Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Somos todos criminosos virtuais

Querem criar um banco de dados contendo o registro de todo o tráfego na rede. A intenção é transformar todos os usuários em propensos criminosos, pois o ‘inimigo é oculto e pode estar em qualquer lugar’. Estão usando a mesma retórica do ‘combate ao terrorismo’, alimentando a ideia de que existe uma guerra cibernética em ação e que se nada for feito governos vão à ruína.

Ela realmente existe. Não é novidade. Desde que a internet ainda era Arpanet. Mas como é de praxe, as raposas não se interessam com os atos de vandalismo praticados na rede mundial, mas sim, em saber o que você pensa e faz. Afinal, se o poder é absoluto e se tem muito tempo livre, por que não observar as pessoas, atazanar suas vidas e ainda lucrar com isso? Mortes também fazem parte desta ‘gincana’. Quem sabe, arrumar um pretexto para tirá-la definitivamente do ar? Isto, com certeza, é o que eles têm em mente.

O 11 de setembro foi um trabalho interno e a Al Qaida não existe. São dois engodos bem bolados que desencadearam guerras em dois países, mataram milhares de seres humanos e serviram de pretexto para que a privacidade, o devido processo legal, a presunção de inocência; o respeito à dignidade, à integridade física e à saúde das pessoas fossem suplantados por um Estado policial ‘tecno-maníaco’: tudo em nome da ‘segurança’. No Brasil não é diferente, e o pretexto usado é o combate ao narcotráfico, aos narco-terroristas e aos narco-guerrilheiros. Nesta ordem, na ordem inversa ou individualmente, para eles pouco importa, querem criminalizar todos.

‘Insira um IP válido’

Se criminalizarem os usuários da internet, como desejam alguns – como o ministro Tarso Genro, da Justiça –, estender este raciocínio para o mundo real será um ato complementar. O instituto da presunção de inocência (anterior e mais importante ao da não-culpabilidade, por favor, não os misture) já está sob ataque constante. A banalização das abordagens policiais é a materialização deste fenômeno. O problema reside na indiferença da sociedade ante os acontecimentos.

Isto me deixa fulo da vida! A cada passo que o Estado dá em nossa direção, mais um direito é mitigado e mais encorajado se sente, avançando em direção a um poder absoluto. E quantas vezes já repeti que não aprendemos com a história?

Investigar um crime, seja virtual ou real, requer a apuração de indícios e provas, e é assim que sempre se procedeu em um Estado Democrático de Direito. Mas aquilo a que temos assistido hoje é à criação de imensos bancos de dados, que pouco ou nada ajudam na persecução criminal, mas que são encorajados por políticos e pela mídia que, ou por má-fé ou por ignorância, não anunciam publicamente que somente indícios e provas materiais são capazes de apontar os autores de um delito. Se bancos de dados fossem a solução, não precisaríamos de uma polícia investigativa – esses bancos de dados seriam os ‘oráculos’. Não precisaríamos sequer de julgamento, a sentença seria impressa no ato da consulta.

Em um mundo hipotético, aquele em que nos fazem acreditar, o agente do Estado perguntaria à máquina:

‘Quem foi o responsável por colocar a foto desta garotinha nua no Orkut?’

Responderia a máquina: ‘Severino’ (eco)

Porém, no mundo real, com ou sem os imensos bancos de dados, temos:

‘Por favor insira um IP válido.’

Combater nossas liberdades

Então por que insistem em criar novos modelos de documentação e novos bancos de dados, em especial este que deseja reunir dados de navegação dos usuários da internet? Além do dinheiro envolvido em sua implantação, há um aspecto do qual costumamos não nos atentar, saturados que estamos do lixo midiático: eles não gostam da internet.

Para as emissoras de rádio e de TV, jornais e revistas; a internet representa uma ameaça aos seus negócios. E não apenas isto: dela emerge uma contraposição indesejável. O oligopólio antes confortável (e não me importo com o oligopólios na mídia tradicional, e sim, com minhas liberdades, em especial de escolha) agora encara todo um conjunto de ideias contrapostas e inovadoras que vão muito além das falas dos jornalistas e das linhas dos jornais. Se fossem reais defensores da liberdade de expressão – como dizem ser –, jamais apoiariam ou proporiam uma medida que vise a fechar as portas da rede ou qualquer outra que atente à privacidade dos cidadãos; mas o que eu estou assistindo é justamente o contrário: o apoio descarado a estas medidas, não alertando o público sobre os riscos (no máximo, dão um pincelada, mas seguem adiante).

Já para aqueles que estão no poder – não me refiro apenas às marionetes da classe política, ou a partido A ou B –, a internet representa um dilúvio incontrolável que tenta inundar seus planos. E que dilúvio. Não possui a amplitude da imprensa escrita ou televisionada, mas está ali, sempre à espreita acompanhando-os passo a passo. Isto é um pesadelo para eles. Alguns têm insônia. O mundo que estavam acostumados a comandar, a portas fechadas, agora está aberto aos olhos da humanidade.

E é aí que entra o plano de criminalização dos usuários da rede mundial de computadores, por meio da vigilância sistêmica e a reunião de dados. São ações que visam a entregar soluções para problemas artificiais, e não o combate à ‘criminalidade’. Querem, isto sim, combater nossas liberdades, determinando quem deve ter acesso à rede e quem são os prováveis ‘terroristas’. Até o dia em que eles acharão que a internet está saturada de ‘terroristas’ e pedófilos – e simplesmente desligarão o interruptor.

Demonstrar nosso repúdio

A internet é uma ferramenta de comunicação preciosa. Qualquer tentativa de controle possui motivos que transcendem a propalada harmonia na convivência virtual e a segurança. Crimes virtuais já são resolvidos sem o uso destes bancos de dados. E crimes continuaram a ocorrer independentemente de que a internet seja de muitos ou de poucos. Governos já usam a rede para travarem guerras, arrasarem nações cortando suas comunicações e o abastecimento de energia e água. Onde está a harmonia e a segurança, afinal? Se ligássemos os pontos e estudássemos a história da humanidade, simplesmente ficaríamos chocados e daríamos uma gargalhada jocosa quando as raposas surgissem com medidas assim.

Infelizmente, o tempo não está a nosso favor: o ‘dossiê eletrônico’ está prestes de ser aprovado. Mas ainda há tempo de demonstrarmos nosso repúdio e exercitarmos nossas liberdades para que continuemos ainda a exercitá-las, assim como nossos netos e bisnetos.

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Bacharel em Direito, Goiânia, GO