Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Twitter, diplomacia e política virtual

O Twitter pode não ser um colosso comercial como o Facebook, mas uma reportagem da BBC Brasil (29/4) mostrou que cada vez mais lideranças políticas importantes no planeta costumam utilizar o microblog para reforçar e ampliar o alcance de suas agendas. Os governos latino-americanos são grandes usuários do microblog. A BBC os (des)qualificou como “falastrões”. O estudo foi feito pelo blog do site Twiplomacy este ano e serviu de fonte para reportagem publicada no site da emissora britânica.

Os resultados foram impressionantes: os líderes mundiais, juntos, enviaram 2,6 milhões de tweets para 212 milhões de seguidores. O site é uma iniciativa da Burson-Marsteller, uma rede de mundial de consultoria de comunicação corporativa, que pertence ao Grupo WPP, o “maior conglomerado de publicidade do mundo em receitas”, segundo a Reuters (28/11/2011). “Mais de 100 das 669 contas analisadas viram seu número de seguidores dobrar desde junho de 2014”, informou o relatório final da empresa sobre os dirigentes presentes no Twitter.

O estudo revelou a atividade das autoridades mundiais mais relevantes no microblog, e constatou o aumento das conexões em rede entre líderes proeminentes de todo o planeta. A reportagem da BBC usou o termo “falastrão” em sua acepção popular e depreciativa quando se referiu ao nosso subcontinente: falador, enganador e propositor de engodos. Não foi assim que o estudo da firma de consultoria referiu-se às lideranças latino-americanas. A forma de apresentação foi séria e sem adjetivações:

“Na América Latina o presidente do México Enrique Peña Nieto @EPN está ligeiramente à frente do presidente da Colômbia @JuanManSantos e da Argentina Cristina Fernández de Kirchner @CFKArgentina com bem mais de 3,6 milhões de seguidores cada. A brasileira Dilma Rousseff @dilmabr e o venezuelano @NicolasMaduro completam a lista dos cinco grandes da América Latina, com 3,3 e 2,4 milhões de seguidores cada.”

Espanhol é a língua mais empregada

Os staffs encarregados da manutenção dos perfis das presidências dos líderes latino-americanos também são os mais ativos, revelou o estudo:

“A presidência venezuelana (@PresidentialVen) enviou perto de 60 mil tweets, em média de quase 41 tweets a cada dia. A presidência mexicana (@PresidenciaMX) aparece em segundo com mais de 57 mil tweets, seguidos pelo ministro de Exterior da Venezuela (@vancacilleria) com mais de 54 mil tweets enviados.”

O estudo da consultoria de comunicações trouxe ainda mais informações interessantes:

Os líderes mundiais mais influentes no Twitter são:

** Barack Obama (56.933.515 seguidores)

** O papa Francisco (19.580.910);

** O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi (10.902.510);

** O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan;

** A Casa Branca (sede do governo norte-americano);

Mas os mais efetivos, em número de retweets por tweet são:

** O papa Francisco (9.929 retweets);

** O rei Salman, da Arábia Saudita (4.419);

** O presidente venezuelano Nicolas Maduro (3.198);

** O presidente norte-americano Barack Obama;

** O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi (1094);

“Os dirigentes mundiais tuítam em 54 línguas diferentes”, explicou o relatório. Apesar de o inglês ser a língua da diplomacia digital, o espanhol é a língua mais empregada por líderes mundiais no microblog. Enquanto “241 contas em inglês postaram a 115 milhões de seguidores 737.057 mensagens”, 74 contas em espanhol enviaram 853.503 tweets para 36 milhões de seguidores combinados em todo o mundo hispânico, revelou o estudo.

Mais de 60 variáveis foram consideradas

O francês, a antiga língua da diplomacia, agora ocupa o terceiro lugar entre os líderes mundiais no Twitter, seguido pelo árabe, russo, português, ucraniano, turco, croata, bahasa da Indonésia, coreano, japonês e alemão.

O estudo detectou a presença de uma rede virtual de diplomacia mundial no microblog. Seguiu líderes e altos funcionários de Estado de países europeus e constatou que o ministro de Exterior da Suécia (@CarlBildt) é o maior entusiasta da diplomacia digital. Segundo lista do Twitter, “mais de 4100 embaixadas e embaixadores estão agora ativos no Twitter e a lista está a crescer diariamente. Em Londres, Nova York e Washington D.C., missões diplomáticas estrangeiras não podem mais ignorar a atividade diplomática na ‘Twitosfera’ (o termo é criação do estudo da Burson-Marsteller)”.

A surpresa maior foi o aparecimento de representação da revista inglesa The Economist, que tem “embaixadores de marca” em diversos países. São estudantes universitários encarregados do marketing da revista nas instituições de ensino superior. As publicações de notícias preferidas pelos dirigentes mundiais são o New York Times, seguido por 146 líderes, e a Reuters, com 136 dirigentes que a acompanham.

