Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando a Google é meio Microsoft

Em fins de outubro, a Google anunciou que começará a cobrar dos sites que usam Google Maps. Há um limite: quem tem até 2.500 acessos aos mapas por dia continua a usar de graça. Qualquer blog de médio porte com um mapa na primeira página já passa disso fácil. A decisão de cobrança desperta um certo desconforto entre analistas de tecnologia. A empresa que promete não ser má, afinal, parece estar se entregando às práticas monopolistas da Microsoft durante os anos 1990.

No primeiro momento, a afirmação parece absurda. Afinal, Google Maps é bom, é da Google, se seguirá de graça ou não é decisão do dono. Mas não é tão simples assim. Google Maps é também o site de mapas mais popular da internet. Um por um, ao longo dos anos, a Google foi eliminando cada rival miúdo ou médio do setor. Hoje, sua audiência medida pela Hitwise é o dobro da MapQuest, o segundo colocado. E 15 vezes maior do que Bing e Yahoo Maps, terceiro e quarto respectivamente. Isso na web. Nos celulares, o monopólio é praticamente absoluto.

Google Maps dominou o ramo dos mapas na internet porque é bom. Mas também porque era de graça. E sua utilidade não se dá apenas pela qualidade técnica de seus engenheiros. Google Maps é criação coletiva, enriquecido ao longo do tempo por gente em todo o mundo que foi incluindo fotografias e informação a respeito de locais. Além disso, se popularizou não apenas por causa do Google, mas também porque inúmeros sites de todos os tamanhos decidiram adotá-lo. Ele virou a linguagem pela qual se expressa geografia online.

Empresa distribuiu o Android gratuitamente

A Google de hoje não é a Google de anos atrás. Ela tem poder e parece mais confortável em usar este poder. Para que se tornasse líder, a Google fez uso do serviço gratuito e contou com a mão de obra gratuita de meia internet. Quando inúmeros pequenos sites decidiram apostar na plataforma e gastar dinheiro para desenvolver o serviço, repentinamente lhes chegou uma conta que começa na casa dos US$ 10 mil por ano. Agora, não há alternativa próxima em qualidade para a qual correr.

A Microsoft, durante os anos 1990, aproveitou-se de que todo mundo usava o Windows para dificultar a vida de seus concorrentes em outros ramos, como processadores de texto ou planilhas eletrônicas. Não é exatamente o mesmo caso. A Google não interfere para que os produtos dos concorrentes tenham pior rendimento. Mas a Google é grande e tem dinheiro suficiente para sustentar serviços gratuitos por tanto tempo quanto quiser. Se vira regra e, quando atinge o ponto do monopólio, começa a cobrar, aí é porque há um novo Google no ar. Um Google meio Microsoft.

O negócio dos mapas é um nicho; o dos celulares, não. O sistema operacional Android, hoje, é o número um do mundo. Ultrapassou faz alguns meses o iOS, da Apple. Assim como no caso dos mapas, o Android é um bom sistema. Tem méritos que sustentam sua posição. Mas o gordo caixa da Google também contribuiu. Para disputar mercado com a Apple, a empresa distribuiu seu Android gratuitamente. Quem quer colocá-lo nos seus aparelhos, coloca e não paga nada. Assim, Motorola, Samsung, HTC e outras montadoras de celulares de menor tamanho lançaram modelos Android.

O Google parece confortável

Em agosto, a empresa anunciou que comprara a Motorola Mobility. O Google agora tem uma empresa que fabrica celulares. Ainda não está claro o que ocorrerá. Pode ser que o interesse seja pelas patentes que a empresa comprada tem. Mas se quiser fabricar os aparelhos que rodam o Android, faz todo sentido. O acabamento fica melhor, tudo funciona mais redondo. É a estratégia da Apple. Por outro lado, se a Google virar fabricante, terá atingido este ápice nas costas de futuros concorrentes como, ora, Samsung e HTC. Terá usado de seu domínio no ambiente de buscas para garantir o domínio em outro setor.

É preciso reiterar: não está claro que a Google pretenda se tornar um fabricante de celulares. E o mercado de mapas é importante, porém pequeno. De qualquer forma, a Google de hoje não é a Google de alguns anos atrás. Ela tem poder e parece estar mais confortável em usar este poder. É um poder que facilita seu acesso a conquistar espaço em outros mercados. Nem sempre isso é legal.

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[Pedro Doria é jornalista]