Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

PC Conectado é mais caro que similares latino-americanos

A MP do Bem, como ficou conhecida a Medida Provisória 252/2005, virou lei no
dia 26 de outubro. Entre suas diretrizes está a concessão de isenção de impostos
a fabricantes e revendedores de computadores. O objetivo é baratear as máquinas
e assim aumentar a quantidade de pessoas com acesso à Internet e às novas
tecnologias de comunicação e informação. A idéia não é exclusiva do governo
brasileiro.


Chile e Argentina também possuem suas versões do Cidadão Conectado – nome do
programa do governo de estímulo à aquisição de equipamentos de informática pela
população de baixa renda. Nos dois países, as máquinas são melhores e mais
baratas. Porém, assim como aqui, as iniciativas chegam cercadas de polêmicas,
principalmente devido a sua configuração e preço.


No Brasil, o governo está isentando de PIS e Cofins computadores que custam
até R$ 2,5 mil. A configuração mínima a receber a isenção terá processador de
1,5 GHz, HD de 40 GB, 128 MB de RAM, monitor de 15 polegadas, drive de disquete
e leitor de CD, modem de 56K e uma porta USB. Deverão constar no computador 27
softwares livres, incluindo o sistema operacional, pacote de ferramentas de
escritório e utilitários diversos. O preço estipulado para essa configuração é
de R$ 1.400, podendo ser financiado em até 24 parcelas de R$ 70.


Algumas lojas, porém, conseguem, por meio de negociação com fabricantes,
alcançar preços menores, por volta de R$ 1.300. Ainda assim, o consumidor
brasileiro paga mais do que os chilenos e argentinos.


Utilizando como parâmetro o salário mínimo de cada país, no Brasil o
computador ‘popular’ proposto pelo governo custa 4,66 salários mínimos; na
Argentina, 2,86; no Chile, 1,96. Em dólar, a máquina brasileira custa US$ 627; a
chilena, US$ 461, e a argentina, US$ 424. O cálculo foi feito com base nas
cotações do dia 4 de novembro.


Chile


No país presidido por Ricardo Lagos, o programa Meu Primeiro PC oi lançado no
início de agosto pelo governo federal dentro de outro programa, o Agenda Digital, que. reúne
empresas e poder público com objetivo de diminuir a exclusão digital do país.
Diversas lojas de departamentos e fabricantes de computadores foram convocados
para baixar seus preços e atenderam ao chamado. Já na primeira semana, dez mil
unidades foram vendidas.


‘Este é o tipo de iniciativa que reflete o espírito do país que queremos. Um
grupo de empresas que se unem para oferecer uma oportunidade a setores com menos
recursos. Disso se trata a Agenda Digital, fazer um esforço para que os
benefícios da tecnologia cheguem a todos os chilenos. Para isso trabalhamos
junto com os setores público e privado, para atingir um Chile melhor’, afirmou o
coordenador governamental de Tecnologias de Informação e Comunicação, Carlos
Alvarez, quando o programa foi lançado.


O sucesso do programa é explicado por seu baixo preço. Há quatro
possibilidades de escolha: versões básica e avançada para desktops e
notebooks. A configuração da versão básica de desktop, a mais barata disponível,
difere da brasileira em relação à potência do processador e ao uso de softwares
proprietários.


A máquina chilena possui processador Intel Celeron de 2 GHz, 128 MB de
memória, 40 GB de HD, monitor de 15 polegadas, leitor de CD e sistema
operacional Windows XP Starter Edition. Além disso, o computador vem com caixa
de som, teclado, mouse, além de enciclopédia Encarta, processador de texto Works
(versão simplificada do mais conhecido Word) e editor de imagem Picture It
instalados. O preço na loja é de 249.990 pesos chilenos, o equivalente a R$
1.040, 34% a menos do que a versão brasileira. O valor pode ser pago em até 36
parcelas de 9.900 pesos (R$ 41,4). À vista, ele equivale a 1,96 salário mínimo
chileno. O pacote inclui também garantia de seis meses e um curso de informática
de quatro horas.


