Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um novo jeito de produzir e consumir informação

A noção de “portal” tem perdido cada vez mais a sua principal funcionalidade na Web 2.0. Se compararmos a página inicial de um site de notícias com a capa de um jornal, perceberemos que ambos obedecem a uma hierarquia editorial e a um ordenamento (por relevância ou editoria), com a diferença de que o portal suporta muito mais conteúdo e permite a interatividade e atualizações ao longo do dia. Em alguns casos, o usuário pode até mesmo personalizar a sua homepage. Porém, o estudo português “Públicos e consumos de média”, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que analisou tendências em 11 países, incluindo o Brasil, em setembro e outubro de 2014, concluiu que 56% das pessoas utilizam as redes sociais para se informar – perdendo apenas para a televisão, que alcança 93% dos entrevistados.

A informação nas redes se dá principalmente através do compartilhamento de links entre amigos ou por meio das páginas que cada usuário acompanha. Uma das consequências pode ser uma menor fidelização do internauta a determinado site: apesar de os grandes portais manterem sua “audiência” nas redes sociais, eles agora disputam entre si, e também com a mídia alternativa, qual conteúdo chama mais atenção e gera cliques. Além disso, eles se tornam “reféns” dos algoritmos, que de certo modo editorializam aquilo que é relevante e que será apresentado para cada usuário, com base nas informações fornecidas durante a navegação.

Entra em questão, nesse caso, o filtro-bolha, que é a personalização (automática ou voluntária) do conteúdo disponível na internet a partir das preferências de cada um, buscando apresentar aquilo que lhe agrada ou pode lhe interessar. O conceito é recente e ganhou destaque em 2011, quando Eli Pariser, um ativista político, lançou o livro The Filter Bubble. Uma das declarações mais claras a respeito disso vem de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, maior rede social do planeta, com mais de 1,4 bilhão de cadastrados até janeiro deste ano: “A morte de um esquilo, na frente de sua casa, pode ser mais importante para você do que pessoas morrendo na África.” Isso significa que, a partir dos interesses e contexto de cada usuário, a rede social vai apresentar somente o que considera relevante para esta pessoa. Na área política, por exemplo, o Facebook de alguém da direita vai disponibilizar, sobretudo, conteúdos referentes aos seus posicionamentos, enquanto aquilo que lhe desagrada provavelmente será ocultado.

Os algoritmos não são claramente explicados, com a justificativa de que alguém poderia burlar o código para usar em benefício próprio. O risco é as pessoas ficarem cada vez mais engessadas em suas próprias crenças, sem perceber que estão sendo direcionadas para viver em uma espécie de “bolha”. O poder que a rede de Zuckerberg tem para determinar as reações das pessoas é grande a ponto de uma pesquisa, realizada em 2012 pela própria empresa, ter concluído que um feed de notícias com teores negativos faz as pessoas postarem mensagens mais amargas. A análise gerou polêmica por não ter avisado a cerca de 700 mil usuários que eles estavam fazendo parte de experimentos.

Pessoas são forçadas a clicar no link para saber o assunto

Surge, então, a seguinte questão entre as empresas jornalísticas que atuam no meio digital: afinal, o que deve ser privilegiado? O conteúdo, que provavelmente gerará mais cliques para o site – e obviamente mais lucros, por meio dos centavos obtidos pelos cliques nos anúncios? Ou o jornalista deve manter o seu papel de informar até mesmo aquilo que possa não agradar ao seu público ou não ser do interesse da maioria, mas que tenha relevância, como geralmente acontece nas áreas de política e economia?

Quem segue a primeira opção prioriza casos inusitados e histórias que antes ficavam reservadas para pequenos espaços, e de pouco destaque, nos jornais impressos e telejornais; dessa forma, o “mundo cão” vira protagonista. “A rede abrange todas as partes da nossa vida. Os jornais e as emissoras sempre trataram superficialmente essas coisas, considerando-as secundárias à sua verdadeira missão, a cobertura dos acontecimentos” (DOCTOR, 2011: 120). Claro que os virais da internet são uma boa alternativa para pautas e geram impactos positivos no números de acessos, mas eles não deveriam ser priorizados em detrimento das informações que realmente geram algum impacto na sociedade.

Dentre os portais, um exemplo claro do foco no sensacionalismo e no “mundo cão” é o R7, do Grupo Record. No dia 30 de junho, algumas das manchetes eram: “Famosos esticados: compare o antes e o depois de quem exagerou na plástica”, “Mãe suspeita de matar a filha já havia tentado no ano passado”, “Mistério no DF: mãe de 2 filhos é achada morta com sinais de estrangulamento”. O site de esportes Lancenet, por sua vez, não recorre ao “mundo cão”, mas reforça a lógica do clickbait (conteúdo de natureza provocativa para atrair atenção e cliques) em sua página do Facebook. Muitas vezes, é comum alguém “se informar” apenas através de títulos, imagens e textos introdutórios das notícias nas redes sociais, em meio a um turbilhão de conteúdo (fenômeno este que já acontecia desde a leitura dos jornais impressos). Mas, no caso do clickbait adotado pelo Lancenet, as pessoas são praticamente forçadas a clicarem no link para saber o mínimo a respeito de determinado assunto. Afinal, a página recorre a títulos que não trazem nenhuma informação, como “Que trapalhada!”, “Veja os maiores artilheiros do Santos após a era Pelé”, “Urgente!”, “Saiba para quando o Fla planeja estreia de Guerrero”.

