A blogosfera científica brasileira acaba de ganhar um impulso que tem tudo para aumentar sua visibilidade e credibilidade. Foi criado no fim de março o portal ScienceBlogs Brasil (SBB), versão nacional do maior condomínio de blogs de ciência do mundo. A iniciativa confirma o potencial dos blogs brasileiros sobre ciência, que ainda enfrentam obstáculos, mas vivem um momento de expansão sem precedentes.
A filial brasileira do Science Blogs foi criada a partir de uma iniciativa similar existente anteriormente – o Lablogatórios, criado pelos biólogos Carlos Hotta e Átila Iamarino, agora responsáveis por gerenciar a comunidade de blogueiros do SBB. Apesar de sua vida curta – o portal foi lançado em 2008 –,o Lablogatórios chegou a reunir cerca de 20 páginas e aumentou bastante o número de visitantes de cada uma.
Bom exemplo disso é o blog do próprio Hotta, Brontossauros em meu Jardim, que ganhou o prêmio Best Blogs Brasil 2008 na categoria ciência. ‘O Brontossauros saltou de uma média de 4 mil visitas mensais para cerca de 15 mil após a criação do portal’, conta o biólogo.
O objetivo por trás da reunião dessas iniciativas é aumentar a visibilidade de cada uma, no melhor espírito de ‘a união faz a força’. ‘Com o ScienceBlogs Brasil, ganhamos mais poder de divulgação e projeção’, explica Átila Iamarino, autor do blog Rainha Vermelha. ‘Temos agora um ponto de convergência de conteúdo científico que dá credibilidade e facilita o contato de leitores e blogueiros com outros blogs.’
Ainda é cedo para confirmar o aumento de audiência esperado para as 21 páginas reunidas no ScienceBlogs Brasil. Mas o significado da mudança é claro. ‘Incorporamos uma marca muito forte de divulgação científica ao nosso time, o que certamente trará muito mais retorno no futuro’, aposta Hotta.
Mais blogs, menos espaço na imprensa
O lançamento dessa iniciativa se dá em um momento em que os blogs de ciência estão em alta em todo o mundo. O fenômeno foi apontado em uma reportagem da edição de 19 de março da revista Nature, um dos periódicos científicos mais influentes do mundo. Segundo a reportagem, o aumento do número de pesquisadores blogueiros acontece paralelamente a uma crise do jornalismo de ciência nos Estados Unidos e na Europa.
Uma pesquisa promovida pela própria Nature junto a 493 jornalistas que cobrem ciência revelou um quadro de muitas demissões e aumento da carga de trabalho daqueles que conservaram seus postos. A revista aponta ainda que o tema vem perdendo espaço na imprensa generalista, sobretudo nos Estados Unidos – a extinção da seção de ciência do Boston Globe é citada como exemplo dessa tendência.
No Brasil, o espaço da ciência no noticiário não parece ameaçado – por enquanto. Porém, também aqui um número cada vez maior de pesquisadores vem recorrendo a blogs para se comunicar com colegas e com o público, antecipar resultados de estudos e comentar os bastidores da vida acadêmica.
Bom exemplo disso é o blog A neurocientista de plantão, de Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela anunciou ali em primeira mão a publicação do artigo de seu grupo de pesquisa que fez uma contagem pioneira do número de neurônios do cérebro humano.
Os blogs podem servir também de instrumento de mobilização política por parte dos cientistas. Um exemplo é o caso do Ciência Brasil, do biólogo Marcelo Hermes-Lima, professor da Universidade de Brasília (UnB). O autor dá destaque ali a questões de política científica e assuntos administrativos internos da UnB.
