Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Será o Google anti-semita?

Os usuários ainda não entendem as mais básicas convenções da internet. Resultados de busca e links aleatórios em portais ainda são confundidos com endossos, causando muita confusão e problemas com a lei.

Há poucos meses, o blog de um dos maiores militantes virtuais da campanha de John Kerry à presidência dos EUA fez alguns comentários politicamente incorretos. Para não dar a impressão de que o candidato endossava aquelas opiniões polêmicas, o blog de Kerry prontamente ‘deslinkou’ o militante, deflagrando uma crise na campanha.

O PageRank do Google

Os resultados de busca no Google são ordenados por um algoritmo conhecido como PageRank. O ‘page’ não vem da palavra ‘página’, mas de Larry Page, um dos fundadores do Google.

Digamos que você busque por Harry Potter. O Google rapidamente encontra 8 milhões e 200 mil páginas com essas palavras. Até aí, é fácil. Qualquer mecanismo de busca faz a mesma coisa. O desafio é: como ordenar essas 8 milhões de páginas? Quais mostrar primeiro?

Um site atualizado ontem deve ser mais relevante do que um atualizado em 2000. A expressão ‘Harry Potter’ no título é melhor do que aparecendo uma vez só, lá no rodapé. Uma página para a qual 3 mil sites linkam deve ser mais interessante do que outra para a qual só 10 têm link. E por aí vai, tudo tabulado pelo PageRank.

O Google não é o melhor porque encontra mais resultados: ele é o melhor porque mostra primeiro os resultados mais relevantes.

Resultados relevantes

Busque pela palavra ‘Jew’ (judeu, em inglês) no Google e um dos primeiros resultados será o site JewWatch.com, um grupo racista que ‘observa’ judeus pelo mundo. Desde março, organizações judaicas vêm fazendo petições para exigir que o JewWatch seja retirado da listagem. Inflexível, o Google se recusa. Será o Google anti-semita?

Em geral, alega o Google, sites judaicos utilizam outras palavras para se referir ao povo judeu: ‘Judaism’ (judaísmo), ‘Jewish’ (o adjetivo judeu) ou ‘Jewish people’ (povo judeu). Em buscas por essas três expressões, por exemplo, aparecem poucos, ou nenhum, sites racistas.

A palavra ‘Jew’, entretanto, adquiriu com o tempo uma conotação algo pejorativa e foi incorporada pelos anti-semitas para se referir ao povo judeu. Ou seja, o Google sente muito, mas o PageRank está correto: o JewWatch é um dos resultados mais relevantes para uma busca pela palavra ‘Jew’.

Outros mecanismos de busca, como Yahoo!, Lycos e MSN, simplesmente não linkam o JewWatch. Buscas por judeu (em português mesmo) no Google Brasil também não apresentam nenhum site racista entre os primeiros 40 resultados.

Selo de aprovação

O máximo que o Google se dispôs a fazer foi ostentar um aviso em suas páginas de resultados (http://www.google.com/explanation.html), onde expõe os argumentos acima e conclui:

‘Algumas pessoas preocupadas com esse assunto criaram petições online para que removêssemos alguns links ou ajustássemos os resultados. Devido ao nosso sistema de ordenação objetivo e automatizado, o Google não pode atender essas petições. Os únicos sites que omitimos são aqueles que somos forçados legalmente a omitir ou aqueles que tentam manipular nossos resultados.’

[‘Some people concerned about this issue have created online petitions to encourage us to remove particular links or otherwise adjust search results. Because of our objective and automated ranking system, Google cannot be influenced by these petitions. The only sites we omit are those we are legally compelled to remove or those maliciously attempting to manipulate our results.’]

