O veterano repórter americano Seymour Hersh está de volta ao ‘topo’ do mundo jornalístico. Em 1969, ele revelou o massacre de My Lai, em que 500 camponeses vietnamitas foram massacrados pelo Exército americano, o que colocou boa parte da opinião pública dos EUA contra a Guerra do Vietnã. Agora, Hersh publicou na New Yorker uma série de três reportagens que batem forte no Pentágono com relação aos abusos praticados contra prisioneiros em Abu Ghraib, como mostra o Independent [17/5/04]. A terceira das matérias alega que o secretário de Defesa Donald Rumsfeld autorizou a expansão de um programa secreto que encorajava a humilhação sexual e a coerção física dos presos iraquianos.
Fazia anos que Hersh não publicava algo com tamanha repercussão. Quando deu o furo de My Lai, o jornalista era apenas um free-lancer. Escreveu alguns livros a respeito e em seguida foi contratado pelo New York Times, onde comandou a cobertura do diário no escândalo Watergate. Em 1979, saiu do Times para escrever o best-seller The Price of Power (‘O Preço do Poder’), em que constrói um retrato de Henry Kissinger como uma figura cínica e manipuladora no governo do presidente Richard Nixon. Fora seu último grande sucesso. Seguiram-se alguns outros livros que não entraram tanto em evidência.
Contratado pela New Yorker logo após os atentados de 11/9/01, Hersh vinha escrevendo matérias de impacto, mostrando, por exemplo, as tentativas frustradas de capturar Osama bin Laden no Afeganistão e as falhas no processo contra Zacarias Moussaoui, que seria o 20o seqüestrador do bando que derrubou o World Trade Center. Ele também denunciou negociatas do conselheiro de governo Richard Perle, fazendo-o renunciar a seu cargo de presidente da Comissão de Política de Defesa do Pentágono. Além disso, ajudou a desmentir as alegações de George W. Bush de que Saddam Hussein teria tentado comprar urânio na África.
Como mostra matéria do Boston Globe [18/5/04], o trabalho de Hersh chama atenção para uma nova postura da revista New Yorker. A noção de que ela é meramente literária está se dissipando. Quando era comandada por Tina Brown, entre 1992 e 1998, havia queixas de que estaria falando demais de celebridades. Desde que David Remnick a substituiu no cargo de editor, as reportagens sobre política e atualidades têm ganhado mais espaço. A estratégia parece estar dando certo: o leitorado da publicação cresceu 20 % de 1998 para cá, chegando a 987 mil.
Não esqueçam dos crimes de Saddam
Em editorial para o New York Sun [18/5/04], o ex-editor executivo do New York Times A.M. Rosenthal comentou o papel da imprensa americana num momento em que surgem revelações de abusos praticados por soldados contra prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib.
Rosenthal observa que, ‘quando traz notícias, e não simplesmente coloca seus microfones sobre palanques’, a mídia faz um bom trabalho e observa que a qualidade do jornalismo é marcada pela quantidade de espaço que um veículo dá a um determinado assunto.
O New York Times falhou, nos anos anteriores à 2a Guerra Mundial, ao não dar destaque ao sofrimento de milhões de europeus nos campos de concentração nazistas. Depois da guerra, o diário quis apurar quem foi responsável pela falta de atenção a esse assunto. Não chegou a nenhuma conclusão, mas acabou publicando um pedido de desculpas pelo seu erro.
Rosenthal pede que agora a imprensa dê mais destaque aos crimes cometidos por Saddam Hussein e sua ditadura, sem ter medo de que isso vá ofuscar os erros cometidos pelas tropas americanas. Para o ex-editor, os jornalistas que não querem falar das inúmeras pessoas que Saddam assassinou são ‘vergonhosos’ e ‘insultam todas essas vítimas’.