Quando em junho de 2013 Edward Snowden tornou público o fato de que agências de inteligência vigiavam usuários de internet, empresas e governos, interceptando suas comunicações, Phil Zimmermann teve a certeza de que sua luta estava muito longe de ser ganha.
O programador americano, reverenciado pela criação da ferramenta de criptografia de e-mails PGP (sigla de Pretty Good Privacy, ou ‘privacidade muito boa’), em 1991, é um defensor de longa data da privacidade e liberdade na rede. Ele viu nos vazamentos de Snowden uma oportunidade de negócio que ajudaria o mundo a se defender da vigilância em massa. Foi ali que sua empresa Silent Circle ganhou tração e hoje é uma das marcas mais conhecidas do novo mercado de segurança e privacidade, atuando em mais de 130 países, entre eles o Brasil.
Em parceria com uma empresa espanhola, lançou no ano passado o Blackphone, smartphone privado equipado com uma versão segura de Android (apelidada PrivatOS) e serviços de mensagem de texto, telefone, e-mail e navegação “encriptados”, vendido hoje apenas em grandes volumes por US$ 630 a unidade.
De Genebra, na Suíça, onde o programador mora e dirige a Silent Circle, Zimmermann conversou com o Estado por telefone e comentou sobre sua passagem pelo Brasil, onde dará, amanhã [quarta, 20/5], uma palestra em um evento da Telefônica Vivo sobre segurança da informação para empresas.
O site da Silent Circle está todo traduzido para o português. Isso pode ser interpretado como um sinal de que o Brasil é um grande mercado para vocês?
Phil Zimmermann – O Brasil é o maior país da América Latina. Os brasileiros, agora, sabem da fragilidade da sua privacidade, assim como nos Estados Unidos, onde já vendemos bem. Há ainda mercados importantes, mas difíceis como Rússia e China. Eles têm essa mesma consciência, mas lá, quem usa tecnologias como a nossa vira alvo. Então é complicado fazer grandes negócios.
Neste ano, uma empresa brasileira chamada Sikur passou a oferecer serviços e celulares semelhantes aos da Silent Circle. A concorrência vem aumentando muito desde o ano passado?
P.Z. – Tenho visto algumas empresas entrarem nesse mercado e isso está crescendo. As revelações do Snowden levantaram uma consciência geral. Sabe-se sobre vigilância como nunca antes. Até pouco tempo atrás, isso não era tão popular porque não havia motivo para usar esse tipo de ferramenta. Hoje é diferente, o Snowden acelerou o surgimento dessas evidências e desse mercado.
O sr. já comentou sobre a importância de empresas pensarem em privacidade. Elas são seu principal mercado?
P.Z. – Sim, por isso nos esforçamos nessa direção. Consumidores comuns compram nossos produtos, mas é mais fácil vender para empresas porque não precisamos convencê-las de que segurança e sigilo são vitais.
Muitas pessoas não usam criptografia por achar muito complicado ou por não ver necessidade de ‘esconder algo’. Como o sr. avalia esse tipo de argumento?
P.Z. – Se você não paga pelo produto, você é o produto. Eu não uso Facebook, mas acho que as pessoas deveriam ser mais cuidadosas. É impressionante o quanto as pessoas dão informações ao Facebook. Dizer que não se tem algo a esconder é um absurdo, todos têm algo a esconder. E isso é bom. Se você se trata com um médico que não tem algo a esconder, significa que ele não protegeria suas informações. Sobre o uso de criptografia, de fato, é preciso um conhecimento, por isso o PGP nunca se tornou um produto para o consumidor. É difícil ensinar sua mãe a usar PGP. Minha missão é justamente mudar essa ideia.
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Murilo Roncolato, do Estado de S.Paulo