Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre as contradições do jornalismo

No final da tarde de terça-feira (20/5) fui surpreendido com telefonema de pessoa de minha família, em Minas Gerais, preocupada em saber se eu estaria viajando ou se estava em Brasília. Estava em Brasília, por quê? ‘Acabamos de ouvir na rádio Itatiaia de Belo Horizonte que um avião de passageiros havia se chocado com um prédio nas proximidades do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, provocando grande incêndio. Como você sempre viaja, queríamos ter certeza de que não estaria entre as vítimas de mais esse acidente aéreo.’


Depois do telefonema, tomei conhecimento de que o canal GloboNews, da operadora de TV a cabo NET, havia interrompido a transmissão ao vivo de depoimentos na CPI dos cartões para ‘informar’ que um avião da empresa Pantanal acabara de cair sobre um prédio na Zona Sul de São Paulo, próximo ao aeroporto de Congonhas. Durante mais de cinco minutos, a GloboNews mostrou imagens de fumaça sobre a cidade e do incêndio que teria sido provocado pelo choque de um avião com o prédio.


Numa inversão da lógica que tem presidido a análise do fluxo das notícias, quase simultaneamente a GloboNews pautou os principais sites online – UOL, Folha OnLine, Terra, iG, Estadão – que passaram a ‘informar’, em manchete, sobre a queda do avião e sobre o incêndio. A partir daí, a ‘informação’ passou também a ser transmitida por emissoras de rádio em todo o país.


Aos poucos foram aparecendo os desmentidos: da Infraero, da Pantanal e da própria Central Globo de Comunicação que, em comunicado, informou:




‘A respeito do incêndio ocorrido hoje à tarde em São Paulo, a GloboNews, como um canal de noticias 24 horas, pôs no ar imagens do fogo assim que as captou. Como é normal em canais de notícias, apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens. A primeira informação sobre a causa do incêndio recebida pela Globo News foi a de que um avião teria se chocado com um prédio na região do Campo Belo, Zona Sul de São Paulo. Naquele momento bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. As equipes da própria Globo News constataram que não havia ocorrido queda de avião e desde então esclareceu que se tratava de um incêndio em um prédio comercial. Poucos minutos depois o Corpo de Bombeiros confirmou tratar-se de um incêndio em uma loja de colchões.’


Não havia acidente. Nenhum avião havia se chocado com qualquer prédio. Na verdade, tratava-se de um incêndio em loja de colchões no bairro paulistano de Moema.


Há vinte meses


Foi impossível não lembrar de uma outra situação envolvendo o jornalismo das Organizações Globo. Esta última ocorrida em 29 de setembro de 2006, quando um jato Legacy derrubou o Boeing que fazia o vôo Gol 1907, de Manaus para Brasília, matando mais de 150 pessoas.


Naquela época, ao contrário de outras emissoras de TV e sites na internet, a TV Globo demorou a noticiar o acidente que ocorreu antes do Jornal Nacional. Como estávamos às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais de 2006, houve uma grande polêmica em torno do assunto. A Globo sempre alegou que não poderia ter dado a notícia sem primeiro checar os fatos. A emissora temia as eventuais repercussões que uma notícia dessas – não confirmada – poderia causar na vida de milhares de pessoas.


Agora a GloboNews deu a ‘informação’ falsa sobre o ‘acidente’. Sites e emissoras de rádio reproduziram a ‘informação’ e só depois se deram ao trabalho de checar para ver se era verdadeira. Não era.


Deixo a meu eventual leitor as devidas conclusões sobre a qualidade e a responsabilidade do jornalismo que continua a ser praticado no Brasil.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)