O mecanismo de geolocalização

A internet também tem influenciado a pauta até mesmo do principal telejornal do país, o Jornal Nacional, da Rede Globo, que este ano tem passado por mudanças – a começar pelo novo cenário e pelo modo de apresentação dos âncoras. No dia 22 de junho, o noticiário exibiu um vídeo, viral, que mostrava um gato pendurado em um ultraleve, na Guiana. “Por um momento, foi como se ele [o piloto] pensasse: ‘Eu acho que vi um gatinho’”, narrou William Bonner. Os 21 segundos dedicados ao assunto não foram o destaque do dia, mas a matéria imediatamente gerou grande repercussão nas redes sociais. Fenômeno parecido aconteceu no dia 3 de julho, quando comentários preconceituosos a respeito de Maria Júlia Coutinho, a Maju, da previsão do tempo, surgiram nas mídias digitais, mobilizando os internautas com a hashtag #SomosTodosMajuCoutinho. Bonner, que ao longo do dia já havia manifestado seu apoio à jornalista na web, trouxe o assunto à tona, ao vivo, ressaltando que os autores dos comentários serão investigados. “Os preconceituosos ladram, mas a caravana passa”, disse Maria Júlia.

Além disso, em menos de dois meses após a estreia do novo formato, o âncora se manifestou duas vezes, ao vivo, a respeito de comentários feitos no Twitter sobre a edição do dia – na primeira, criticavam o apresentador, por ter dito que um hacker tinha “cara de maluco”; na segunda, alertavam que ele confundiu “boa noite” com “boa sorte” em uma tradução. “Fui corrigido pelo pessoal das redes sociais”, afirmou Bonner.

O Facebook tem testado iniciativas para manter as pessoas na sua plataforma o máximo de tempo possível. A primeira delas foi desenvolver um mecanismo que acessa os links dentro do próprio aplicativo para celular ou tablet, de modo a evitar que os usuários abram outro aplicativo (no caso, o navegador) e possivelmente se dispersem. Já este ano, nos Estados Unidos, a rede social deu início à publicação direta das notícias na sua própria plataforma, sem necessidade de links, por meio do chamado “Instant Articles”. O conteúdo fica nos servidores da rede social, e não de quem o produziu. Essa iniciativa já conta com nomes de peso, que ainda estão buscando o melhor caminho a seguir na internet, como os jornais The New York Times e The Guardian, a revista The Atlantic e o site BuzzFeed. A ideia é que os artigos tenham anúncio e que, incialmente, os veículos recebam toda a receita gerada.

É importante observar que essa novidade não somente influencia o tempo gasto pelos usuários na rede social, aumentando os lucros, como também pode ser vista como uma “afronta” a um dos principais concorrentes da empresa: o Google. As notícias publicadas diretamente no Facebook não são indexadas pelo Google, ou seja, não aparecem nos resultados de pesquisa do buscador, criando um mundo “à parte” na internet.

Outra questão é o impasse que as empresas jornalísticas deverão encontrar diante das políticas editoriais da rede social. A foto de uma índia nua, por exemplo, que não tem caráter pornográfico, pode ser censurada, de acordo com as regras e termos de uso do Facebook. A “bolha” tende a se intensificar cada vez mais.

O Google, por sua vez, também lançou uma ferramenta dedicada aos jornalistas: o Google News Lab. “Nossa missão é colaborar com jornalistas e empresários para construir o futuro da mídia. Estamos focando nisso de três maneiras: garantindo que nossas ferramentas estejam disponíveis para todas as redações do mundo (e que estas saibam como usá-las), entregando dados úteis nas mãos de profissionais e por meio de programas criados para construir uma das maiores oportunidades que existem na indústria da mídia atualmente”, divulgou a empresa, em seu blog. A plataforma Google Trends foi atualizada para oferecer dados em tempo real sobre o desempenho das matérias na internet.

Em junho, o YouTube, que pertence ao Google, anunciou o NewsWire, uma ferramenta que fornecerá, aos jornalistas, notícias em vídeo relacionadas a grandes acontecimentos. Todas elas poderão ser enviadas por qualquer usuário do site, mas antes passarão por uma curadoria do próprio YouTube. O mecanismo de geolocalização, do Google Maps, será aliado à nova plataforma para uma melhor referência espacial.

Referências bibliográficas

DOCTOR, Ken. Newsonomics. São Paulo: Cultrix, 2011.

Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Públicos e Consumos de Média: o consumo de notícias e as plataformas digitais em Portugal e em mais dez países.

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Vítor Hugo dos Santos Anastácio é aluno de Jornalismo da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ)