Atentos aos fatos que geram manchetes e provocam debates, observadores da imprensa eventualmente deixam escapar acontecimentos fortuitos que podem ser sinais importantes de mudanças no cenário da mídia.
Veja-se, por exemplo, a notícia publicada no fim de semana sobre o acordo feito entre o Google e o governo da França, pelo qual a maior empresa de catalogação e busca na internet vai criar um fundo para remunerar os jornais franceses. Muito mais do que encaminhar uma solução para a questão dos direitos sobre conteúdo jornalístico na internet, a decisão representa um ponto de mudança na relação entre a mídia tradicional e os meios digitais nativos. Com ampla vantagem para os digitais.
Pelo acordo, que colocou em condições de igualdade, à mesma mesa, o presidente do conselho de administração do Google, Eric Schmidt, e o presidente da França, François Hollande, a empresa vai ajudar os jornais franceses a melhorar o desempenho de suas receitas de publicidade online e destinar € 60 milhões para financiar projetos de inovação na imprensa.
A solução ameniza a polêmica sobre a oferta de links nos resultados de busca que apontam para conteúdos noticiosos. Os jornais exigiam o pagamento por esse serviço, que de alguma forma concorre com o negócio principal da imprensa.
Até esse encontro de interesses, a questão se encaminhava para um conflito do qual nenhuma das partes se beneficiava: sem o conteúdo noticioso, o Google perderia parte importante de seus atrativos; se fossem excluídos do sistema de buscas, os jornais poderiam cair no limbo e suas páginas nunca seriam encontradas por leitores interessados em determinados assuntos. Com o acordo, segundo a interpretação divulgada pelo Google, a empresa não se sente mais obrigada a pagar pelo acesso ao noticiário.
O modelo alcançado na França deve ser estendido a toda a imprensa europeia, e, embora por enquanto se aplique apenas aos jornais de informações gerais, pode por fim a uma disputa que se arrastava há pelo menos cinco anos.
Com essa oferta, o Google se livra de uma sucessão de processos judiciais e abre caminho para uma transição menos traumática da imprensa de papel para o ambiente digital.
A quarta onda
O acontecimento, embora pouco explorado pela imprensa após o anúncio oficial, feito na sexta-feira (1/2), pode representar um marco importante no processo de mudança pelo qual passa a mídia. Um dos aspectos a serem observados é o fato de que a solução foi encontrada com a intervenção do poder público, o que coloca o Estado como protagonista de um momento relevante nas relações de dois setores da iniciativa privada que representam o passado e o futuro do sistema de negócios de informação.
Outra questão a ser analisada é a integração definitiva dos conteúdos organizados pelos meios tradicionais ao sistema de buscas que representa exatamente a antítese da ideia clássica de mediação. Imersos no ambiente do Google, os conteúdos noticiosos produzidos pelas empresas jornalísticas nascidas no papel tendem a se mesclar ao noticiário e às opiniões geradas por produtores digitais, o que no longo prazo pode vir a diluir o valor das marcas tradicionais.
Quanto mais se expandir o acesso e quanto maior for a capacidade de transmissão de dados, mais rapidamente se dará esse processo de absorção das marcas associadas ao meio físico no ambiente digital.
Se o acordo assinado na França aponta para uma solução da questão dos direitos sobre o conteúdo, também torna as empresas tradicionais cada vez mais dependentes do Google para ter seus conteúdos exibidos com mais destaque nas páginas de busca.
No Brasil, onde a solução dessa pendência passa pela decisão dos jornais de restringir o acesso a seus conteúdos para não assinantes, é preciso levar em conta que o mercado vai sofrer um grande solavanco com a entrada em operação da internet de quarta geração, a 4G, prevista para o começo do ano que vem.
A Folha de S. Paulo parece ter entendido melhor que seus concorrentes a importância dessa mudança. Este é o tema da manchete do jornal paulista na edição de segunda-feira (4/2): “Governo prepara nova banda larga para 2014”.
A antecipação do leilão de novas bandas para empresas de telecomunicações agita o setor e autoriza a prever uma mudança radical no perfil da internet brasileira, com a possibilidade do acesso a conexões de largo espectro para um público que provavelmente nunca abriu um jornal em sua vida.
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