Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tecnologia para a transparência jornalística

A observação crítica da imprensa ganhou um novo componente com a popularização do Podcasting, um sistema de distribuição gratuita de áudio surgido no ano passado e que, depois de ficar muito popular na área da música pela internet, começa agora a ser usado para o monitoramento da atividade jornalística.

A revista online sobre tecnologia Zdnet (http://www.zdnet.com/) iniciou, em janeiro, um projeto de uso de áudio pela internet como uma ferramenta para testar a transparência em matérias jornalísticas. Coordenada pelo jornalista David Berlind (http://blogs.zdnet.com/), a experiência procura combinar textos com áudio, de forma que o leitor possa confirmar se as citações feitas pelo autor correspondem ou não ao que de fato foi dito pelo entrevistado e/ou orador.

Os responsáveis pelo projeto acreditam que a iniciativa pode reduzir drasticamente os escândalos de falsificação de informações que sacudiram a imprensa mundial, especialmente a norte-americana, pois os repórteres e editores terão que ser fiéis à suas fontes e isto poderá ser checado a qualquer momento.

Quem lê inglês pode ver como o sistema funciona na reportagem ‘Why blogging matters to your business’ (http://news.zdnet.com/2100-9588_22-5539179.html). Formalmente é uma entrevista rotineira com o executivo Scott Young, da empresa Userland, especializada em software para blogs. A diferença está em que o leitor pode baixar também a gravação integral da entrevista no sistema MP3 (http://i.i.com.com/cnwk.1d/i/z/200501/ITMatters20050119.mp3). No decorrer do texto, o repórter inclui indicações sobre como localizar, na gravação. o trecho de áudio referente a uma determinada citação, considerada relevante.

Quando o leitor chega no parágrafo com um indicativo do tipo [MP3: 32:24], ele vai ao programa de áudio onde está gravado o arquivo da entrevista, digita no contador de tempo a minutagem – 32:24 – referente à citação e ela será reproduzida instantaneamente, sem interferir no programa de texto.

Mecanismos de defesa

O sistema podcast surgiu em meados de 2004, quando um disk-jockey da MTV, Adam Curry, conseguiu distribuir áudio gravado em sistema digital através do mecanismo RSS, que avisa usuários cadastrados quando há material novo disponível. O RSS (Real Simple Syndication) já é largamente usado em sites informativos e em blogs a base de texto.

O nome ‘podcast’ vem da combinação dos aparelhos iPod, desenvolvidos pela empresa Apple para escutar músicas gravadas em sistema digital online, e da palavra inglesa broadcast, que quer dizer transmissão.

O Podcasting é a grando hit entre os fanáticos por tecnologia de ponta e já tem variações como o Mobcasting (http://mobcasting.blogspot.com/), por meio da qual dezenas de pessoas trocam conferências, aulas, discursos e os mais variados tipos de gravações com um objetivo comum. É quase com um torpedo (mensagem curta de texto via celular) sonoro, só que disparado de um computador, que apresenta um custo de transmissão infinitamente menor do que o telefone, quando a conexão é de banda larga.

Para Chip Scanlam (http://www.poynter.org/profile/profile.asp?user=1592), professor do Instituto Poynter, na Florida, o Podcasting vai revolucionar o radiojornalismo da mesma forma que os blogs estão mudando a rotina dos jornais e revistas. Vai também causar mudanças radicais nas emissoras comerciais porque permite ao usuário ouvir o que deseja na hora que mais lhe interessar, já que todas as músicas e noticiários estão gravados em sistema digital e independem de transmissões com horários fixos.

Além de reforçar o poder de monitoramento do público, o Podcasting também afeta os entrevistados, que não poderão mais recorrer à famosa alegação de ‘fui mal interpretado’ para corrigir derrapagens verbais; mas, por outro lado, terão novos argumentos para refutar citações descontextualizadas.

O norte-americano Andy Carvin (http://www.andycarvin.com/), que se autodefine como um ativista digital, manda entrevistas e comentários através do sistema podcast em eventos sobre jornalismo online do qual ele participa (http://www.andycarvin.com/podcasts/berkman-gillmor.wav). Cada vez que ele coloca algo novo na web, o RSS se encarrega de avisar os interessados previamente cadastrados.

Processo sem volta

Os primeiros resultados da experiência de David Berlind com seu projeto de usar o Podcasting para aumentar a transparência da imprensa – e a sua credibilidade – podem ser acompanhado no blog Media Transparency (http://radio.weblogs.com/0143327/), onde ele defende a polêmica idéia de que cada veículo de comunicação deveria criar um site na web só para arquivar as sobras de cada reportagem publicada.

É pouco provável que a grande imprensa aceite uma idéia como esta, pelo menos neste momento. Isto exigiria uma série de requisitos técnicos e horas de trabalho para organizar o material. Há também o problema das informações confidenciais, em off, e as que estão sujeitas a direitos autorais.

Mais complicada ainda é a questão da mudança de valores e de percepções dos jornalistas. Os freelancers norte-americanos que usam o sistema podcast para guardar material não aproveitado admitem, conforme Andy Carvin, que é ‘muito desconfortável a situação de sentir-se nu diante do leitor’. De acordo com Carvin, outra conseqüência é o medo crescente dos entrevistados.

Novas tecnologias como o Podcasting e outras que virão, bem como a necessidade de recuperar a credibilidade, tornam o aumento da transparência na imprensa um processo inevitável. Tanto que, nos Estados Unidos, está crescendo uma outra discussão ainda mais polêmica, desta vez envolvendo dinheiro. Cada jornalista, ao assinar uma matéria, deveria colocar no pé do texto, vídeo ou áudio o que os americanos chamam de ‘disclaimer’, ou seja, um aviso alertando que recebem dinheiro ou benefícios de tais e tais fontes, bem como suas ligações político-partidárias e filiações a clubes, associações e ONGs.

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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica