O jovem José Rossoni Rodrigues, visivelmente embriagado, reclama que ninguém retorna suas brincadeiras nas redes sociais. O vídeo, que é caseiro e não traz nenhuma informação relevante ao público, foi um sucesso instantâneo no YouTube, o site de compartilhamento de vídeo do Google. Em uma semana, Ninguém me cutuca no Facebook foi visto 1,46 milhão de vezes. Rossoni, que se sentia solitário em Porto Velho (RO), ganhou oito páginas de fãs no Facebook e vem recebendo diariamente de 50 mil a 80 mil “cutucadas”. “Meu pai e meus dois irmãos estão me ajudando em casa a cutucar as pessoas de volta. Não esperava uma repercussão tão grande”, afirma.
Vídeos como o protagonizado por Rossoni, gravados de maneira precária e sem roteiro, fazem um enorme sucesso na internet. Em três meses, o vídeo Mataram a formiguinha, que dó – no qual uma criança chora porque o irmão exterminou sua formiga “de estimação” – foi visto 15,6 milhões de vezes. Internacionalmente, um dos maiores êxitos é um vídeo no qual o bebê Charlie morde o dedo de seu irmão Harry. Em 56 segundos, Harry ri, demonstra dor e raiva, chora e volta a sorrir. Há quatro anos no ar, o vídeo teve menos 361,8 milhões de exibições.
A questão é: por que vídeos desse tipo estão sempre entre os mais vistos e compartilhados na web?
Jonah Berger, professor assistente de marketing da Universidade de Wharton, na Pensilvânia, estudou esse comportamento e chegou a uma conclusão curiosa: esse tipo de vídeo faz sucesso porque desperta emoções viscerais nos internautas. São sentimentos que provocam reações físicas, como descarga de adrenalina, aumento da frequência cardíaca e suores. Sob o calor da raiva, da alegria ou de outro estado emocional, as pessoas ficam mais propensas a compartilhar o conteúdo com a sua rede de contatos. “Vídeos que evocam emoções fortes são os que mais tendem a ser compartilhados. Nesse caso, o conteúdo conta mais do que a qualidade da produção”, afirmou Berger ao Valor, por telefone. Para o professor, mais do que transmitir informação, as pessoas querem compartilhar emoções.
A identificação com o personagem
Berger chegou a essa conclusão depois de analisar 7,5 mil artigos do New York Times enviados por e-mail entre agosto de 2008 e fevereiro de 2009. O pressuposto era de que os artigos informativos seriam os mais compartilhados. Mas o pesquisador descobriu que as histórias de caráter humano eram as mais reproduzidas por e-mail. Nos vídeos, diz ele, o comportamento se repete. “Vídeos engraçados ou divertidos são muito compartilhados, assim como o conteúdo que evoca ansiedade, raiva ou admiração. Quanto maior o estímulo emocional provocado, maiores as chances de compartilhamento”, diz Berger.
Um outro fator, além das emoções que os vídeos despertam, contribui para a chuva de comentários e reproduções na internet, diz Rosa Maria Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC de São Paulo. Enquanto acessa a web, o internauta entra em um estado alterado de consciência, em que os limites de autocensura ficam mais tênues. E se está em casa, sozinho e passando por algum problema emocional, a tendência a compartilhar vídeos aumenta, assim como a decisão de fazer uma gravação e publicá-la. “São processos psicológicos ainda pouco estudados, mas que também entram no jogo”, diz a psicóloga. A identificação com o personagem do vídeo, ou com a situação que ele vive, é outro determinante no compartilhamento, afirma Rosa. “A sensação de `poderia ter sido eu ou poderia ter acontecido comigo´ contribui para o sucesso desses vídeos”, acrescenta.
Criticar um “sem noção”
No ranking de vídeos mais comentados e compartilhados no país nos últimos 30 dias, feito pelo Google, oito tratam de temas do cotidiano com uma certa dose de humor (por vezes, beirando o sarcasmo), como o Coisa de crente, em que o apresentador fala sobre religião, além dos vídeos Avenged Sevenfold, Vlogs e A Morte da Amy, Jô Soares, Produtos de Beleza e Harry Potter e 100 coisas que me incomodam, todos do humorista PC Siqueira. O vídeo Zé Graça Entrevista – Rafinha Bastos, também faz sucesso ao mostrar um suposto perfil do humorista. A lista também inclui vídeos que tratam de temas mais dramáticos como a solidão, caso de Jullya – solitária. Apenas três vídeos são mais bem produzidos. O comercial Nissan – Pôneis Malditos e os vídeos Harry Potter Water e 1000 Guitars, de Jonatas Penna, conhecido por criar vídeos criativos para a web.
Para Elizangela Grigoletti, gerente de inteligência e marketing da Miti Inteligência, a falta de pretensão dos vídeos caseiros é um dos motivos do seu sucesso. “As pessoas identificam seus personagens como alguém que não querem ser, ou, ao contrário, que gostariam de ser”, afirma. Seja para criticar o que consideram um “sem noção”, seja para elogiar seu novo objeto de afeto, a decisão é enviar o vídeo à rede de contatos.
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[Cibelle Bouças, da Redação do Valor Econômico]