Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tudo conectado

Bem-vindo a mais um fórum internacional da Edge Foundation. Para quem perdeu os anteriores, um rápido memorex: anualmente o empresário cultural high tech John Brockman, mentor da Edge Foundation, formula uma pergunta, via internet, a uma vasta rede de cientistas, intelectuais e artistas, e divulga as respostas que ao seu The World Question Center chegam entre novembro e dezembro. ‘Qual a invenção mais importante dos últimos 2 mil anos?’ ‘O que você acredita ser verdade, mas não tem como provar?’ ‘O que mudou sua cabeça nos últimos tempos?’, ‘Que inventos ou ideias científicas poderiam mudar tudo a nossa volta’ – perguntou Brockman nos últimos quatro anos.

No fórum deste ano, uma questão atualíssima: ‘A internet está mudando seu modo de pensar?’

O psicólogo Steven Pinker, autor de Como a Mente Funciona, disse que não. Concordaram com ele, entre outros céticos, o biólogo evolucionista Mark Pagel, o escritor Tom McCarthy e o cientista cognitivo Donald Hoffman. Para Pinker, a internet só mexeu, de fato, com seu modo de organização material: pastas de arquivos, cartas, documentos, substituídos por softwares. Pagel reforça sua tese de que ainda somos o que milhões de anos de seleção natural forjaram lembrando alguns de seus amigos alheios ao mundo virtual, que, não obstante, pensam do mesmo jeito que nós, internautas. Hoffman também duvida que a internet, com apenas duas décadas de vida, possa alterar o que a evolução da espécie levou milênios para moldar.

‘Perda de tempo’

Ainda é cedo para dizer, responderam o professor de telecomunicações interativas Clay Shirky, a física Lisa Randall, o historiador James O´Donnell e, com outras palavras (‘Ainda precisamos descobrir o preço da onisciência’), o já citado Donald Hoffman. ‘A internet é ótima para pessoas desorganizadas como eu’, acrescentou Randall, outrora apegada a anotações e recortes de jornais e revistas, que sempre receava perder, e às vezes perdia. ‘Meus dedos agora fazem parte do meu cérebro’, salientou O´Donnell, eximindo-se de especular sobre as consequências cognitivas dessa incorporação.

O músico e agitador sociocultural Brian Eno, apesar de admirar a internet e estar sempre conectado, acredita que o celular tenha afetado mais o cotidiano das pessoas (o dele, certamente afetou) que a internet.

Nenhum ludita foi consultado; ainda bem, seria perda de tempo. Tecnólatras, vários se manifestaram, alguns com o hybris costumeiro, prevendo o fim de quase tudo, uma tabula rasa de todo e qualquer artefato impresso. O ex-editor da revista New Scientist Alun Anderson reservou para os jornalistas o mesmo destino que tiveram os limpadores de chaminé e, para o livro, a mesma sorte dos códices e papiros. Em sua bola de cristal, o livro aparece apenas como um verbete. Da Wikipedia, claro.

Herético, a rigor, apenas um: o músico (e pioneiro da realidade virtual) Jaron Lanier, que há tempos declarou guerra às inanidades e beligerância predominantes na web 2.0. Detalhes sobre sua apostasia em You Are not a Gadget: A Manifesto. Que Alun Anderson não nos ouça (leia ou veja): trata-se de um livro, recém-editado nos Estados Unidos que está dando muito o que falar (e ler).

Abrindo os trabalhos, Brockman, como não podia deixar de ser, puxa o cursor para sua barra de tarefas, definindo a internet como ‘a nova e radical epistemologia que desmonta nossa habitual maneira de pensar’, desafia nossas antigas certezas e estimula o compartilhamento de saberes e o surgimento de um ‘consciente coletivo’. A maioria dos consultados concorda. Uns com justificável entusiasmo, outros com um grão de sal e uma fieira de caveats.

O biólogo evolucionista Richard Dawkins tem a internet na conta de ‘uma das maiores realizações da espécie humana’, mas desconfia da precisão das informações veiculadas na rede e receia que navegar por ela seja viciante e, muitas vezes, uma ‘prodigiosa perda de tempo’ por encorajar o hábito de borboletear de tópico em tópico, em vez de explorar uma coisa de cada vez.

Falta aquela epifania

‘Penso mais rápido atualmente’, admitiu o jornalista alemão Adrian Kreye. ‘O Twitter agilizou meu trabalho’, prosseguiu, ‘mas a internet não afetou minha maneira de pensar. Ainda não senti uma epifania diante do monitor. Minha vida e minhas ideias sempre foram afetadas por pessoas, lugares e experiências não virtuais – e assim continuam’.

