Os softwares de código aberto – que podem ser alterados por qualquer pessoa, sem licença de uso – passam por um dilema no Brasil, um dos países onde adoção foi mais intensa, principalmente por empresas públicas e órgãos de governo. Mesmo em estados que continuam a investir no uso desses sistemas, é difícil para as companhias especializadas obter um volume de negócios que lhes permita alcançar um tamanho significativo em termos de receita. O problema principal é que a maioria dos clientes acaba desenvolvendo os sistemas internamente, para dar conta da complexidade das tarefas requeridas e ter mais controle sobre a segurança de seus ambiente de tecnologia da informação (TI).
Um dos primeiros a embarcar no movimento pró-software livre no Brasil, no fim dos anos 90, o setor público gaúcho está ampliando os investimentos nesse modelo. Algumas das principais empresas controladas pelo estado, como a Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs) e o Banrisul, pretendem ampliar o já intenso uso de programas de código aberto.
Na Procergs, porém, a maioria dos sistemas é produzida internamente, embora o estado conte com empresas “bem posicionadas” e com “produtos interessantes” na área de software livre, diz o diretor-presidente da companhia, Carlson Janes Aquistapasse. Responsável pelo processamento de 90% dos dados do governo do estado (excetuando o fluxo de empresas como o próprio Banrisul e a concessionária de energia CEEE), a Procergs conta com mil funcionários, dos quais 650 na área de desenvolvimento de software. No Banrisul, o cenário é parecido: atualmente, 90% das aplicações usadas pela instituição são produzidas pela equipe interna, de cerca de mil pessoas.
“O modelo tradicional está em xeque”
Não há dados oficiais sobre o número de empresas concentradas no software livre no Brasil. Por causa disso, é impossível dizer se o número delas aumentou ou diminuiu nos últimos anos. No cenário internacional, no entanto, os nomes do software livre que pareciam mais promissores mudaram seu foco inicial, foram compradas ou simplesmente desapareceram.
A Sun Microsystems, que era a maior de todas, foi comprada pela Oracle em 2009 por US$ 7,4 bilhões. A Novell foi vendida para a Attachmate no fim do ano passado, por US$ 2,2 bilhões. A francesa Mandriva – que comprou a brasileira Conectiva em 2005 – hoje tem pouca expressão e é considerada um alvo de aquisição. Das empresas que se destacaram no mercado nos últimos anos, só uma permaneceu: a americana Red Hat.
Para Fernando Meirelles, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o software livre cresceu na esteira dos questionamentos sobre o modelo tradicional de compra de licenças. O insucesso das companhias que apostaram no código aberto, no entanto, não está relacionada à qualidade dos programas, mas ao modelo de negócios adotado, diz o professor. “O software livre teve muito apoio de universidades e outras organizações, mas só isso não se mostrou sustentável no longo prazo”, afirma Meirelles.
A situação, no entanto, não significa que o modelo não possa ser bem-sucedido economicamente. Segundo o professor, continua a haver espaço para novos modelos de cobrança de software. É isso que vem despertando, por exemplo, o interesse pela computação em nuvem, modelo pelo qual as informações são acessadas via internet. “O modelo tradicional está em xeque. Estamos apenas no meio do terremoto”, diz Meirelles.
Editais têm graus de exigência elevados
A inglesa Canonical é uma das empresas que tenta encontrar um caminho dentro do software livre. Além dos serviços de suporte a sistemas, a companhia busca fontes alternativas de receita. Entre elas, cobrar espaço para armazenar os dados dos clientes. Todo usuário que instala o Ubuntu, o sistema operacional da Canonical, ganha 2 gigabytes (GB) nos servidores da companhia. Quem quiser pode pagar para aumentar esse espaço. Outro serviço é o de transmissão de música pela internet, que permite ao usuário escutar, pela web, músicas em formato digital. Criada em 2004, a companhia estima ter 20 milhões de usuários do Ubuntu no mundo. O objetivo é multiplicar essa base por 10 nos próximos quatro anos.
A companhia americana Red Hat também diversificou suas operações para se manter competitiva. Antes restrita aos sistemas operacionais, a companhia incluiu em seu portfólio softwares e serviços de virtualização e computação em nuvem. “As empresas normalmente tomam essa direção [de mudar o foco] quando tudo está indo mal. A Red Hat começou a fazer isso antes de saturar o seu modelo”, diz Rodolfo Fontoura, executivo-chefe da companhia no Brasil. A empresa encerrou o ano fiscal 2011, concluído em fevereiro, com aumento de 22% na receita global, para US$ 909,3 milhões. No período, o lucro líquido avançou de US$ 87,3 milhões para US$ 107,3 milhões.
Ganhar porte é essencial para que as companhias de software livre conquistem o respeito dos grandes clientes potenciais, principalmente os do setor privado. As companhias de software tradicional investem fortemente em marketing para divulgar suas marcas, o que inclui propaganda e a participação em feiras, entre outros itens. Para as concorrentes do software de código aberto é difícil acompanhar esse ritmo, já que essas empresas não podem cobrar pelas licenças e sobrevivem, basicamente, de serviços associados aos programas. O resultado é que as companhias de software livre acabam ficando pequenas, com atuação geográfica restrita ou muito especializadas em um segmento.
Segundo o superintendente executivo da unidade de infraestrutura de tecnologia do Banrisul, José Eduardo Bueno de Oliveira, esse perfil dificulta a contratação de empresas de software livre. Ele observa que os editais do banco têm graus de exigência elevados e há poucas empresas plenamente profissionalizadas no segmento.
Crescimento anual de 22,4%
Para Carlos Eurico Pittas do Canto, proprietário da Propus, o grande desafio das pequenas empresas é aprimorar a gestão. Segundo ele, a Propus passou por um “choque de gestão” para melhorar controles de custos, processos, desempenho e produtividade. Com oito anos de existência, a empresa conta com uma equipe de 20 pessoas. No ano passado, o faturamento passou de R$ 1 milhão. “O software livre é recente e as empresas [do setor] são pequenas porque ainda são jovens”, diz Canto. O empresário também considera que a computação em nuvem vá ampliar o espaço para o desenvolvimento de novas aplicações em código aberto em grande escala.
Ricardo Fritsch, coordenador geral da Associação Software Livre.Org (ASL), estima que as empresas de software livre crescerão na esteira dos avanços da computação em nuvem. “É uma nova janela de oportunidade”, diz.
A OpServices, de Porto Alegre, cria software de código aberto desde 2004 e tem registrado crescimentos anuais na faixa de 20% a 30% com a oferta de serviços, afirma Dario Bestetti, presidente da empresa. Para este ano, a previsão é de uma expansão nas vendas de 30%. “A demanda pelo software livre cresce hoje no mesmo ritmo do mercado total de software”, diz.
A participação do software livre no mercado brasileiro ainda é pequena. Segundo a Associação Brasileira de Software (Abes), o segmento representa 2,95% do mercado total, o que equivale a US$ 563 milhões em meio a um faturamento de US$ 19 bilhões. “Cerca de 66% da receita [do segmento] vem do governo. Excluindo isso, a participação de mercado vai abaixo de 1%”, afirma Gerson Schmitt, presidente da Abes. Em termos globais, a consultoria IDC, especializada na área de tecnologia, estima que o mercado de software livre terá um crescimento anual de 22,4% entre os anos de 2009 e 2013, quando atingirá receita de US$ 8,1 bilhões.
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[Da Redação de Valor Econômico]