Li numa revista, outro dia, que um dos grandes desafios do mundo digital é aperfeiçoar os algoritmos capazes de entender o gosto do internauta. São programas que bisbilhotam as nossas ações on-line (sites visitados, likes, retuítes, compras etc.) e, a partir dessas informações, descobrem exatamente quais produtos nos oferecer.
Se, por exemplo, você passou três horas no Youtube assistindo a shows do Raul, compartilhou via Facebook o texto “Como curar dengue, depressão e lumbago com chá de berinjela!!!” e comprou na reggaeroots.com.br uma pochete com as cores da Jamaica, o computador entende que, talvez, seja mais indicado te sugerir o livro “Os Florais de Bach na Prática da Ioga” do que, digamos, o blu-ray “As Patricinhas de Beverly Hills 2”.
Segundo a matéria, os algoritmos estão evoluindo tão rápido que, logo, logo, mal sentiremos uma coceirinha no nariz, o computador já vai nos desejar saúde –e nos oferecer Rinosoro.
Há quem tema a chegada deste dia: o dia em que o Big Brother lerá nas pupilas do cidadão os seus desejos mais profundos, mas confesso que, diante dos spams desvairados que chegam a este velho PC, aqui pros lados de Cotia, o que mais quero é que o Grande Irmão entenda um pouquinho melhor meus gostos e necessidades.
Lembro ainda hoje quando, no fim do século passado, recebi meu primeiro “Enlarge your penis”. Olhei pros lados, nervoso: por que haviam me mandado aquilo? Eu não me encontrava, pensava, entre o público alvo daquele tipo de e-mail. Ou me encontrava? Teria eu vivido, até ali, em autoengano? Seria aquela mensagem o toque de uma ex-namorada, tipo um recado anônimo na secretária eletrônica: “Você tem bafo!”? A dúvida desapareceu dias depois, ao receber meu primeiro “Enlarge your tits”. Naquele dia, conversei com um amigo e aprendi um novo termo: “spam”.
De lá pra cá, a quantidade de mensagens inúteis só aumentou. Teve a época dos Rolex, da caneta espiã, dos aparelhos para abdominal, dos feromônios, das pílulas para perder peso, das dicas para ganhar dinheiro sem sair de casa –sem falar, é claro, nos velhos companheiros Abdul, da Arábia Saudita, ou Mr. Murukubuku, da Nigéria, que toda semana imploram por minha conta bancária, loucos para depositar milhões em meu nome.
Ultimamente, estamos na fase dos currículos. Marlene Araújo, administração. Anderson Nonato, webdesign. Raul Boucinhas, contabilidade. Recebo também dicas para “aprimorar a logística de distribuição” da minha empresa, para “otimizar a engenharia da minha área financeira”. Diante desses e-mails, fico com a impressão de que, ao contrário do que dizia a revista, os algoritmos não evoluíram nada, do século 20 pra cá.
Ou será que quem não evoluiu fui eu? Será que, depois de cálculos complexos, os computadores intuam que, a esta altura do campeonato, eu já deveria ser um empresário de sucesso, recrutando funcionários, distribuindo produtos, redesenhando minha área financeira?
É, talvez os programas estejam certos, talvez o errado seja eu, que sigo aqui, sozinho, pros lados de Cotia, batucando no meu velho PC. Tudo bem, não me importo, sou feliz assim –só vou me preocupar se, dia desses, abrir o Outlook e encontrar, de novo, um “Enlarge your penis”. Qual foi, algoritmo?! Tá me zoando?!
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Antonio Prata é escritor, colunista da Folha de S.Paulo