Polêmica


Apesar do preço baixo, o programa gerou polêmica. Diversos usuários e
especialistas criticaram a Agenda Digital por ela não oferecer alternativas de
hardware e software, contrariando o que havia sido anunciado em seu lançamento.


‘Muitos internautas consideraram que os preços eram demasiadamente altos, que
os computadores não possuíam tecnologia suficiente para durar um tempo mínimo
sem se tornarem obsoletos, que o uso de software proprietário elevava os
custos… Enfim, existia uma séria de irregularidades no programa, sobretudo
considerando que a Agenda Digital exigia o cumprimento destes pontos’, disse ao
Oppi o jornalista Eduardo Aguayo.


O gerente geral da Microsoft local, Hernán Orellana, que faz parte da
iniciativa público-privada, respondeu desafiando os críticos a oferecerem uma
alternativa mais barata. ‘Que façam e ponham ao lado do nosso
[computador], e vamos ver qual vende melhor’, declarou à imprensa
chilena.


Assim surgiu a campanha ‘Meu
Primeiro PC, mas de verdade’
, da qual Aguayo foi um dos idealizadores. Sua
primeira intenção era apenas conseguir o apoio de empresas para uma versão
alternativa, mas tomou força e virou realidade. ‘A campanha juntou 14 mil
assinaturas para solicitar ao governo a promoção de uma configuração de baixo
custo real e que não subsidie grandes lojas que querem se desfazer de estoques e
prender clientes com seus sistemas de crédito’, conta ao Oppi Eduardo Letelier,
da ONG Centro de Tecnologia e Desenvolvimento do Sul (Cetsur), que acompanhou de
perto a briga.


Com apoio de empresas que ficaram de fora do programa governamental e da
comunidade de desenvolvedores de software livre do Chile, a campanha chegou a
uma máquina 20 mil pesos mais barata, ou seja, 229 mil pesos (R$ 951), e com
configuração mais avançada. O valor equivale a 1,8 salário mínimo chileno.


A versão básica do ‘Nosso PC’, como foi batizada a máquina, vem com
processador AMD Sempron 2,5 GHz de 64 bits (contra o Intel Celeron de 2 GHz do
Meu Primeiro PC), 256 MB de memória (o dobro da versão governamental), 40 GB
(igual), monitor de 15 polegadas, leitor de CD, sistema operacional Novell
Linux, OppenOffice e garantia de um ano (contra seis meses do Meu Primeiro PC).


O acesso à Internet seria subsidiado, assim como na versão oficial. A conexão
discada custa 4.990 pesos (R$ 20) por 12 horas de acesso noturno ou quatro
diurnas ao mês. Já a banda larga sai por 9.990 pesos (R$ 41).


As aulas seriam ministradas por universitários voluntários. A compra poderia
ser parcelada também em até 36 vezes, mas com prestações mais baixas, de 8.990
pesos (R$ 37), financiadas por bancos, em vez das próprias lojas. As vendas
começaram na última semana por telefone, Internet e em quatro lojas. Três mil
unidades já foram comercializadas, a maioria em pequenas cidades, onde as
grandes redes que vendem o computador do governo não possuem filiais.


‘Pensamos que se uma família faz o esforço de comprar um computador, seu
investimento deve lhe ser útil o maior tempo possível. Neste sentido, oferecemos
uma máquina e software com a nova tecnologia de 64 bits que se está incorporando
e cujo desempenho duplica a atual, de 32 bits’, afirmou à imprensa chilena
Christian Leal, outro idealizador da campanha. Leal e seus parceiros aproveitam
para deixar claro que o Nosso PC não é uma iniciativa contra empresas ou um
determinado tipo de programa, mas sim a favor da ‘real luta contra a inclusão
digital’, como afirmam na carta endereçada ao governo. ‘Com o ‘Meu Primeiro PC’,
o governo criou uma marca a mais, sem estimular os mercados a assumir um papel
social’, reclamam.


Houve uma reunião com o subsecretário de economia chileno depois da pressão
causada pela mobilização na Internet, mas o governo não apoiou a iniciativa
oficialmente, apesar de ter prometido estudar com atenção a proposta. Após a
reunião, a campanha foi encerrada. Segundo seus idealizadores, o objetivo de
oferecer uma máquina melhor e mais barata foi atingido. Ainda assim, em sua
página, que continua no ar, eles mantêm questionamentos em relação à política de
inclusão digital do Chile e citam a Argentina como um exemplo de programa que
conseguiu obter um preço menor.


