Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Projeto Azeredo permite aplicação arbitrária

Um grupo de entidades de comunicação e de defensores da democratização do acesso às informações via internet realizou um protesto na quarta-feira (13/5) em frente à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), contra o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB) que proíbe o compartilhamento de dados e uso de redes compartilhadas. O substitutivo, que já foi aprovado no Senado e aguarda aprovação na Câmara Nacional, tem recebido diversas críticas de defensores da democratização do acesso à informação via internet por cercear o acesso a redes de compartilhamento, a ponto de ser chamado de AI-5 digital.

Um dos líderes da mobilização contra a aprovação do PL, o professor Sérgio Amadeu, aponta que é fundamental impedir a aprovação de três dos artigos do projeto, que criminalizam ações comuns dos atuais usuários da internet, como compartilhar e baixar arquivos em redes e utilizar a internet de um roteador de wireless com acesso aberto em cafés e bares.

Uma das justificativas para a aprovação do projeto é ampliar a segurança digital e coibir crimes como pedofilia e violação de dados bancários, por exemplo. No entanto, Sérgio diz que já existem leis que tipificam esses crimes no atual Código Penal e que o atual projeto serve a interesses dos intermediários afetados pelas redes e de bancos que sofrem perdas com as invasões de sistema. A seguir, sua entrevista.

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‘Compartilhou arquivo, violou a lei’

Tem havido debate amplo sobre o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo?

Sérgio Amadeu – Esse projeto foi aprovado no Senado sem que se tivesse essa consciência sobre os impactos negativos sobre a comunicação em rede. Ele tem um erro muito grande porque antes de nós termos uma lei no Brasil definindo quais são os direitos do cidadão na internet, a gente já cria os crimes para coibir o uso da internet. E, na definição desses crimes, o substitutivo do senador Azeredo que vai ser votado no Senado, e agora na Câmara, tem uma redação extremamente genérica, perigosa, que pode transformar uma prática cotidiana de jovens e adultos na internet em ações criminais, o que é uma aberração.

Quais são as falhas do projeto?

S.A. – O simples fato de destravar um DRM – que é um dispositivo que é ilegal, na minha opinião, pois viola a lei de defesa do consumidor – para passar uma música de um CD que você comprou para o seu pen drive ou computador, pode se constituir em uma violação do artigo 285 da proposta do senador Azeredo. Se você compartilhar um arquivo numa rede P2P (peer to peer) e se baixou um arquivo no seu computador, você pode violar o artigo 285 b. Se você abrir o seu roteador, por exemplo, em um bar um café para garantir que seus clientes tenham mais conforto, coloca o roteador de wireless de acesso à internet usando um acesso aberto e todo mundo que senta lá se conecta, como ocorre em vários cafés e atualmente em várias cidades. Assim, estaria violando o artigo 22, que exige que você guarde os logs durante três anos. Os logs são os registros de navegação das pessoas que usaram um determinado número de IP. Ao fazer isso, do que adianta você guardar um log sem saber quem usou aquele número IP?

‘O que é direito e o que não é direito’

A consequência básica é que ninguém mais vai deixar a rede aberta, porque, do contrário, ele vai ser responsável por qualquer coisa que seja feito a partir de sua rede, o que é um absurdo. Na vida real, equivaleria a um motorista de táxi ter que pedir atestado de antecedente, RG, comprovante de endereço pra todo mundo que andasse no seu carro. Porque, se porventura ele transportar um criminoso, alguém pode considerá-lo cúmplice. É o mesmo caso: um roteador de internet transporta um sinal. De repente, se você exige guarda de logs para efeito de criminalização, será instaurado um clima de insegurança e incerteza muito grande, o que vai gerar um grande problema para a inclusão digital no Brasil. Ela já é devagar, e nós vamos, ao invés de beneficiar o uso da internet, criar mais um problema. Outra crítica é que hoje um cracker usa um embaralhador de IPs, uma ferramenta para se tornar invisível na rede, e o criminoso mesmo, aquele que nós queremos que seja preso, aquele que já tem leis contra ele, nós não vamos conseguir fazer nada. Não vai ser uma lei que torna práticas cotidianas um crime, que vai resolver o problema desses caras que invadem redes de computador, que roubam dados. Para isso, precisava de uma lei muito clara: invadir computador e servidor é crime. Mas não é isso o que a lei do Azeredo fala em nenhum momento.

A quem interessa esse tipo de lei?

S.A. – A redação da lei é genérica porque na verdade ela quer atender aos interesses a indústria do copyright, da APCN (Associação da Polícia do Congresso Nacional) que, se puder, prende todos os estudantes que compartilham música. Vem atender o interesse de banqueiros, que querem repassar para a sociedade os custos da segurança, como se eles já não ganhassem muito dinheiro com suas estruturas bancárias. É uma aberração. O que nós queremos é uma lei que regulamente os direitos do cidadão na internet, que a sociedade discuta o que é direito e o que não é direito.