A pesquisa da consultoria de comunicação Burston-Marsteller também não deixou de fora a metodologia do estudo. A agência de comunicação corporativa informou que “identificou 669 contas de Twitter de chefes de Estado e governo, ministros do Exterior e suas instituições em 166 países por todo o mundo. O estudo analisou cada perfil de líderes no Twitter, histórico de tweets, e suas conexões com os outros. Os dados foram coletados em 24 de março de 2015 usando Twitonomy (programa). Mais de 60 variáveis foram consideradas, incluindo: Tweets, seguidos e seguidores, listados, a data que o usuário entrou no Twitter, a razão seguidor/seguido, a razão listados/ (por) 100 seguidores, tweets/dia, retweets, percentagem de retweets, menções de usuário, número médio de @menções/tweet, @réplicas, percentagem de réplicas, links, número médio de links/tweet, hashtags, número médio de hashtags/tweet, tweets retuítados, proporção de tweets retuitados por outros, número total de tweets retuitados, média de tweets retuitados, usuários mais retuitados, número médio de tweets retuitados, usuário mais respondido usuário mais mencionado, hashtags mais usadas e plataformas de onde mais se tuitou”.

A “segurança” dos ativistas

O estudo foi muito interessante, completo e profundo. Mas não podemos esquecer que é um produto de marketing. Uma propaganda de um site de uma agência de publicidade que quer vender o seu produto para o mundo da diplomacia. Não há uma nota crítica sobre os perigos da diplomacia na web. A crença no poder da rede mundial de computadores em trazer liberdade e democracia a todos os países do globo é ingênua e perigosa porque os mesmos regimes que desprezam a democracia liberal do Ocidente também usam as mesmas ferramentas digitais que os Estados Unidos, Inglaterra e outros propositores da “e-diplomacia”.

A diplomacia mundial que conhecemos hoje tem origem no final do século 16, e foi estabelecida com regularidade a partir do século 18 no norte da Itália, explicou G.E. do Nascimento e Silva em seu livro Manual de Direito Internacional Público (São Paulo: Saraiva, 2002, 15ª ed., p.187). É uma instância subordinada à política externa de um país, e como tal, não pode estar em contradição com ela.

Em 2012, o periódico New Zealand Herald (24/8) publicou uma excelente reportagem sobre a diplomacia digital. O autor, Chris Barton, apresentou as diferentes abordagens dos maiores estudiosos do assunto: Alec Ross e Evgeny Morozov. Ross, ex-secretário de inovação de Hillary Clinton durante seu mandato no senado (21/1, 2009-01/02, 2013), é um defensor da política externa do país que acredita na diplomacia virtual. Não vê diferença entre uma e outra. Justifica a ação combinada das grandes do Vale do Silício e o governo americano em nome da “segurança” dos ativistas diante da ameaça da “interceptação de informação pessoal pelos governos autoritários” e da revelação de suas localizações geográficas, tornadas possíveis, ampliadas e baratas graças à vulgarização e uso acrítico por parte dos mesmos dos smartphones e outras mídias da web.

Tolerância, confiança mútua e arrojo

Evgeny Morosov é um pesquisador dedicado a estudar o impacto da revolução digital sobre a vida social. O tecnologista, pesquisador e professor é um crítico duro da diplomacia digital e do progresso da sociedade depois do surgimento da internet. É um opositor da diplomacia digital. E tem bons argumentos. É um veterano que publica com regularidade no New York Times, naEconomist e nas maiores publicações do globo.

Ele defende, no New Zealand Herald, que os alinhamentos das empresas do Vale do Silício (Twitter, Facebook, Google e outras) com o Departamento de Estado serviram para levantar suspeitas entre países que não estão alinhados ou não concordam com a política externa norte-americana em alguns aspectos (ou muitos). Para estes, a diplomacia digital é mais um “cavalo de troia” (Trojan), um mini-espião cibernético do governo americano implantado via web. Há lógica consistente neste argumento: megacorporações privadas do Vale do Silício trabalham sob a ótica do segredo e sua colaboração com a política externa americana acaba por “projetar os tentáculos” da política externa ianque em outros lugares do globo. Ao mesmo tempo, abrem a porta para regimes autoritários fazerem uso dos recursos e serviços da web para vigiarem e punirem seus opositores internos e externos.

A diplomacia digital é um acessório da diplomacia real. Nada mais que isso. Acreditar que problemas entre nações podem ser resolvidos online apenas é, ao mesmo tempo, uma grande ingenuidade e uma tentativa de impor, de modo insidioso, a agenda internacional norte-americana (e do Ocidente) ao resto do planeta. Repetir nunca é demais: a crença que prega a liberdade a partir de relações diplomáticas na web é uma ideologia absoluta pueril e aponta para a irrefutável insistência dos americanos em impor ao mundo os seus valores. Que não são compartilhados em grande parte do mundo.

Fazer diplomacia real é aceitar este fato e agir para criar convergências produtivas entre países com ideologias diversas. Exige tolerância, confiança mútua e arrojo para propor o impensável, o que não interessa aos países que ser arvoram em donos do planeta, as corporações interesseiras globais ou aos grupos e regimes autoritários. A tarefa é dura e difícil. Exige engenho humano e relações sociais concretas entre pessoas. E não ferramentas de marketing interessadas em vender o último software para monitoramento de tudo aquilo que fazemos nas redes sociais e na web.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor