Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Previsões e tendências do jornalismo online

A multiplicação de blogs e redes de relacionamento vem sendo intensificada a cada ano desde a popularização da internet, no final da década de 1990. Auxiliado ainda mais pela chegada da banda larga, o prisma de vozes que aportam diariamente aos milhões de páginas existentes criou uma legião de opinadores e observadores dos fatos do cotidiano, colocando em dúvida o papel da ‘velha’ mídia dentro deste fenômeno tecnológico.

Ao verificarem a potencialidade das novas ferramentas da web, grandes jornais iniciaram o que se poderia chamar de ‘êxodo midiático’. Criados inicialmente como uma extensão das versões impressas e televisivas, blogs e canais de compartilhamento de dados ganharam proporções que remetem às previsões sobre o futuro da forma tradicional da imprensa quando a televisão (inventada em 1926) assumiu o status de meio de massa, no fim dos anos 1940.

Em um cenário tão complexo e dinâmico, o 2º Seminário Internacional de Jornalismo Online, Mediaon, reuniu jornalistas e teóricos da comunicação em uma tentativa de localizar o webjornalismo e as tendências da colaboração entre o profissional e o leitor diante da grande quantidade de informações disponibilizadas na rede. Realizado entre os dias 9 a 11 de setembro, pelo Itaú Cultural e Terra, o evento foi dividido em sete painéis distintos.

Censura, não, mas moderação

Os três painéis abertos ao público na quarta-feira (10/9) foram pautados pela discussão em torno das plataformas virtuais nas eleições de 2008. No primeiro painel, ‘A web e as eleições brasileiras’, o mediador e editor de Política do Correio Braziliense, Alon Feuerwerker, disse que, em teoria, uma eleição baseia-se em embates de argumentos e a internet catalisou este processo, gerando, conseqüentemente, um salto qualitativo como um todo. ‘Esta mudança de velocidade, onde o produtor e o consumidor de informação se fundiram, permitiu que muito mais gente passasse a vigiar a atividade política’, explicou.

O impasse colocado foram os entraves da legislação brasileira no processo eleitoral. Segundo o editor-chefe do Terra Magazine, Bob Fernandes, do ponto de vista da internet a cobertura da eleição proposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (STE) é uma fraude, pois ele pressupõe que se um candidato é consultado em determinado município, todos os outros também devem ser – o que seria inviável. ‘Dentro disto há uma lógica regida por grandes corporações que têm capilaridade nesses lugares e controlam os meios de comunicação’, disse.

A ‘pulverização’ da informação na base da sociedade criou um cenário permeado por frentes de pressão. ‘Eu nunca me senti tão cerceado pela legislação. Quando a lei proíbe jornais de fazerem sabatinas porque entende que isso é propaganda política, a legislação perdeu sua razão de ser’, comentou o editor-chefe da Folha Online, Ricardo Feltrin. Para ele, além do judiciário, os partidos políticos também fazem colocações quanto à cobertura quando se vêem injustiçados pelo jornal. ‘Aberrações jurídicas são criadas por conta da legislação’, disse. Feltrin citou também problemas relacionados aos comentários dos internautas. ‘A internet não precisa de censura, mas de muita moderação.’

Doações online

O painel 2, ‘O novo jornalista e a cobertura eleitoral – utilização de inovações e ferramentas multimídias’, fazia a conexão entre as novas habilidades técnicas dos estudantes de Jornalismo e a exigência atual do mercado. Após uma breve apresentação audiovisual de sua equipe de trabalho a respeito das diferenças de se trabalhar em uma empresa voltada majoritariamente para a criação de sistemas operacionais, a produtora executiva do MSN Brasil, Andrea Fornes, afirmou que ‘a produção de conteúdo de jornalismo não está nas mãos apenas de conglomerados de mídia. Provedores de acesso e de softwares, como a Microsoft, também entraram nesse negócio’.

Outro ponto debatido foi a fragmentação do sistema de pensamento imposto pelo advento da internet, já que a os blogs republicam a idéia de outros, no que se convencionou chamar de ‘cultura do espalhe’. Assim, uma vez inserida na rede, a opinião pública age como uma corrente vigilante do trabalho da imprensa. ‘A internet é uma mídia de destruição de reputação’, afirmou o professor da Universidade Federal do Espírito Santo Fábio Malini. Em sua opinião, uma mutação patente no jornalismo online foi a participação organizada em diversos espaços, passando a ser cada vez mais uma produtora de serviços de informação do que de notícias.