Argentina


No país vizinho de Brasil e Chile, o programa de venda de computadores a
baixo preço foi batizado de Meu PC e funciona desde 1 de
abril deste ano com uma meta ambiciosa – pretende-se vender 10 milhões de
máquinas em cinco anos. Até setembro, haviam sido vendidas 60 mil novas máquinas
dentro do programa. Lá também foi estabelecida uma parceria entre empresas e
governo.


A versão mais barata é um meio termo entre o modelo chileno e o brasileiro.
Os argentinos vão gastar 1.299 pesos (equivalente a R$ 975, 43% menos que o
similar brasileiro) em uma máquina com processador Intel Celeron D 315 (2.26
GHz), 128 MB, HD de 40 gigas, monitor de 15 polegadas, além de teclado, mouse e
caixas de som. Assim como no Chile, o sistema operacional escolhido foi o
Windows XP Starter Edition, juntamente com os programas Works 8.0, Enciclopedia
Encarta 2005 e Picture It 10. O valor pode ser parcelado em 40 vezes de 47,60
pesos (R$ 35,7), financiados por bancos privados e estatais. Para manter a
comparação, o preço equivale a 2,8 salários mínimos da Argentina.


As maiores diferenças são a presença de gravador de CD mesmo na versão básica
e gratuidade no acesso à Internet por seis meses, além de capacitação
profissional online e seis horas grátis de curso de informática. Após os
primeiros seis meses de Internet gratuita, o usuário pagará 11,86 pesos. O
horário de acesso varia de acordo com o provedor. Há uma opção que dá direito à
conexão a qualquer hora do dia sem custos adicionais e outras duas que limitam o
acesso gratuito da manhã até as 9 da noite.


Outra singularidade do programa argentino é que um percentual do valor de
cada computador vendido será destinado a um Fundo de Responsabilidade que
financiará a criação de escolas da Fundação CDI. Os recursos serão administrados
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Até agora duas
unidades já foram inauguradas. A meta é abrir 15 até o fim do ano.


Novamente, a presença da Microsoft e da Intel no programa gera polêmica. Se
por um lado o governo comemora a parceria com as empresas líderes de seus
segmentos, por outro, usuários participantes de comunidades de software livre,
assim como no Chile, condenam a falta de opções. Há meses está disponível para
quem quiser assinar uma petição online, criada por usuários de Linux, que
critica o Meu PC e pede a introdução de programas de código aberto e livre para
baratear custos.


Seus pouco mais de dois mil signatários acreditam que o programa oferece
máquinas à beira de se tornarem obsoletas e com configuração inadequada para os
programas instalados.


‘Sob o pretexto de reduzir a exclusão digital e fomentar a informatização de
todos os setores sociais de nosso país, o Estado está pondo recursos financeiros
e publicitários a serviço da Microsoft e da Intel, distorcendo o mercado a seu
favor e agravando ainda mais o monopólio. Isso reduz drasticamente a
possibilidade de sobrevivência dos competidores destas corporações, que há
tempos oferecem computadores com melhores prestações a preços similares, porém
sem o apoio midiático e de crédito do governo’, reclamam.


O governo de Kirchner, por sua vez, acredita que conseguirá levar adiante uma
idéia antiga que não obteve o sucesso esperado há cinco anos, quando o então
presidente Eduardo Duhalde, hoje seu adversário político, conseguiu aumentar em
apenas 50 mil unidades a venda de computadores no país em mais de um ano. Dados
oficiais mostram que o mercado de computadores domésticos cresceu 98% se
comparado com o primeiro semestre de 2004.


O ministro da Economia e idealizador do projeto, Roberto Lavagna, defende a
parceria entre Estado e setor privado dizendo que muitos recursos foram
economizados. Foram colocados à disposição do programa US$ 2,3 bilhões para
financiamentos. Desse total, US$ 300 milhões vêm de bancos privados. As empresas
deram 30% de desconto em seus produtos para ser possível alcançar o preço.


