Steve Jobs deixou a presidência da Apple na quarta-feira (24/8). Depois de plantar as sementes da empresa em 1976, junto com Steve Wozniak, o irascível criador e mentor da empresa deixa o cargo pressionado por suas condições de saúde: ele tem câncer, já teve parte de seu aparelho digestivo removido, sobreviveu a um transplante de fígado e reconheceu que “já não pode desenvolver seu trabalho como antes”. Jobs deixa a empresa nas mãos de Tim Cook (seu executivo-chefe de operações), depois de torná-la uma das quatro grandes plataformas da web – junto com a Amazon, o Google e o Facebook. No dia 9 de agosto deste ano, o DailyBeast apresentou a Apple como a empresa mais valorizada no mercado de ações nos Estados Unidos, alternando posições com a Exxon Mobil.
Criança posta para adoção por sua mãe americana, Jobs é filho natural de pai sírio. Foi adotado pela família que lhe deu o nome. Foram morar em Palo Alto, Vale do Silício. Steve nunca teve vida acadêmica. Desistiu cedo da universidade e “foi buscar iluminação na Índia”, anotou a Reuters (25/8). A agência realçou seu gênio difícil como colega de trabalho e como pessoa. Jobs é o tipo de homem que se apega a uma linha de raciocínio e permanece fiel a ela mesmo quando a conjuntura aponta para outra direção.
Foi assim com os computadores pessoais. Steve lançou o primeiro deles com uma interface gráfica “amigável”, o Macintosh, em 1984. Ainda lembro o espetáculo montado por ele para lançar o produto: tendo ao fundo a IBM, que fazia o papel do Big Brother (numa referência à distopia futurística de George Orwell, 1984), a Apple aparece a lançar o primeiro computador pessoal como uma forma de liberação pessoal do indivíduo das megaempresas de computação da época. Jobs sempre acreditou em tecnologias proprietárias. Seu computador tinha arquitetura fechada e todos os produtos da Apple são produzidos dentro dessa filosofia até os dias de hoje.
No negócio de players
Naquele momento, ele parecia estar na contramão da história. A IBM liberou a arquitetura interna de seus PCs e seus clones, a partir daí, dominaram o mercado dos computadores pessoais. Jobs nunca abriu a tecnologia de nenhum produto da Apple. Muitos previram o fim da companhia quando o boom dos PCs tomou conta do planeta. Mas ele prosseguiu na sua firme determinação de não ceder nada ao que o mercado dizia, nem a própria comodidade do consumidor: quem quisesse o computador pessoal da Apple, deveria comprá-lo como um produto fechado. Nada de arquitetura aberta, clones, ou hardware genérico para Jobs. Tem início a legendária guerra PC versus Mac.
Um ano depois, a companhia estava em má situação. Seu presidente-executivo e amigo John Sculley é avisado que Jobs planeja derrubá-lo às vésperas de sua viagem à China. Sculley cancela a viagem. Jobs o confronta e diz que ele “não é o homem certo para gerir a empresa”, comentou o MacWorld, em 2005. O conselho da Apple fica contra seu fundador, que é afastado para função irrelevante. Ele pede demissão, mas lhe é negada. Jobs consegue reunir então alguns poucos, mas importantes, cérebros da empresa em torno de si, e deixa a Apple. Criou uma nova empresa de PCs (mantendo sempre a concepção de arquitetura fechada), a NeXT, que produziu o sistema operacional NeXTStep. Pouco tempo depois, a Apple comprou o sistema de Jobs. Ele voltou como consultor, em 1997, e em pouco tempo já estava de novo à frente da empresa.
Depois de sua volta, Steve Jobs procurou diversificar a pauta de produção da companhia porque a competição entre computadores pessoais não garantiria a sobrevivência da Apple. Steve Jobs sabia disso. E resolveu entrar no negócio de players de músicas, telefonia e telecomunicações: o iPod saiu em 2001, o iPhone em 2007 e o iPad em 2010. O homem de temperamento difícil, o hippie budista bilionário não só salvou a Apple, mas a colocou no caminho para o topo.
Produtos inovadores
O editor de tecnologia John Biggs, da TechCrunch, escreveu uma bela reportagem sobre Steve Jobs, sinalizando o fim de uma era:
“Todos conhecemos os traços gerais: o homem piorou, quase desistiu, escondeu tudo. Escolheu um sucessor e o preparou para ser uma força calma, como ele mesmo um dia foi. Ele nos manteve surpresos, entretidos, constantemente especulando. Nós nos perguntávamos onde ele estava. Se estava bem. Todos conhecemos os traços gerais: Ele não está bem. Afastou-se do cargo. Outro budista (ou próximo o bastante de um) disse: `A marca do homem imaturo é querer morrer nobremente por uma causa, enquanto a de um homem maduro é querer viver humildemente por uma.´ Vá com Deus, sr. Jobs. Vamos sentir sua falta nos palcos.”
Belo texto, embora soe como elegia. E Jobs está vivo. Enquanto ele viver, e depois, vou continuar discordando dele em relação ao papel das tecnologias digitais na sociedade humana. Acredito, como disse sabiamente Manuel Castells, que o caminho para a liberação da mente humana virá através da comunicação e “levará em conta a diversidade dos meios digitais”. Para que isso se concretize, precisamos de uma visão mais colaborativa, e menos empresarial, no mundo digital. Mas, por enquanto, os homens parecem bastante distraídos com seus novos brinquedos de conteúdo tecnológico para perderem tempo com elucubrações filosóficas.
Jobs estava certo, afinal, sobre quais caminhos a firma deveria trilhar. Continuou apostando na comercialização de produtos tecnológicos de arquitetura fechada e tecnologia proprietária. Vendo que não venceria a competição no mercado de computadores, diversificou a produção da companhia com produtos inovadores e de grande sucesso. Ao fazê-lo, salvou a Apple da falência e elevou-a à condição de uma das gigantes do mundo digital.
Angústia e incerteza
A vida toda discordei de Steve Jobs e sua filosofia empresarial. Principalmente sua insistência com as tecnologias proprietárias. Mas, ao fim das contas, tenho que reconhecer que sua perseverança inabalável fez com que ele alcançasse todas as suas metas e muito mais. Espero que a força que o conduziu o tempo todo nos momentos de angústia e incerteza o ajude agora. E que ele ainda permaneça conosco o máximo que lhe for permitido. Ele é um lutador. E eu respeito sua persistência e paixão, que levaram sua empresa a ser o colosso que hoje é.
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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]