Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para onde vai a web

A aceleração contínua dos saltos tecnológicos, o sucesso das religiões neopentecostais, a clonagem, os mercados de nicho, a realidade virtual, o terrorismo e o caos informacional que a digitalização traria: o norte-americano Alvin Toffler antecipou tudo isso ainda no fim dos anos 60, quando não existia o computador pessoal e muito menos a internet. O primeiro dos futurólogos acertou muito. Seu livro A Terceira Onda previa as consequências da revolução tecnológica e, desde sua publicação em 1980, é citado pelo governo chinês. O jornal People Daily foi longe e o listou como um dos pilares da modernização do gigante asiático.

Hoje, o homem que guiou o governo de Bill Clinton e que fez com que o guru psicodélico Timothy Leary declarasse que a internet seria o ‘o LSD do futuro’ tem 81 anos, mas sua voz não soa cansada. Pelo contrário. Empolgado, ele vislumbra mudanças ainda maiores para os próximos cinco anos. ‘O maior assunto nesse período será o cérebro: como ele funciona, como podemos usá-lo e manipulá-lo’, projeta, em entrevista ao ‘Link’. ‘Teremos tecnologias que se fundirão com nossas mentes e as melhorarão’. O desenvolvimento de cérebros eletrônicos – mais poderosos que os nossos – e a fusão homem-máquina causarão, defende Toffler, ‘revoluções dignas da ficção científica’.

Outra delas, diz ele, será a digitalização total. Crianças que já nascem conectadas não saberão mais o que é viver offline e mudarão radicalmente como se consome mídia, livros, filmes, música. Será o fim do suporte físico. ‘Já eu, que sou de outra geração, acho uma pena gastar todo meu tempo online e só começo o dia depois de ler três jornais’, riu.

Apesar de manipular o futuro tão naturalmente quanto vive o presente, há ao menos um palpite que Toffler não dá: o que virá depois da web. ‘Esperam que eu saiba tudo que vai acontecer. Sobre as transformações da internet, nem eu e nem ninguém pode arriscar’, brinca.

‘É muito mais difícil prever o futuro hoje’

Em seu primeiro livro de previsões, Choque do Futuro (1970), Alvin Toffler explicava como a revolução tecnológica levaria à rapidez do consumo, aos objetos descartáveis e à customização extrema não só de produtos, mas dos modos de vida. O futurólogo afirma que, ‘dos conceitos principais’ de seus livros, ‘não mudaria nenhum’. Sobre as projeções que faz hoje, tão ousadas quantas aquelas, ele pensa diferente e é mais cauteloso. ‘Essa é a época mais difícil para quem prevê o que virá. De um dia para o outro, tudo muda’, diz.

Amanhã datado

Em suas obras, Toffler atira para todo lado. Não se limitava a falar apenas de como seriam as tecnologias do futuro. Pensava também no formato das famílias, quanto durariam os relacionamentos e como agiriam as crianças e diversos outros grupos em situações hipotéticas. Caçava tendências e montava cenários completos. Esse método gerou mais acertos do que erros, mas, como é normal com adivinhações, é por natureza falho.

Algumas das ideias que não se concretizaram são cômicas. O pesquisador disse, por exemplo, que só usaríamos nossas roupas uma vez, já que elas seriam todas feitas de papel. ‘As lojas já exibem até vestidos de noiva feitos de papel!’, escreveu, assombrado com o que dizia ser uma sociedade dos ‘produtos de utilização temporária’. Nós bem sabemos que na moda isso não vingou, mas diversas outras tecnologias do descartável e do imediato sim: o videocassete, a fotocopiadora, o CD, o controle remoto. ‘A ideia maior estava certa’, defende.

O futuro é passado

Se eram razoáveis as chances que um futurista tinha de errar no final do século 20, o novo milênio potencializou isso ao máximo. Com a digitalização, a rapidez das mudanças é infinitamente maior. O futuro já aparece com cara de passado. ‘É uma função ingrata, a do futurista. Naquela época, mesmo aceleradas, as transformações eram bem mais lentas se comparadas aos dias de hoje’, explica.

O maior desafio, segundo Toffler, é não comprar como fantástico tudo que é produzido de inovador. Se os ciclos tecnológicos são menores, as preocupações dos analistas devem ser maiores. O crowdsourcing, por exemplo, o velho futurista não engole. ‘Temos sempre que desconfiar desse colaborativismo e dessas decisões coletivas. As massas frequentemente fazem as escolhas erradas’.