Os críticos, entretanto, afirmam que, na verdade, o governo fez um favor às
duas multinacionais, pois, sem o programa, dificilmente elas conseguiriam vender
a quantidade de máquinas e programas. ‘É uma sangria financeira para a
Argentina’, diz a petição online. ‘A diminuição do preço da licença é um
exercício de hipocrisia por parte da gigante de software: para eles, as licenças
são grátis, e o suposto ‘lucro cessante’ que assumem é fictício, já que se trata
de licenças que os clientes jamais teriam comprado se não existisse o programa
Meu PC’.


Outro problema apontado é o preço. De acordo com Danilo Lujambio, da ONG Nodo
Tau, que trabalha com inclusão digital na Argentina, o valor estabelecido pelo
governo não é muito vantajoso em relação ao que se pode obter no comércio.
Entretanto escreve, em artigo disponível no site da Associação para o Progresso das Comunicações
(APC)
, que o ‘interessante é a forma de financiamento. Porém, ao ler as
condições do Banco Nación, percebemos que é necessário ter uma renda superior a
700 pesos ou ao menos dois que somados consigam isso, mas nenhum dos dois
salários deve ser menor que 500 pesos’. Lujambio recorda que 27% das casas da
Grande Buenos Aires, onde vive mais da metade dos argentinos, está abaixo da
linha de pobreza. Ou seja, o lar sobrevive com menos de 760 pesos por mês, valor
de uma cesta básica no país. ‘Dificilmente estes lares podem ter crédito’,
lamenta para depois também criticar a falta de planejamento na capacitação dos
que comprarem o Meu PC. ‘O uso com sentido está absolutamente ausente do plano’.


Apesar de as iniciativas governamentais do Chile, Brasil e Argentina – os
três países mais ricos da América do Sul – conseguirem baixar os preços das
novas tecnologias de informação e comunicação, o maior problema parece ser um
velho conhecido: a má distribuição de renda e a grande pobreza comuns aos
três.





Brasil (PC Conectado)

Argentina (Meu PC)

Chile (Meu Primeiro PC)

Chile 2 (Nosso PC)

Preço

R$ 1.400

R$ 975

R$ 1.040

R$ 950

Parcelas

24 de R$ 70 (R$ 1.680)

40 de R$ 35 (R$ 1.400)

36 de R$ 41 (R$ 1.476)

36 de R$ 37 (R$ 1.332)

Preço à vista em dólar de acordo com moeda local

US$ 627

US$ 435

US$ 461

US$ 424

Salários mínimos locais necessários para comprar à vista

4,6

2,8

1,9

1,8

Processador

1,5 GHz

Intel Celeron D 315 (2.26 GHz)

Intel Celeron 2 GHz

AMD Semprom 2,5 GHz (64 bits)

HD

40 GB

40 GB

40 GB

40 GB

Memória RAM

128 MB

128 MB

128 MB

256 MB

Monitor

15′

15′

15′

15′

Multimídia

Leitor de CD 52x

Leitor 52x /gravador de CD

Leitor de CD 52x

Leitor de CD 52x

Sistema Oper.

Linux

Windows XP Startert Ed.

Windows XP Startert Ed.

Linux Novell Suse

Programas instalados

27 programas, entre eles OpenOffice

Works 8, Picture It 10

Works 8, Picture It 10

OpenOffice

Outros

Teclado, mouse, caixas de som

Teclado, mouse, caixas de som

Teclado, mouse, caixas de som

Teclado, mouse, caixas de som

Garantia

12 meses

6 meses

6 meses

6 meses

Internet subsidiada?

Não

Sim

Não

Não

Capacitação gratuita

Não há

6 meses

4 meses

4 meses

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Jornalista, participa da área de Informação e Comunicação da Rede de Informações para o Terceiro Setor; o Observatório de Políticas Públicas de Infoinclusão (OPPI) foi criado atendendo a uma proposta da RITS de implementar um processo de monitoramento, análise e promoção de projetos e políticas que promovam a infoinclusão e as questões de universalização do acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no Brasil