Representando a visão do curso de Jornalismo, o editor de Treinamento Editorial da Abril Edward Pimenta traçou um perfil geral do estudante que chega ao mercado atualmente, ressaltando que há diferenças entre o que se exige do jornalista do meio impresso e da web, em que este trabalha em um campo que somente ele tem capacidade de lidar. ‘O treinamento tem que ser contínuo; a experiência como um formador de opinião é essencial e complementos, como os cursos que oferecemos, tem que ser oferecidos’, salientou.

Mediado por Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha de S.Paulo, o terceiro painel, ‘A web e as eleições nos Estados Unidos’, focou a experiência pioneira do candidato à presidência dos Estados Unidos Barack Obama na criação de uma rede de relacionamentos própria, permitindo que seus eleitores se mobilizassem entre si, além de possibilitar doações online de qualquer valor.

Falar sobre qualquer coisa

Desde o início do ano, Obama já arrecadou cerca de U$ 375 milhões de dólares para a sua campanha com doações. Boa parte delas, cerca de 75%, veio por meio de pequenas contribuições feitas no site www.mybarackombama.com – o que aponta, pela primeira vez, uma alternativa ao velho recurso de financiamento de grandes corporações e empresários. ‘Ele promove uma competição entre os membros para ver quem arrecada mais dinheiro e também localiza os potenciais eleitores de uma determinada comunidade, por meio da identificação do CEP do usuário’, disse o correspondente em Washington do Grupo Bandeirantes de Rádio, Francisco Mendes.

Segundo Mendes, a participação dos blogs na cobertura política dos EUA é crescente – alguns, inclusive, recebem sinal verde para participarem dos eventos promovidos pelos partidos –, mas pensa que 2008 ainda não é o ano em que a internet será capaz de mobilizar a população no mesmo patamar que os veículos tradicionais. ‘Mesmo possuindo grande penetração, a internet ainda não consegue mudar o voto do eleitor comparado a outros meios como o rádio e a televisão’, revelou.

Miguel Almaguer, repórter especializado em furos jornalísticos do jornal das 11 horas do canal News4, partilha da mesma opinião sobre a ascendente presença da internet na fatia dos consumidores de mídia. ‘Em termos de cobertura pela internet, a maior parte do conteúdo não é filtrada. Não há equipes editoriais coordenando e há a liberdade de se falar sobre qualquer coisa. Quando se trata de grandes empresas de comunicação, acredito que esta cobertura seja feita de modo justo.’ Almanguer acrescentou uma indagação ao questionar se o grande número de doadores que fazem pequenas doações, em sua maioria jovens, irão realmente aparecer nas urnas no dia da eleição.

Fiscalizar Amazônia por satélite

No último painel do dia, ‘Relevância do conteúdo jornalístico gerado pelo usuário’, foram apresentados alguns exemplos de redes colaborativas criadas por empresas de comunicação, no que diz respeito à relevância do conteúdo produzido dentro delas e sua importância como fontes de informação para plataformas usuais, como o jornal impresso. Uma das experiências de maior projeção desta aproximação é o iReport, da CNN, que permite a publicação de todos os que tenham uma boa estória a contar. O site dá maior liberdade à variedade de pautas e conecta o usuário comum com a estrutura da rede. Na opinião da produtora sênior da CNN.com, Lila King, é um formato rico porque ‘tudo que o usuário colocar aqui é notícia e as pessoas podem ler e comentar. É algo feito pela comunidade’. E completou: ‘Os colaboradores mais ativos são convidados a participar de entrevistas na televisão. É uma forma dos candidatos chegarem até os eleitores como a CNN chega.’

Numa plataforma similar, o diretor de conteúdo digital do Estadão, Marco Chiaretti, demonstrou como opera o portal de relacionamento virtual criado pelo Grupo Estado. ‘Inventamos um portal para o público jovem, entre 18 e 25 anos em sua maioria.’ Além do cadastro básico, é pedido o número do CPF. ‘A quantidade de acessos foi bruscamente restringida, mas com isso nós não temos problemas de violação de direitos humanos que afetam outras redes, como o Orkut.’ Chiaretti pensa que é preciso encontrar formas de tornar visível a mais pessoas o que é publicado. ‘Não basta apenas abrir uma plataforma, temos que tornar isso interessante para os outros usuários’, disse.