Para Steven M. Weinstock, que iniciou a campanha para remover o JewWatch das listagens do Google (http://www.removejewwatch.com/), isso não é o suficiente:

‘O fato de o Google ser a maior marca da internet funciona como um selo de aprovação e, apesar de eu estar grato pelo aviso que colocaram, sinto que não é o suficiente. Acredito que o Google tem uma responsabilidade adicional, algo como Responsabilidade Corporativa, onde são responsáveis pelo que promovem. O New York Times ou a CNN jamais promoveriam esse tipo de material, mesmo tendo direito legal de fazê-lo. Eles têm a responsabilidade moral. O Google está no mesmo nível da CNN e do New York Times.’

[‘The fact that Google is the biggest internet brand it acts like a ‘seal of approval’ and even though i am greatful that Google added a disclaimer to the results it provides, I feel that is not good enough……I believe that Google has an extra responsibility , something called Corporate Responsibility, where they have to be responsible for what they promote…The New York Times or CNN would never promote such material even though they have a legal right to….They are morally responsible… Google is in the same league as CNN and NY Times…’]

Parte do problema é semântico. O Google se vê como uma ferramenta científica para ordenação de páginas por critério de relevância. Do seu ponto de vista, ele não promove, endossa ou recomenda: simplesmente calcula, objetiva e automaticamente, qual o resultado mais relevante para cada busca.

Para o usuário comum, entretanto, o Google é quase um oráculo, onde você digita uma palavra e, milagrosamente, recebe uma indicação sobre como chegar até ela. Uma verdadeira recomendação mística.

Divulgação de práticas não autorizadas

O Projeto SobreSites é uma rede de guias mantidos por editores independentes e aberta a literalmente qualquer assunto. Exemplos de guias incluem desde futebol, direito e jazz até fé bahá’í (não sei nem o que é), ufologia e mosaicos. Para não falar no Guia de Blog (http://www.sobresites.com/blog), mantido por mim.

Semana passada, o editor do Guia de Psicologia (http://www.sobresites.com/psicologia), o psicólogo baiano Marcos Cesar da Silva Reis, recebeu notificação de um processo disciplinar sendo instaurado contra ele no Conselho Federal de Psicologia.

De acordo com a notificação…

…o Guia de Psicologia na internet’ (…) associa a sua prática a outras não autorizadas pelo CFP, através de divulgação como: Tarô, Espiritismo…’

…o que iria contra o Artigo 2º do Código de Ética Profissional do Psicólogo, que diz que…

‘…ao Psicólogo é vedado: d) Acumpliciar-se com pessoas que exerçam ilegalmente a profissão de psicólogo ou qualquer outra atividade profissional; e) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais ou religiosas, quando do exercício de suas funções profissionais.’

Fiscalização cerrada

A situação beira o non-sense. O Guia de Psicologia do Marcos não contém nenhum link para sites de espiritismo ou tarô: é o Projeto SobreSites, em um esforço de divulgação, que faz com que seus guias linkem um para o outro.

Esses links, em forma de botão, são aleatórios: hoje, a coluna direita do guia do Marcos pode estar linkando para os guias de astrologia, Fórmula 1 e Harry Potter, amanhã para MPB, flash e islamismo. Como em qualquer portal, os botões visivelmente não fazem parte do conteúdo do Guia de Psicologia, presumivelmente estão fora do controle do Marcos e, conseqüentemente, não são nem poderiam ser endossados por ele.

Segundo Marcos, o Conselho está há mais de um ano fiscalizando sites de psicologia e conseguiu ainda não aprovar nenhum. Enquanto ele prepara sua defesa, o SobreSites retirou os botões potencialmente ofensivos do rodízio.

Em ambas as situações, temos links automatizados, criados para maior conveniência do usuário, sendo creditados, por pessoas que não entendem de internet, com uma seletividade e intencionalidade que eles simplesmente não possuem.

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Colunista de internet da Tribuna da Imprensa, editor do Guia de Blog SobreSites (http://www.sobresites.com/blog) e mantém o blog Liberal Libertário Libertino (http://www.liberallibertariolibertino.blogspot.com/); e-mail (cruzalmeida@sobresites.com)