Lobby das indústrias da intermediação

E, depois disso, o que deve ser considerado crime. Agora, nem toda violação é crime. Quando eu digo crime, dentro do Código Penal tem que dar pena de prisão. Por exemplo, o Código de Trânsito diz que você tem que tomar algumas medidas, o Código Civil diz que você tem que pagar o condomínio, por exemplo, mas não é porque você deixou de para uma vez que você é preso como um criminoso. Uma coisa são leis que regulam práticas civis, comunicacionais, outra coisa são crimes que colocam em risco a vida, que colocam em risco aquilo que é o patrimônio dela. Não é caso de a gente antes, então ter uma lei que diga quais são os direitos do cidadão na rede? Oras, este é o momento para discutir quais são os nossos direitos.

Aí perguntam: ‘e os pedófilos?’. Mas pedofilia já é crime no Brasil, e a polícia já prende pedófilos mesmo sem a lei do Azevedo, porque no mundo digital, ao contrário do que alguns divulgam, nenhum computador é invisível na rede. Para se tornar invisível você precisa fazer uns esquemas muito difíceis, que não são quaisquer pessoas que fazem. São crackers que têm muita sofisticação. Então, não precisa agora e lei contra pedofilia na internet, ao contrário. Pedofilia já era crime e continua sendo. E a rede está permitindo pegar esses pedófilos. Infelizmente não todos, porque a maioria dos pedófilos não usam a internet, eles estão nas famílias, estão nas igrejas.

Isso não vai contra tendência das tecnologias de comunicação, de compartilhamento de dados?

S.A. – O Azeredo faz parte de um grupo de lobby que é contra o compartilhamento. São as indústrias de intermediação que foram afetadas com a expansão da internet.

Arbitrariedade absurda

Os usuários não podem encontrar meios alternativos de compartilhar dados?

S.A. – É que é muito inteligente o processo que eles fizeram. Hoje, pego uma música e passo pra você por computador. Se você quiser considerar esse ato criminoso, dá uma megadiscussão porque nós não estamos fazendo nenhuma relação comercial, nós não estamos vendendo nada, a gente está fazendo uso justo de uma obra cultural cerceada pelo copyright. Não tem na lei, mas é o uso justo que permite que a gente empreste um livro na biblioteca. Não tem na lei, mas tem no princípio de que a lei de direito autoral deve proteger a sociedade também, os bens culturais, a prática comum.

Agora, o que o PL do Azeredo faz é criar uma camada de violação de segurança sobre o que seria a troca de arquivos sobre a lei de copyright. Por exemplo, o filme Tropa de Elite, de maior bilheteria no Brasil, foi também o filme mais copiado sem autorização de seus titulares. Aliás, alguns dizem que foi até uma estratégia, mas isso não vem ao caso. O fato é que muitos cidadãos, ouvindo discussões na mídia, nos jornais, sem que um filme estivesse no cinema, foram numa rede P2P e baixaram o filme. Isso é um ato ilegal? Não, hoje não é. Na lei do Azeredo será. O problema é esse: uma lei que não pode ser aplicada é aplicada seletivamente, arbitrariamente, quando interessar. Isso é o pior a lei, é uma arbitrariedade absurda.

Três artigos devem ser impedidos

A mobilização contra o projeto tem ampliado na internet e esta é a primeira vez que o movimento contra o PL sai às ruas. Como tem sido a mobilização em torno do tema?

S.A. – São vários ativistas na rede envolvidos, a gente tem pesquisadores, Começou uma mobilização mais forte com o manifesto no ano passado feito pelo professor André Lenos e por mim, divulgado pelo João Caribé, um ativista do Rio de Janeiro, que pôs o nosso manifesto em defesa a liberdade a internet no petition online, que hoje tem mais de 140 mil assinaturas. A parte disso, uma série de entidades começou a se estruturar na própria internet, com o Intervozes, os midialivristas, o Instituto Paulo Freire, a Associação de Software Livre, o coletivo Epidemia, o Coletivo Digital. Agora começamos a agregar entidades mais tradicionais, dos movimentos mais históricos, como a Oboré, algumas pequenas empresas que dependem da liberdade da internet, como a ForLinux. Estamos tentando convidar as pessoas e sensibilizá-las, para que a gente consiga tirar esses artigos mais absurdos da lei do Azeredo e aí tudo bem, porque a lei ele é inócua e não serve para nada. Se aprovar sem os artigos 285 a, 285b e 22, o estrago que ele pode fazer pode ser muito pequeno. Mas temos que remover esses três artigos de qualquer aprovação.

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Jornalista