A última palestrante do dia foi Márcia Menezes, editora-chefe do G1, que mostrou como ocorre a interação do público com o portal de jornalismo da Globo. ‘Nós damos mais valor para a informação do que para a opinião, o que exige muita checagem’, disse. A dificuldade nesse campo, segundo ela, é a veracidade do que recebem dos usuários. Ao contrário dos outros dois modelos apresentados, o processo participativo está dentro do produto jornalístico. Outra questão levantada por Menezes foi o que se julga como ‘jornalismo colaborativo’. ‘Está na hora de se pensar um pouco mais sobre este conceito. É um espaço que possui outras concepções sobre tempo e limite de dados. Podemos ouvir mais o que elas estão falando, estamos criando uma rede social forte no Brasil e que pode ser usada para algo mais relevante.’ Na seqüência, foi apresentado o site globoamazonia, que permite ao usurário fiscalizar queimadas e desmatamentos da maior floresta do mundo por meio de imagens de satélite, além de poder contribuir com informações em diversos formatos.

Informações quentes e diárias

O último dia do 2º Seminário Internacional de Jornalismo Online (quinta, 11/9) prosseguiu com os debates sobre a utilização de novas plataformas na cobertura feitas pela mídia e no incremento do contato com o leitor colaborativo. O editor de blogs da BBC, Giles Wilson, deu início ao sexto painel, ‘Blogs e Social Media. Como encontrar e envolver novas audiências?’. Em sua opinião, o sucesso dos blogs reside no fato de poderem explicitar uma posição, o que os tornou populares.

A interatividade oferecida aos usuários também é um diferencial. ‘Blogs são autênticos, dizem diretamente qual a estória contada, sem obstruções’, analisou. O funcionamento deste recurso implica em um diálogo entre o leitor e o editor e a melhor maneira se garantir esse canal é tendo o que Wilson chama de ‘autor único’. ‘O moderador tem que publicar e responder aos comentários dos leitores, pois eles precisam saber que sua opinião tem valor.’ Para ele, existem regras a serem respeitadas e uma delas é a reciprocidade com a audiência. ‘Se você fizer um erro, não apague. Simplesmente explique o que deu errado e acabe com a estória’, finalizou.

O grande marco que mudou o jeito de se ver a internet, segundo o editor-chefe da Superinteressante, Sérgio Gwercman, foi o ataque ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001. ‘A internet estava lá, mas todos se utilizaram da TV. Hoje há uma explosão das fontes de informação e a `blogmania´ é o resultado disso.’ Uma contribuição importante da blogsfera, de acordo com Gwercman, é a possibilidade desse aumento de dados complementarem a cobertura jornalística. Para isso, ‘a edição da notícia é cada vez mais importante para ser acompanhada na rede. Nós [da Superinteressante] usamos os blogs para informações quentes, diárias’.

Redes de relacionamento

Ele concorda que a presença de um ‘autor único’ é relevante, pois a blogsfera é composta de nichos, permeada por assuntos segmentados. Este comportamento só é possível porque há uma sensação de comunidade entre os adeptos de um mesmo tema. Mas o que fazer quando o editor migra para outro veículo e abandona esse canal de comunicação? ‘Não só jornalistas mudaram, mas blogueiros também entraram neste fluxo, o blog faz parte da carreira pessoal deles e se infiltrou nisso quebrando paradigmas.’

Sob o tema ‘A revolução do conteúdo nas redes sociais’, o blogueiro e professor da Universidade Nova de Lisboa António Granado disse que para se compreender como os sites de redes sociais ultrapassaram em tráfego as velhas mídias tradicionais, é necessário que estas os vejam sob uma perspectiva otimista. ‘Não devem entendê-los como adversários. Criar uma rede própria dentro dos seus sites é perda de tempo quando há ferramentas já suficientemente boas’, defendeu. Para o manuseio adequado destas plataformas, Granado recomendou que as empresas de comunicação trouxessem as redes sociais para dentro de seus sites.

O diretor de conteúdo do iG, Caique Severo, acrescentou que empresas que dão ênfase ao conteúdo terão de investir em tecnologia para acompanhar as tendências do mercado. ‘Você tem que tratar seu produto dentro dos padrões que regem a comunidade.’ A identidade da instituição com o leitor também é vital, pois ‘as pessoas querem se relacionar com pessoas, é importante a dedicação e o entendimento de que faz’. Blogs pessoais, como colunas, e blogs específicos, com posicionamentos que atendam determinado nichos, são vias que seguem corretamente esta lógica.

Ainda incipiente no Brasil, mas com uma margem razoável de usuários, a rede social Myspace tem crescido gradativamente como uma alternativa ao seu concorrente já extensamente acessado, o Orkut. A coordenadora de conteúdo do site, Marina Valle, revelou os diversos aplicativos disponíveis ao usuário cadastrado. A diferença entre as demais redes é que o Myspace condensou a publicação de textos, fotos e vídeos em um mesmo espaço. O layout é um sucesso entre bandas do mundo inteiro e é usado como portfólio de divulgação por cerca de 100 mil grupos no país.

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Estudante de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, SP