Os computadores brasileiros nunca foram tão independentes de royalties e licenças pagas aos grandes produtores mundiais de software como agora. Os programas livres – assim chamados porque têm o código-fonte aberto, o que permite uso, estudo, alteração e distribuição sem restrições – já foram adotados por escolas, universidades, empresas, residências e prefeituras, por exemplo.
O governo federal é, de fato, o maior incentivador do conhecimento compartilhado em programação. Prova disso é que, neste ano, a Receita Federal abriu a possibilidade de as declarações de imposto de renda serem entregues em outras extensões. Mais de sessenta órgãos do governo federal já trocaram o ambiente Windows pelo Linux, um programa similar, mas de uso livre.
A ferramenta Office, encontrada no Windows, também está sendo substituída por um software similar de automação de escritório, mas de características ainda mais abrangentes. Na Internet, o navegador Mozilla é a grande novidade e o WebApache já toma o lugar de outros servidores mais convencionais em mais de 750 endereços eletrônicos do governo federal. A troca segue a tendência mundial, já que o programa é gestor de mais de 70% de todas as páginas de Internet do mundo.
No dia 2 de setembro terminou a fase de audiências públicas do Guia Livre, documento que irá auxiliar a administração pública federal, estadual e municipal na migração de seus sistemas para software livre. A construção do Guia Livre foi coordenada pelo grupo de trabalho Migração para Software Livre do Governo Federal, com a participação dos técnicos da comunidade SL brasileira. O principal objetivo do Guia Livre é ajudar os administradores públicos a definir uma estratégia de migração planejada e gerenciada. Uma vez pronto, o Guia pode servir também de referência para empresas que queiram optar pela substituição de programas proprietários por livres.
A diferença entre os programas, além de vista nos terminais dos servidores públicos federais, também é percebida no orçamento. A administração direta gasta, anualmente, cerca de R$ 300 milhões apenas com licenças para uso de softwares proprietários (aqueles programas cujos códigos-fonte são fechados e a cópia, redistribuição ou modificação é proibida pelo criador). Somados à compra de novos programas e atualizações, o gasto com softwares ultrapassa a casa de R$ 1,1 bilhão por ano.
Para o Brasil, há uma importância estratégica no domínio da tecnologia utilizada. ‘Um país da magnitude do Brasil não pode se contentar em ser uma grande comunidade de usuários, temos de produzir nossos softwares’, alega Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do governo federal.
A idéia é que o país não seja refém de uma tecnologia da qual não tem controle ou domínio. ‘Na gestão Lula, começamos uma política tecnológica que faz o Brasil quebrar o monopólio de fornecedores. Precisamos parar de comprar programas como compramos trigo ou qualquer outro produto. Software é tecnologia de informação e, portanto, deve ser considerado item estratégico para a nação’, complementa o presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sérgio Amadeu.
Ele exibe na tela de seu computador o ambiente de trabalho do Linux, que tem 150 mil desenvolvedores registrados em todo o mundo. ‘O software livre não é, necessariamente, gratuito. Mas as suas alterações são, e ele pode ser adaptado às necessidades do usuário’, ressalta Amadeu.
O Brasil puxa a vanguarda do movimento de softwares livres e começa a atrair a atenção de outros países em desenvolvimento. Índia e África do Sul já começam a se interessar pelos programas de código aberto. Na última visita do presidente Lula à África, os centros de informática doados pelo Brasil foram instalados com tecnologia livre de licenças. Um software desenvolvido por técnicos brasileiros, o Sacix, abriu a possibilidade de ligar máquinas antigas à Internet em Moçambique.
Redes interligadas
Ao migrar dos softwares proprietários para os livres, o governo aproveita para dar operabilidade integrada aos seus sistemas, interligando os componentes de tecnologia da informação dos governos estaduais, municipais e federal, e dos poderes legislativo e judiciário. É o chamado e-ping.
Isso significa, por exemplo, que o cadastro de um cidadão feito no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderá ser compartilhado com outros órgãos públicos que necessitem de tais informações para emitir documentos ou mesmo trocar um prontuário médico em eventual mudança de cidade.
Para os cadastros sociais, a rede única de informações também é o melhor caminho. Um exemplo disso é o Bolsa Família, benefício do governo federal executado em parceria com os estados e municípios. Além de atender ao cidadão com mais rapidez e eficiência, a troca de dados dos vários setores e segmentos da Administração Pública dificulta a duplicidade de informações e possíveis fraudes.
Internet para todos
Até o final de 2005, entre dois e três milhões de brasileiros de baixa renda terão acesso à Internet com direito a endereço eletrônico. Começa a sair do papel o Projeto Casa Brasil, que instalará telecentros em comunidades carentes do campo e das periferias de grandes cidades. Nestes locais, serão ligados pelo menos dez computadores em banda larga, operando com softwares livres. O projeto também prevê a instalação de estúdios multimídia para a proliferação de rádios comunitárias e acesso a serviços de correio, bancos e governo eletrônico para pagamento de contas.
A entrada nos telecentros – muitos deles previstos em escolas e bibliotecas públicas – será gratuita. A coordenação ficará sob a responsabilidade da própria comunidade por meio de organizações não-governamentais (ongs) que destinarão monitores treinados pelo governo federal para disseminar o conhecimento nas regiões. Estima-se que cada Casa Brasil atinja diretamente quase três mil pessoas. ‘Crianças vão fazer as tarefas de casa com auxílio da web, pessoas conversarão com parentes distantes por e-mail. Se faltar um livro, a Internet pode ajudar complementando os dados’, estima Sérgio Amadeu, um dos criadores do projeto.
O Casa Brasil pode dobrar, já em 2007, o número de internautas brasileiros, hoje estimado em 16 milhões de pessoas, a maioria das classes A e B. A partir de 2006, está prevista a abertura de três mil novos telecentros a cada doze meses, o que incluirá nove milhões de brasileiros das classes D e E no mundo digital anualmente.