Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Steve Jobs quer salvar o jornalismo

Steve Jobs quer salvar o jornalismo do mesmo modo que salvou a indústria da música ao apresentar o iPod. A resposta, agora, acreditam o presidente da Apple e donos de empresas de comunicação, está no iPad, tablet que chega ao Brasil esta semana com o preço de inicial de R$ 1.649,00. Valor igual ao de uma assinatura de revista semanal por quatro anos ou um de um jornal diário por dois anos. Esta é a parte do acordo de Jobs: ele salva os jornais, mas leva mais dinheiro.

Pesquisa da Appleinsider mostra que até o fim deste ano 12 milhões de iPads serão vendidos em todo o mundo. Em 2011, devem ser outros 28 milhões. A maior parte desses aparelhos é comercializada, obviamente, nos Estados Unidos. Então por que esta febre pelo iPad no Brasil? Por que os veículos de comunicação já preparam suas versões para o tablet? A TV Globo, por exemplo, já possuía um aplicativo voltado para iPad e iPhone na época da Copa do Mundo, em junho.

A resposta é simples: ninguém quer ficar para trás. Quem perdeu a onda da web em 1995 e entrou tardiamente no mercado de internet, não quer perder dinheiro no promissor mercado de notícias e jornalismo voltado para aparelhos móveis. O erro é acreditar que o mercado brasileiro funcione como o mercado norte-americano. O New York Times passa por crise financeira, a Newsweek quase fechou antes de ser salva pelo empresário Sidney Harman, a revista Gourmet deixou de ser publicada em 2009 e Hugh Hefner pensa em vender sua famosa mansão para saldar as dívidas da Playboy. Em uma crise deste tamanho, qualquer chance de ganhar dinheiro vira uma grande oportunidade.

Os adoradores da Apple

Não é o caso do Brasil. Não é preciso nem falar do investimento inicial para se comprar um iPad. Acredito que o início deste texto deixa essa ideia clara. Sem contar que as publicações são vendidas na loja exclusiva da Apple, que aceita apenas cartões internacionais. Portanto, pelo preço inicial e pelos requisitos de compra, não há escala monetária que justifique versões para iPad no Brasil. Então por que elas (as versões) existem? Existem por dois motivos. O primeiro, como já disse, é não perder o bonde da história; o segundo motivo é puro marketing.

Longe de entrar na pantanosa discussão (para não dizer ultrapassada) sobre os fins dos jornais, temos como ponto pacífico que o futuro dos jornais e revistas é nebuloso. O que os empresários da comunicação brasileiros temem é que aconteça por aqui o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos. A prevenção é adotar a mesma solução americana. No entanto, não sabemos nem mesmo se o iPad será o padrão. Há outros tablets, como da Samsung, da Dell, além de promessas futuras como da Microsoft e de marcas chinesas. Sem contar o Kindle, da Amazon.

É como dar um tiro no escuro. Pode ser que acerte o alvo, pode ser que não. Mas é melhor dar o tiro do que ficar parado. Tanto os consumidores finais como os jornalistas ficaram encantados pelos contos de Steve Jobs. Não percebem que fazem parte de um rebanho formado no início da década de 1980 pelo especialista em marketing Guy Kawasaki. Este criou os adoradores da Apple, fieis até hoje ao grande líder do Vale do Silício.

Xamanismos eletrônicos, não

Steve Jobs quer ganhar dinheiro, mas diz que quer salvar o jornalismo. O iPad não é um aparelho exclusivo para leitura, ele divide a atenção do usuário com outros aplicativos, como ver um vídeo no YouTube, postar no Twitter ou atualizar o status do Facebook. Consumir jornalismo, adquirir espírito crítico, é um efeito colateral, na verdade. Basta ver que os números indicam canibalização. A consultoria Gartner aponta uma migração dos compradores de PC para os compradores de iPad. Duvido que 11 milhões de pessoas mudaram de ideia apenas por acreditar que com um tablet elas poderiam ler as notícias com mais facilidade.

Muitos devem contra-argumentar e lembrar da versão exclusiva que Rupert Murdoch prepara para o iPad. O dono da News Corp não entraria em um negócio nebuloso, certo? Correto, mas Murdoch dialoga com os analistas de Wall Street. Aqueles que leem os jornais, que precisam das informações para fazer as melhores jogadas na bolsa. Homens que não perdem tempo com vídeos engraçados ou outras bobagens.

O que existir no Brasil de versões para iPad será, em suma, para um grupo muito restrito, com muito dinheiro e com pouco tempo para ler aquilo que comprou. Vai soar muito bem em peças publicitárias na TV que vendem assinaturas comuns de revistas e jornais. Aquelas assinaturas de papel, que podem ser dobradas, emprestadas e rasgadas. Venderão a ideia de jornais do futuro. Mas queremos comprar mesmo é jornalismo, e não xamanismos eletrônicos.

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Jornalista, São Paulo, SP