Uma das estatísticas mais impressionantes divulgadas pelo governo chinês no final de 2007 foi uma atualização do número de usuários da internet no país, que chegou a 210 milhões. É um número estarrecedor – cresceu mais de 50% em relação ao ano anterior e é três vezes superior ao do número de usuários na Índia, o outro gigante asiático com o qual a China é freqüentemente comparada. Dentro de alguns meses, segundo o banco de investimentos Morgan Stanley, o número de usuários da internet chineses ultrapassará o dos Estados Unidos, atual líder. E como a proporção da população que usa a internet ainda é muito baixa – apenas 16% –, o crescimento rápido deverá continuar por algum tempo.
O fato de um país tão grande, tão rico e com tamanha capacidade tecnológica ter abraçado a internet não é surpreendente, só que o fez de modo muito diferente dos outros países. Isso ocorreu, em grande parte, devido à abordagem historicamente repressiva do governo em relação à informação e diversão. Os noticiários são censurados, a televisão é controlada pelo Estado e as livrarias e cinemas – que foram fechados durante a Revolução Cultural – ainda são poucos.
A própria internet é controlada com rigor. O acesso é restrito a muitos sites estrangeiros (como a Wikipédia, por exemplo) e o site do Google chinês filtra os resultados para excluir material politicamente delicado. Foram aprovadas no fim de janeiro novas normas regulando os vídeos online. A venda por internet ainda dá os primeiros passos, graças a um complicado sistema de pagamento controlado pelo governo, o que significa que a maioria das compras é feita pessoalmente. A tentativa feita pela eBay – maior leilão eletrônico do mundo – de entrar no mercado chinês foi um fracasso. O Alibaba, um site muitas vezes apresentado como a eBay da China, é, na verdade, mais uma lista eletrônica de páginas amarelas – que ajuda compradores a encontrarem vendedores – do que um leilão online.
O jeito chinês
Paradoxalmente, entretanto, são todas essas limitações que tornam a internet tão popular na China. No Ocidente, as transações pela internet transformaram alguns tipos de negócios existentes e criaram outros; na China, diferentemente, a internet preenche lacunas e fornece o que seria impossível obter em qualquer outro lugar, especialmente para os jovens. Mais de 70% dos usuários de internet chineses têm menos de 30 anos – precisamente o oposto do que ocorre nos Estados Unidos – e existe uma demanda restrita por entretenimento, diversão e interação social, diz Richard Ji, analista do banco Morgan Stanley.
As empresas eletrônicas que conseguirem atender essa demanda e se estabelecerem no mercado terão recompensas gratificantes: as margens de operação para as principais firmas de internet são de 28% na China, comparadas às de 15% nos Estados Unidos. E os preços das ações das empresas de internet dispararam – sua capitalização coletiva do mercado praticamente duplicou a cada ano, desde 2003, chegando hoje a 50 bilhões de dólares.
Então, que tipo de uso é feito da internet na China? O mais óbvio é a distribuição gratuita de filmes pirateados, shows de televisão e música. Embora os censores chineses façam um excelente trabalho ao restringir o acesso a conteúdos que possam criar problemas políticos, curiosamente são incapazes de estancar o fluxo de mídia estrangeira pirata. No dia 30 de dezembro, um tribunal de recursos de Beijing absolveu o Baidu, principal ferramenta de busca da China e que era acusada pelas maiores gravadoras mundiais de violação de direitos autorais, ao permitir links para arquivos de músicas pirateadas. Apesar disso, a pirataria começa a preocupar o governo, principalmente porque o fácil acesso a conteúdos estrangeiros gratuitos freia o desenvolvimento da indústria da mídia chinesa. Por enquanto, porém, a coisa segue sem restrições.
Milhões de clientes
Quando se trata de ganhar dinheiro online, o maior mercado implica a transmissão de conteúdo da internet móvel para telefones celulares. Com mais de um bilhão de usuários de celulares, a China tem mais assinantes que o conjunto de usuários dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha e da Grã-Bretanha e mais da metade deles usa esses telefones celulares para comprar tipos de toque, piadas e fotos de portais da internet como o KongZhong ou o Tom Online. Cada download custa apenas alguns centavos – a maioria dos quais vai para o portal –, mas as operadoras de celulares ganham dinheiro quando os assinantes passam a enviar piadas e fotografias uns para os outros. Parece desprezível, mas uns centavos aqui e ali multiplicados por centenas de milhões de usuários rapidamente passam a significar bastante. O toque com uma canção de sucesso, Mice Love Rice (Os ratos adoram arroz), por exemplo, produziu vendas de mais de 10 milhões de dólares em 2005.
Outro campo interessante são os jogos eletrônicos para vários jogadores, que se tornaram tão populares que o governo já começou a se preocupar sobre o impacto que podem ter sobre a produtividade dos adultos e a educação das crianças. As restrições de importação e o medo da pirataria significam que os grandes fabricantes estrangeiros de consoles – Sony, Nitendo e Microsoft – não conseguiram grandes progressos na China. Ao invés deles, surgiu um novo modelo, baseado nos jogos de computador online. De uma maneira geral, o jogo é gratuito e, portanto, a pirataria não é problema, mas os jogadores pagam uma assinatura para jogarem e também podem comprar dispositivos adicionais ou acessórios para suas personagens. Grandes provedores, como NetEase e Shanda têm milhões de clientes para jogos como ‘Fantasy Westward Journey’, um desenho animado para crianças, e ‘World of Legend’, para adolescentes e adultos.
Comunidade é um mundo em si
Embora existam restrições rigorosas ao acesso a noticiários, sites da internet como Sina e Sohu abastecem os usuários com bastante fofoca, eventos, um pouco de propaganda e histórias e fotos picantes e estão constantemente testando os limites do que é permissível. Vídeos com os jogos da liga de basquete norte-americana ou do campeonato de futebol inglês também são populares e podem ser empacotados com uma torrente de anúncios, outro negócio recente na China.
A área mais dinâmica – e a mais difícil para os estrangeiros compreenderem – consiste nas comunidades online, muitas das quais são programadas por uma empresa chamada Tencent. Seu site oferece um serviço de mensagens instantâneas e um site social, do tipo MySpace, entre outras coisas. Os serviços básicos são gratuitos, mas os usuários pagam por dispositivos adicionais (tais como novas telas de fundo para suas páginas ou espaço adicional para armazenamento). Muitas vezes, segundo Richard Ji, os membros dessas comunidades são pessoas que, devido à política demográfica de ‘uma criança por família’, não têm parentes e procuram amizades virtuais. Para essas pessoas, assim como para muitos usuários na China, a internet não é propriamente uma rede mundial; apenas abrange a China. Mas a comunidade chinesa na internet é, evidentemente, um mundo em si mesma.
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