Imprensa, blogs e credibilidade são os temas centrais da conferência ‘Blogging, journalism & credibility: battleground and common ground’, marcada para sexta-feira e sábado (21 e 22/1), na Universidade de Harvard e que tem tudo para se tornar um marco na polêmica em torno das novas formas de jornalismo. Há dezenas de seminários, painéis, congressos e fóruns ocorrendo rotineiramente envolvendo os mesmos temas, mas o diferencial do evento de dois dias (http://cyber.law.harvard.edu:8080/webcred/index.php?p=2) patrocinado por três pesos pesados da academia norte-americana (Berkman Center for Internet and Society, da Harvard Law School; American Library Association’s Office of Information Technology; e o Shorenstein Center on the Press, Politics and Public Policy, da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard) está na lista dos participantes e no desafio proposto a eles.
Os cerca de 50 convidados incluem a fina flor dos blogueiros e pelo menos 20 executivos da grande imprensa dos Estados Unidos. Todos devem apresentar papers que serão discutidos em sessões fechadas, mas que poderão ser acompanhadas ao vivo por áudio e IRC (http://cyber.law.harvard.edu/
webcred/index.php?p=12).
A leitura dos rascunhos de algumas apresentações mostra que o debate vai se concentrar na questão da credibilidade como o principal desafio atual do jornalismo, superando em importância o bate-boca sobre se os blogs são ou não uma modalidade de jornalismo.
Se isto de fato acontecer, estará sendo dado um passo crucial para a superação da crise atual da nossa profissão, talvez a mais grave de toda a sua existência. A questão da credibilidade é a parte mais importante do DNA do jornalismo porque é ela que cria a relação entre o profissional e seu público. Sem credibilidade, o jornalismo simplesmente não existe e a imprensa deixa de ser um serviço de utilidade pública.
A discussão continua
Até agora, os parâmetros da credibilidade eram dados pelas empresas jornalísticas que assumiam funções parecidas às de uma franquia de serviços informativos outorgada pelo Estado, considerado o grande fiador, ou franqueador, da confiança pública.
Este sistema transformou-se numa ficção e já não funciona mais a contento, nem para o franqueador e nem para os franqueados. O Estado acabou prisioneiro dos seus próprios interesses e perdeu a isenção necessária para poder julgar o que é ou não é digno de crédito. O mesmo fenômeno aconteceu com as empresas, que na luta pela sobrevivência não tiveram muitas alternativas senão priorizar os objetivos comerciais em prejuízo da isenção, objetividade, imparcialidade e transparência – bases sobre as quais se apóia a credibilidade.
O resultado inevitável foi uma lenta, gradual e sustentada queda dos índices de confiança do público nos principais veículos de comunicação, como mostram quase todas as pesquisas de opinião. A pá de cal no modelo da credibilidade, como franquia outorgada pelo Estado às empresas, aconteceu quando surgiram os blogs, que acabaram com o monopólio da informação que durante 400 anos ficou nas mãos dos jornalistas e das empresas jornalísticas.
O surgimento desse novo protagonista na área informativa deflagrou uma aguda polêmica sobre a capacidade ou não de os blogueiros serem considerados jornalistas e agirem como tal. A discussão ainda continua e provavelmente vai durar algum tempo, mas agora ela provavelmente tomará outro rumo. Em vez de argumentos corporativistas, pode ser que entre em campo a busca de um novo paradigma para a credibilidade em matéria de informação jornalística.
Parâmetros novos
O professor Jay Rosen, da Escola de Jornalismo da Universidade de Nova York e um dos participantes da reunião na Universidade de Harvard, publicou um rascunho de sua apresentação (http://journalism.nyu.edu/pubzone/
weblogs/pressthink/2005/01/15/berk_pprd.html#more) no qual segue a mesma linha desenvolvida por este Observatório [‘Blogs surfaram no tsumani’, em (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=310IMQ002)] para afirmar que a cobertura da tragédia asiática mostrou que os repórteres amadores podem ter um papel essencial na informação pública, especialmente em situações de calamidade. Isto foi reconhecido até pela grande imprensa e acabou contribuindo para tornar anacrônica a dicotomia entre blogs e jornalismo.