Outros jornalistas, mesmo reconhecendo, implícita ou explicitamente, a inegável importância da web e das redes sociais na luta pela liberdade em regimes autoritários, no socorro às vítimas de tragédias naturais, como no terremoto do Haiti, e até no registro de ações criminosas, exageraram nos grãos de sal. John Markoff, do New York Times, confessou-se pessimista com o estado atual da internet. ‘Virou um reflexo das misérias do mundo’, um ambiente dominado por russos, ucranianos, nigerianos e outros traficantes de vírus e spams e ladrões de senhas.

O diretor de teatro Richard Foreman compara a internet à maçã do Gênese, o fruto proibido do saber. Já a mordeu, ressalta, mas tem certeza de que não viverá o bastante para descobrir se ela, afinal, nos levará ao paraíso ou ao inferno. Ao que tudo indica, a consultora da Apple Linda Stone já se descobriu no inferno: ‘A internet roubou meu corpo, que hoje é uma forma sem vida curvada diante de um monitor’, abriu-se no fórum. O pior é que nem trocando seu Mac por um PC as coisas deverão melhorar para o lado dela.

Os depoimentos entusiásticos a favor da internet e seus prodígios dão a tônica ao fórum, ele próprio um prodígio da web 2.0. Marissa Mayer, pesquisadora da Google, disse ter aumentado seu poder de decisão e aprendido a usar o tempo de forma mais eficiente, navegando na infovia. O psicólogo de Harvard Stephen M. Kosslyn ficou ‘mais esperto’ e fez da internet a sua memória e do navegador, uma extensão do seu corpo. ‘Minhas sinapses melhoraram bastante, o raciocínio digital aprimorou-as’, revelou Stewart Brand, cofundador da Global Business Network.

O veterano cineasta de vanguarda Jonas Mekas passou a produzir imagens sem se preocupar com os problemas habituais de distribuição. Há seis anos põe tudo na web; sua obra tem sido muito mais vista do que quando filmava em película ou gravava em vídeo.

Hans Ulrich Obrist, curador de galerias de arte em Londres, orgulha-se de ter passado a pensar mais em termos de ‘ambos/e’ do que ‘e/ou’ e ‘nem/não’. Coinventor da plataforma Facebook, Dave Morin jura que a internet o ensinou a definir melhor, evoluir e crescer. ‘Ela é social, um modo de vida, contextualiza e traz felicidade’, acrescentou, fazendo coro com o depoimento do crítico de informática Howard Rheingold, para quem a vida online nada tem de solitária. ‘Quando marco ou baixo um site, um vídeo, uma imagem, minha escolha torna-se visível a outros, e vice-versa.’

Novo darwinismo

No mesmo tom, o físico e cientista de computação W. Daniel Hillis teorizou: ‘Se o tema do Iluminismo foi a independência, o da internet é a interdependência. Estamos todos conectados, humanos e máquinas. Chegamos à era do enredamento’. Graças a esse enredamento, ficamos menos egocêntricos, mais generosos, mais altruístas, acredita o biólogo Seirian Sumner, que descrê de mudanças em nossa maneira de raciocinar, mas não em nosso modo de agir. Aliás, se não fosse a internet, ele não teria descoberto a existência de mais 17 Serians residindo na América.

Brian Eno concorda com o incentivo da internet à generosidade e ao altruísmo, mas se queixa de um efeito colateral: ‘Fiquei mais impulsivo’. Já apoiou algumas causas e assinou manifestos sem checar direito a procedência de suas reivindicações. De somenos, se comparada às queixas do analista de mídia Douglas Rushkoff, que acusa a internet de haver piorado seu caráter: ‘Virei um ressentido, um reacionário’. E de pavio curto.

O neurocientista Brian Knutson suspeita que a internet acabe impondo um novo darwinismo, um novo tipo de seleção natural, não dos mais fortes, mas dos mais atentos, dos que possuem maior poder de concentração e filtragem de dados. O futurismo dark de Knutson se casa à perfeição com o neomarxismo digital do russo Evgeny Morozov, autor da expressão ciberlumpenproletariado, na qual enquadra todos aqueles engolfados pelo tufão dos sites de fofocas, dos videogames idiotizantes, dos blogs populistas e xenófobos e das redes sociais dominadas por bullies e cretinos.

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Jornalista