‘Ainda estamos na infância da cibercultura’, afirma o filósofo francês Pierre Lévy, 53. Para ele, as principais transformações sociais provocadas pela tecnologia ainda estão por vir.
Foi esse o tema central de seu livro Cibercultura (editora 34, 264 págs., R$ 38) lançado no Brasil há dez anos e que até hoje aquece discussões sobre os rumos da cultura digital.
Para celebrar o aniversário da tradução brasileira do livro, aconteceu na quinta e sexta-feira (1 e 2), em Santos, o evento Cibercultura 10+10.
Além de Lévy, esteve também presente o ex-ministro e músico Gilberto Gil. Pouco antes de embarcar para o Brasil, Pierre Lévy conversou com a Folha, por e-mail. Leia trechos da entrevista.
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Após dez anos da publicação de seu livro no Brasil, quais mudanças o senhor destaca nas redes digitais?
Pierre Lévy – A mais importante mudança é a demográfica: mais e mais pessoas estão participando da comunicação digital a cada dia. Em dez anos, a maioria das pessoas estará conectada.
Não posso deixar de mencionar o aumento da facilidade de criar conteúdos e remixar todos os tipos de informação multimídia. Outro aspecto são as múltiplas utilizações da tecnologia sem fio e a presença dos ultraportáteis e netbooks.
Quais as tendências para o futuro próximo?
P.L. – Vejo o crescimento das tendências em direção à criação distribuída, conteúdos gerados por usuários, o compartilhamento em rede global e a categorização social.
Do ponto de vista técnico, deve crescer o uso da computação em nuvem e das tecnologias de realidade ampliada. Jogos on-line multijogadores ficarão mais populares. Em resumo, a tendência básica é o aumento de poder da inteligência coletiva.
As tentativas de restringir a liberdade na internet terão êxito?
P.L. – Eu não acredito que controles e restrições irão ter êxito. Há um movimento bem mais forte em direção à interconexão além de todas as fronteiras, liberdade de criação de comunidades e aumento das faculdades cognitivas coletivas e pessoais.
A inteligência coletiva livre é a real plataforma do desenvolvimento humano e da prosperidade econômica, então todos possuem interesse em sua expansão irrestrita.
Quais os principais problemas no caminho da cibercultura?
P.L. – Eu vejo dois principais problemas. Primeiro, a parte física da interconexão digital já está pronta ou estará em breve. Mas a interconexão semântica ainda é um grande problema: pessoas falam diferentes línguas, sistemas de classificação diferentes e possuem distintas experiências disciplinares e culturais. Eu acredito que precisamos uma metalíngua computável universal, que irá nos ajudar a traduzir, procurar, analisar e sintetizar informação de forma colaborativa e aberta. O segundo problema é a evolução de todo sistema de mídia, político e educacional. Se as pessoas continuarem a se prender à velha forma estática e centralizada de comunicação (isso inclui estruturas legais) algumas transformações serão muito dolorosas.
Como define a cibercultura?
P.L. – Nós ainda estamos na infância da cibercultura. Nossos sistemas econômicos, políticos e educacionais serão profundamente modificados no próximo século. Por isso, eu a defino da mesma forma que em 1997, quando o livro Cibercultura foi publicado em francês.
Existe uma cibercultura hoje em dia exatamente como existia uma cultura hieroglífica no tempo dos antigos egípcios, de manuscrito alfabético no tempo do império romano, ou de impressão no fim do século 18 na Europa.
No caso da comunicação digital, as principais características são a onipresença da informação, a interconexão geral de documentos e pessoas, e a automatização da manipulação simbólica (força computacional, software).