Franca expansão
A criação do ScienceBlogs Brasil é sintomática do bom momento de nossa blogosfera científica, mas não é a única iniciativa do gênero no país. No mesmo espírito, existe desde agosto de 2006 a Roda de Ciência, blog coletivo cujas postagens dão destaque a textos originais dos blogs individuais dos 23 participantes. ‘A proposta era aproximar os blogs de ciência e juntar mentes para gerar novas ideias’, define a bióloga Maria Guimarães, criadora da Roda. As postagens são pautadas por um tema periódico, escolhido por votação e divulgado pelo moderador.
Na mesma linha, o Anel de Blogs Científicos é outro exemplo de condomínio de blogs de ciência em língua portuguesa. Vinculada ao Departamento de Física e Matemática da USP (campus de Ribeirão Preto), a iniciativa envolve 130 participantes de Brasil e Portugal.
Outro exemplo do dinamismo que agita a blogosfera científica brasileira foi a realização, no início de dezembro de 2008, do I Encontro de Weblogs Científicos em Língua Portuguesa. Apesar da dimensão modesta – o evento reuniu cerca de 15 blogueiros –, a iniciativa ajudou a firmar os laços que unem esses divulgadores e permitiu discutir estratégias para melhorar a visibilidade dos blogs de ciência.
Essas iniciativas mostram que temos hoje um quadro bastante diferente daquele que havia em 2005, quando a CH On-line publicou sua primeira reportagem sobre a blogosfera científica brasileira, marcada por iniciativas isoladas. A criação de condomínios como o ScienceBlogs Brasil e a Roda de Ciência mostra que os blogs estão em franca expansão desde então.
Espaço para crescer
É claro que ainda estamos longe da popularidade e da audiência de blogs dedicados a entretenimento e amenidades. A título de exemplo, o blog do jornalista Juca Kfouri, que cobre futebol e outros esportes, alcançou no último fim-de-semana o marco de 50 milhões de visitas desde setembro de 2005 – um índice ainda utópico para uma página sobre ciência.
Uma comparação como essa tem pouca validade – em outras esferas, a ciência ainda é um tema sem a mesma visibilidade que têm esportes, humor e cultura. Seja como for, ainda há espaço para um aumento do número de leitores. João Carlos Cunha, oficial reformado da Marinha e autor do blog Chi vó non pó, concorda com a análise: ‘Vejo com alegria o crescimento dos blogs devotados à divulgação das ciências, mas acredito que ainda é cedo para ‘soltar foguetes’. Por enquanto, esses blogs ainda têm um público fiel pequeno, no Brasil’.
Na avaliação da bióloga Paula Signorini, titular do Rastro de carbono, há ainda bastante espaço para crescimento da blogosfera científica brasileira. Para isso, no entanto, é preciso superar o preconceito que ela atribui a alguns pesquisadores. ‘Acredito que os acadêmicos em geral ainda vejam blogs como meros diários de adolescentes e que ainda não percebam o poder que a ferramenta dá para que eles alcancem o público leigo’, avalia.
Um exemplo do chão que nos resta a percorrer pode ser visto na versão em inglês do portal ScienceBlogs. A iniciativa reúne 78 blogs, mantidos na maior parte por cientistas que utilizam essas páginas para divulgar suas próprias pesquisas.
Os blogs brasileiros de ciência ainda precisam de fôlego para chegar a esse patamar, mas estão no bom caminho. Resta torcer para que o público e a parcela da comunidade científica que ainda enxerga essas iniciativas com reticência reconheçam o valor da divulgação científica no formato dos blogs.
A ciência também nos microblogs
Além dos blogs tradicionais, a ciência tem ganhado visibilidade também no Twitter, a mais nova febre da internet. Esse tipo de ferramenta é conhecido como microblog, pois as postagens de cada usuário devem ter no máximo 140 caracteres. Carlos Hotta, Átila Iamarino e Paula Signorini são alguns dos blogueiros ouvidos por nossa reportagem que já se renderam à novidade. A Ciência Hoje não ficou para trás e já tem sua conta no Twitter. Assine as nossas postagens para receber notícias sobre as últimas atualizações da CH On-line.
******
Do Ciência Hoje On-line