Eva Byte. Ela é constituída de elétrons, que na forma de pulsos binários formam bits, que agrupados são chamados de bytes, que conjugados traduzem informação. Elétron, aquela parte do átomo que viaja entre as conexões nervosas de um cérebro animal, que materializa informações, possibilita movimentos mecânicos, alimenta instintos, consciência. O elétron é algo concreto, assim como o átomo é parte da matéria. Então quem ou o quê é Eva Byte? Talvez não seja a primeira mulher virtual, mas se o fosse não teria melhor nome.
Ela aparece para nós em imagem e voz digital, artificial, construída a partir de estereótipos, de convenções, de ideais do que seria uma jornalista em frente às câmeras de televisão. E tal como se fosse humana ela mostra reportagens diversas, em geral de entretenimento. Mas, e se Eva Byte for posta no ar noticiando mais um atentado terrorista aos Estados Unidos? O telespectador dará a ela crédito, tal como daria a uma jornalista de carne e osso?
Tendo-se a notícia em questão como algo não ficcional, isto é, digna de crédito, então Eva Byte, mesmo sem carne e ossos, pode personificar-se como apresentadora de telejornal. É bom lembrar que não é um ser humano, jornalista, quem nos visita via televisão, a sim a sua imagem eletrônica. A pessoa, o jornalista, está no estúdio, mas sua imagem se multiplicou em cada aparelho de televisão nele sintonizada. Eva é um boneco eletrônico, fruto de uma tecnologia que possibilitará, em breve, fazê-la desenvolver uma fisionomia difícil de distinguir de uma pessoa humana.
Acrescente-se a isso o fato (que não é de conhecimento restrito) de que boa parte de apresentadores(ras) de telejornal nem serem os autores do que falam em frente às câmeras, quer dizer, reproduzem o que disse um editor, um redator, o dono da empresa. Nisso, Eva Byte se aproxima do humano naquilo que vemos na televisão: o maniqueísmo. Ela fala exatamente o que lhe mandam. Pode mudar de opinião de acordo com os índices de audiência. Ser mais sutil ou mais sarcástica quando necessário, ao devido comando.
Sem enxaqueca
Eva Byte representa, ao que me parece, a ausência de caráter. Reflete o padrão estabelecido para o que se considera um apresentador de notícias. Mas ela não tem personalidade definida, ainda. Talvez tivesse, caso lhe fossem acrescidos programas de inteligência artificial, coisa que tanto tem se desenvolvido nos últimos anos. Mas disso ela não precisa, agora.
Se Eva Byte, mesmo sem individualidade, consegue personificar um alguém, um jornalista, cabe então a pergunta: o que aconteceu aos profissionais que ela representa? A identidade, que se foi há tempos. A priori, do jornalista que apresenta as notícias só se conhece o rosto. E quem sabe que fisionomia tem o jornalista da France Presse, da Reuters, da Folha de S. Paulo ou do Correio Brasiliense? Poucos sabem sequer o nome deles, mas certamente quem lê o jornal ou a versão online dá algum valor à informação. Se não basta a boa fé, resta considerar que o imaginário coletivo deve ter um estereótipo de jornalista entronizado em suas imagens mentais, onde se encaixam humanos e bonecos virtuais.
Esta reflexão nasceu de uma conversa com um pesquisador em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, Carlos Augusto Fernandes. Ele questionava o que esse universo da informática representa na sociedade, essa padronização do ser humano por um modelo construído a sua imagem. Levando para o mundo das comunicações, resolvi perguntar-me: que tipo de trabalhadora é Eva Byte para o empresário? Ela não sai de licença-maternidade nem sofre de tensão pré-menstrual, não tem enxaqueca, não bebe, não fuma, não precisa cursar faculdade ou prestar concursos, nem passar pelo teste do sofá. Mas, se devidamente programada, talvez ela possa realizar tudo isso. Ou já nos esquecemos dos bichinhos virtuais japoneses, os ‘tamagushi’? Eles representaram um inferno para donos de pet shops, pois a criançada preferiu cuidar de um bicho virtual a ter que limpar o cocô de um ‘poodle’ peludinho.
Sangue em circuitos
Voltando ao paradigma original, lembro-me de uma conversa que tive com um amigo jornalista, Marcelo Sirkis. Ele costumava caçoar jocosamente de colegas fotógrafos e motoristas. Dizia que a tecnologia um dia os faria obsoletos. Citou a fotografia digital que proporciona fácil manuseio a qualquer pessoa; e a internet, que diminui distâncias. Imaginei um repórter provido de uma geringonça que agrega gravador de áudio e de vídeo a um notebook, pilotando uma motocicleta, redigindo a matéria em plena praça e enviando-a à redação, de um telefone celular. É o fotomotopórter.
Agora vejo Eva Byte, uma substituta para apresentadores de telejornais. Não digo que se tornarão todos obsoletos, mas o sinal é de que apenas os menos padronizados resistirão a Eva. Para aqueles que seguirem à risca o manual de redação, assim como os clichês habituais da profissão, melhor ficarem atentos. O âncora do telejornal é um exemplo de resistência. Ele é cheio de opinião, sacadas irônicas, bofetadas com luvas de pelica, individualidades difíceis de pôr no molde. São coisas que até o dono da emissora desaprova, mas que mantém a audiência em alta.
Eva Byte, ao que posso concluir, é feita à imagem e semelhança das apresentadoras de televisão. E isso não é conversa para provocar cristão. Nada disso. Não quero descobrir alma em placas de modem, nem pôr sangue em circuitos eletrônicos. Quem ou o que é Eva Byte? Perguntei. O que se contempla é uma realidade possível, capaz de subjugar a individualidade ao extremo da padronização. Padronização esta preconizada pela prática profissional de hoje em dia, transformada em Eva Byte.