“Tínhamos uma ideia muito simples: um carro que viria até nós com apenas um clique num celular”, diz Garrett Camp, cofundador do Uber, com ar nostálgico. Começou assim a comemoração do quinto aniversário do aplicativo. Com mais de 2.000 convidados, o aplicativo mais onipresente e polêmico dos últimos tempos marcou a data no quarto andar de sua sede na rua Market, a apenas um quarteirão do quartel-general do Twitter, num bairro de São Francisco cheio de programadores durante o dia e ninho de sem-teto ao pôr do sol.
O ambiente era festivo. O Uber é o espelho em que o Vale do Silício se olha. Qualquer serviço sob demanda, seja limpeza de casa ou entrega de comida, é chamado de “o Uber do…”. Com globos de luz e o restaurante transformado em algo mais parecido com um clube noturno do que com um escritório cheio de gente, a comemoração foi carregada de dramaticidade. O Uber deu a palavra a uma mãe, Theresa Ferguson, que, sem poder conter as lágrimas, contou como dirigir em meio período mudou sua vida.
Travis Kalanick, a outra metade da dupla de fundadores e atual diretor-presidente, foi além: “Eles acreditaram em nós quando ninguém acreditava. De início, quando começamos, tínhamos medo de não conseguir atender a demanda e que nos faltassem carros na rua. Graças a eles, estivemos à altura das exigências”. Chama atenção a reverência prestada aos motoristas, porque a empresa não tem relação contratual com eles.
São fundamentais para o funcionamento atual do Uber, mas não estão em seus planos futuros. O Uber já trabalha com a Universidade Carnegie Mellon num carro que prescindirá do fator humano. Nesse campo desafia diretamente o Google, com seu carro autônomo. Antes de chegar a esse ponto, será preciso resolver um problema, o dos mapas. O Uber usa os do Google, mas não suas as informações sobre trânsito. Enquanto o buscador se abastece de dados em tempo real via Waze, comprado há dois anos, o Uber tem os dados que coleta dos trajetos próprios, insuficientes para suas ambições. É por isso que estão lutando para utilizar os mapas do Nokia, fora de moda, mas com uma história e uma confiabilidade invejáveis.
Kalanick, passada meia hora sobre o estrado, foi subindo o tom messiânico de sua intervenção: “Somos o transporte do século XXI. Seria inacreditável se a propriedade mais valiosa de quase toda a humanidade fosse desperdiçada. Há quase 1 bilhão de carros no mundo que não são usados durante 96% do tempo”.
Surpreende no fundador do Uber a capacidade de torcer os argumentos. Os taxistas estão sendo os grandes prejudicados pelo serviço da empresa. Mas, na sua opinião, a situação é muito diferente: “Somos a melhor opção para quem quer ganhar a vida dirigindo carros. A maioria dos que trabalham conosco antes eram taxistas, mas estavam cansados de pagar até 40.000 dólares por ano para ter uma licença e um carro durante um horário fixo. Graças à tecnologia, criamos o posto de trabalho mais flexível do mundo, sem horário e sem chefe”.
Sobre segurança
O Uber é hoje uma multinacional avaliada em 50 bilhões de dólares. Os donos preferem que seja chamada de startup, mas isso parece apenas pose se levarmos em conta o poder econômico que detém e sua rápida internacionalização. 18 meses depois de sua criação em San Francisco, abriu uma sede em Paris. Desde então a empresa chegou a 311 cidades em mais de 58 países. Tem mais de 3.000 empregados contratados e, calcula-se, mais de 1 milhão de motoristas. Segundo números apresentados por investidores, o Uber prevê crescer cerca de 400% neste ano.
As autoridades, quase sempre o inimigo a derrotar em cada cidade, também foram lembradas no discurso: “Uma cidade com o Uber é mais próspera. Desejamos sentar com os prefeitos para ajudá-los a crescer e criar empregos. Não é tão difícil, apenas pedimos que deixem os vizinhos se ajudarem entre si, que deixem para trás leis do passado”.
Kalanick apresentou como a grande inovação o UberPool, uma opção de compartilhamento de transporte com desconhecidos com preço muito reduzido: “É maravilhoso que duas pessoas estejam indo para o mesmo lugar. Nossa ideia é dar acesso a mais pessoas, de um modo mais barato e usando menos carros”.
Segundo os cálculos da Uber, fica mais barato usar esse sistema do que ter um carro próprio: “Se forem somados estacionamento, manutenção, gasolina, seguro e o tempo gasto procurando onde deixar o carro, é muito mais econômico confiar em nossos serviços”.
O executivo passou de leve pela Europa, onde tem problemas legais para funcionar na Alemanha, na Espanha e em Portugal. Também não quis falar da América Latina, já que no México a empresa está na mira dos taxistas. Sua grande ambição se encontra na China e na Índia.
A figura do fundador está cercada de polêmica, por causa de declarações machistas ou pela forma como lidou com as críticas da imprensa. Em tom festivo, ele desdenhou: “Reconheço que já me chamaram de tudo. Quanto mais falam de nós, mais pessoas têm vontade de experimentar o Uber”.
Ainda que a empresa lidere o mercado, em San Francisco sofre a concorrência do Lyft, o segundo do ranking, que acaba de arrecadar 100 milhões de dólares junto a um dos investidores mais conhecidos da região.
Um dos problemas do Uber é a segurança. Já houve várias denúncias de tentativa de estupro. Kalanick minimizou o assunto: “Não só acompanhamos a rota do motorista, como podemos a qualquer momento compartilhá-la com os amigos e com a família do passageiro”.
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Rosa Jiménez Cano, do El País, em San Francisco