de equipamentos havia se tornado elemento-chave sem sua estratégia.

Há paralelos integrantes nisso com o Google. A empresa de buscas na internet sinalizou com ênfase nesta semana que não tem nenhum interesse em particular em equipamentos e que foi atraída pelas vantagens defensivas possibilitadas pela carteira de patentes da Motorola, que pode usar para defender de ataques jurídicos o ecossistema de smartphones que construiu em torno ao sistema operacional Android. Isso pode ser blefe. Alguns de seus maiores rivais argumentam, de forma reservada, que o Google simplesmente embarcou em uma tentativa deliberada e agressiva de tentar copiar o sucesso da Apple em integrar equipamento, software e serviços – com outros fabricantes de equipamentos que dependem do Android, principalmente Samsung e HTC, as primeiras vítimas. Se for assim, no entanto, isso deveria dar aos acionistas do Google motivos para pensar duas vezes.

Mesmo sem questionar se uma empresa de serviços e software, com alta margem de lucro, deve incomodar-se com um fator de distração, como a área de equipamentos, de baixas margens, ainda haveria desafios comerciais e de administração significativos. Como a Oracle acabou descobrindo, uma investida obstinada para reduzir vendas deficitárias de equipamentos pode sair pela culatra: sua participação no mercado de computadores para empresas despencou nos últimos 12 meses.

Consequências indesejadas

A abordagem integrada verticalmente, por sua vez, não provou ser uma panaceia no setor de smartphones. A Palm vem tropeçando há anos e os problemas da Research in Motion (RIM), fabricante do BlackBerry, sinalizam o alto grau de dificuldade em dominar as habilidades necessárias para criar um produto de sucesso. Até a Microsoft, às voltas para equiparar-se com o iPod e, depois, iPhone, interessou-se pela verticalização, mas tudo o que conseguiu foi gerar produtos como o reprodutor de áudio Zune e o telefone, de vida curta, Kin, que ficaram à margem do grande mercado.

Deveriam prestar atenção a esse alerta em Mountain View. O que o Google faz de melhor é ser Google – não Apple. Com um modelo de negócios que depende da publicidade, a empresa viu caminho livre para traçar seu próprio rumo no mundo sem fio. Não importa o quanto se diga sobre a rivalidade entre as duas empresas, Google e Apple até agora não se mostraram capazes de prosperar seguindo caminhos diferentes. O Google, pelo menos, prometeu administrar as operações de equipamentos da Motorola a certa distância. De fato, quando perguntado se cogitaria desmembrar inteiramente essa unidade da Motorola, Andy Rubin, diretor da divisão Android do Google, disse que não tinha objeção em particular à ideia – embora tenha acrescentado que não havia estudado a hipótese.

Os rivais do Google, privadamente, argumentam que tais comentários são pouco sinceros e acusam a empresa de blefar. A perspectiva de um aparelho feito pelo Google, com software Android, uma caixa de diálogos de busca do Google em local de destaque e alto grau de integração com a rede de relacionamento social Google+, certamente atrairá a atenção de uma série de rivais, como Apple, Samsung, Microsoft e Facebook. No atual ambiente competitivo, na verdade, só a sombra de tal aparelho deverá desencadear reações da concorrência. A resposta mais provável parece ser mais uma onda de fusões em busca da verticalidade, com a aquisição da Nokia pela Microsoft sendo a hipótese mais comentada do momento.

Isso poderia levar o Google a deparar com consequências indesejadas decorrentes de sua incursão na Motorola. O mundo horizontal no qual prosperou agora estaria sendo empurrado com mais rapidez a uma estrutura tecnológica vertical, na qual a Apple está mais adaptada para sobreviver.

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[Richard Waters é jornalista do Financial Times]