Começa a surgir um consenso de que o problema não é o diploma ou o registro, mas sim a credibilidade. E é neste sentido que apareceram alguns dados novos, como por exemplo o depoimento do dublê de jornalista/blogueiro Christopher Allbritton, que ficou famoso por ter ido por conta própria a Bagdá, em 2003, para cobrir a invasão americana pelo seu blog Back to Bagdá (http://www.back-to-iraq.com/).
Em entrevista à revista Wired (http://www.wired.com/news/
culture/0,1284,66251,00.html), Allbritton admitiu que no começo do seu trabalho no Iraque a emoção pessoal falava mais alto, mas, quando começou a ser lido por 25 mil visitantes diários em seu blog, ele sentiu necessidade de ser muito mais preciso nas informações porque senão suas reportagens deixariam de ser confiáveis.
O blogueiro de Bagdá não é o único e nem o primeiro jornalista que começa a descobrir que a busca de novos parâmetros de credibilidade não está nas reuniões de diretoria dos jornais e televisões, mas entre os leitores, ouvintes, navegadores e espectadores. São eles que detêm a chave do enigma que jornalistas e o público devem decifrar.
Ajuda preciosa
Os blogs ganharam visibilidade e popularidade porque apresentaram uma forma diferente, mais personalizada e participante de ver a realidade e as notícias. Nisto foram muito ajudados pela crise de confiabilidade da mídia em geral. Mas, hoje, os blogs também enfrentam dificuldades na hora de passar pelo teste da credibilidade.
O caso do escândalo dos documentos falsos sobre o serviço militar do presidente George W. Bush é exemplar. O programa 60 Minutes da rede de televisão CBS, transmitido em setembro de 2004 foi rapidamente qualificado como fraude por diversos blogs norte-americanos [ver, neste Observatório, ‘A vitória dos jornalistas de pijama’, em (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=295ENO001)]. O relatório de uma comissão independente divulgado na primeira semana deste ano confirmou que os editores do programa cometeram vários erros crassos em matéria de investigação jornalística, os quais contribuíram para aprofundar a desconfiança do público em relação a imprensa norte-americana.
Mas o problema se mostrou ainda mais complicado depois que a edição de janeiro/fevereiro de 2005 da revista acadêmica Columbia Journalism Review publicou um texto intitulado ‘Blog-Gate’ (http://www.cjr.org/issues/2005/1/pein-blog.asp), mostrando que os editores dos blogs que provocaram a desgraça da CBS também cometeram os mesmos erros de avaliação superficial e apressada dos documentos que supostamente comprovavam que Bush fugiu do serviço militar.
A matéria da CJR esmiuçou o procedimento usado pelos blogueiros autores das denúncias e mostrou como as evidências de falsificação apresentadas continham fortes inconsistências e não poderiam ser usadas como evidência num tribunal. Também foi feita uma investigação sobre o currículo dos blogueiros que denunciaram a fraude e se constatou que a maioria deles era ligada ao Partido Republicano ou ao governo de George W. Bush.
Dessas duas investigações ficou a certeza de que há muitas outras coisas que não sabemos e que provavelmente nunca saberemos. Ficou claro também que todos os protagonistas do affair CBS/60 Minutes tinham interesses próprios e que, portanto, o público tem todos os motivos para duvidar da credibilidade da informação que recebeu sobre o assunto.
O caso CBS mostrou que a confiabilidade é um desafio também para os blogs. Como eles estão livres da estrutura corporativa vertical, talvez possam dar uma ajuda preciosa aos jornalistas para desenvolver um novo conceito de credibilidade – capaz de assegurar a sobrevivência de ambos.
******
Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica