Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tempos de presunção invertida. E a ética?

A ética no jornalismo é tema tão melindroso quanto discutível é seu baú de conveniências. Se aquilo que sinaliza para o bem comum é reescrito em proveito de dialéticas maliciosas, algo de muito caro se perde na deontologia enviesada que rege o jornalismo brasileiro.

As indagações que faremos a seguir não são tão ingênuas como podem supor os que enaltecem os feitos da mídia local. Aqueles que reconhecem haver ‘exageros nas edições’, direcionamento de títulos e cobertura, mas, ao fim das contas, avaliam que os méritos sobrelevam os deslizes. Trata-se de contabilidade enganosa que não resiste a uma auditoria de ativos e passivos publicada nas melhores casas do ramo.

Posicionamento correto

O nosso objetivo, neste artigo, vai além de constatar posturas corporativas. Alguns leitores, principalmente jornalistas, nos acusam de, vez por outra, fazer análises rasas, embebidas em teorias conspiratórias. Uma catequese que teria por fim mostrar que não há espaço para gente honesta na imprensa. Ledo engano. Nossa preocupação é com um campo que agencia valores e formata construções simbólicas. Com o terreno pantanoso em que a voz do patrão desfaz qualquer ilusão de autonomia relativa. Não fazemos, neste Observatório, catequese contra a imprensa. Lutamos, no espaço possível, pelo direito à informação. Por uma democracia possível e urgente. E é nesse contexto que gostaríamos de angular os desdobramentos de mais uma operação da Polícia Federal.

Quando o Ministério Público Federal pede a prisão preventiva de 43 pessoas, sob a acusação de formação de quadrilha armada e contrabando de máquinas caça-níqueis, estamos, sem dúvida, diante de um fato policial de inegável interesse jornalístico. Há que se apurar, redigir e divulgar. Mas e se houver um jornalista envolvido? Como devem agir os meios de comunicação, em especial, o veículo em que ele trabalha? Qual o norte ético que deve regular o noticiário? O jornalista José Messias Xavier, produtor da TV Globo, teve a prisão pedida por, supostamente, receber dinheiro de um chefe de quadrilha. De acordo com as investigações, repassaria informações sobre ações das polícias Civil e Federal que pudessem contrariar interesses de criminosos.

A Justiça concedeu mandado de busca e apreensão, mas negou o pedido de prisão. Que tratamento seria dispensado ao profissional por seus ‘judicativos’ superiores hierárquicos?

A resposta veio na edição de sábado (16/12) do Jornal Nacional:

‘A TV Globo confia em todos os seus funcionários e só se manifestará sobre o caso após o desenrolar das investigações. O jornalista José Messias Xavier vinha, de fato, trabalhando em reportagens sobre a ação da máfia dos caça-níqueis. Depois das denúncias, José Messias pediu licença de suas funções para que possa se dedicar a sua defesa e provar sua inocência, decisão com a qual a TV Globo concordou’.

Correto o posicionamento da emissora. O direito de informar não elimina o princípio constitucional da presunção da inocência.

Filtros e mediações

Com isso, fica assegurado a José Messias o direito (ou seria ‘o favor’, de acordo com os cânones globais?) de não ser chamado de quadrilheiro, bandido ou mafioso. Como não se trata de questão envolvendo interesses da emissora no campo político, suspende-se o padrão, vigente nas mais respeitáveis redações, desde maio de 2005, quando a Folha de S.Paulo publicou a célebre entrevista do ex-deputado Roberto Jefferson. Enfim, sai de cena a presunção da culpa.

Em entrevista concedida à CartaCapital (2/12/2006), o professor Venício A. de Lima põe o dedo na ferida:

‘Agora O Globo defende que a presunção de inocência é um princípio para o julgamento jurídico e não vale para o julgamento ético, cuja prática é confundida com jornalismo investigativo’.

Salvo engano, as páginas, principalmente em 2006, estiveram repletas de acusações reproduzidas. Nada se apurou. Tudo foi publicado ao sabor de um jornalismo em campanha, pouco empenhado em investigar o que quer que fosse.

Sorte a nossa que um molecular processo de comunicação horizontalizada, com filtros e mediações distintas, não deu credibilidade ao enredo mal escrito. Sorte a de José Messias pertencer a uma organização em que ética e princípio do contraditório são assuntos intra corporis. No melhor estilo dos partidos totalitários. Ou ‘organizações criminosas’, na definição de notáveis historiadores.

Um excelente 2007 para todos. Merecemos.

******

Professor-titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso, Rio de Janeiro