Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Wikinews e a nova revolução informativa

Depois das revolucionárias experiências de jornalismo participativo dos sites OhmyNews [remissão abaixo] e Indymedia (http://www.indymedia.org/), surge agora uma iniciativa ainda mais polêmica cujo objetivo é criar o primeiro jornal online planetário, editado pelos próprios leitores, multilíngüe e ainda por cima sem donos.

O projeto Wikinews (http://meta.wikimedia.org/wiki/Wikinews) foi lançado na última semana de outubro pelo mesmo grupo de criou o sistema wiki, um software de autoria compartilhada cujo maior cartão de visitas é a enciclopédia Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Main_Page), produzida em 80 línguas, entre elas o português (http://pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal) . O sistema wiki permite que qualquer pessoa corrija, acrescente ou publique textos no site.

A proposta mostra que a mudança de rotinas e valores em matéria de informação online ainda está longe de acabar. Tudo indica que se trata de um passo adiante na revolução iniciada pelos blogs jornalísticos, por meio dos quais internautas sem experiência jornalística passaram a ter um espaço privilegiado para publicar reportagens, denúncias, serviços e opiniões.

Um quê de ingenuidade

O Wikinews não terá chefes e qualquer pessoa poderá publicar textos, num sistema que os mais tradicionalistas chamariam de anarquia no jornalismo. Mas, ao contrário do que parece, a proposta não é estapafúrdia, como provam os resultados alcançados pela Wikipedia, que utiliza a mesma plataforma de edição compartilhada a ser adaptada para o jornalismo online.

A primeira enciclopédia participativa do mundo surgiu em 2001 quando os americanos Jimmy Wales (38 anos) e Larry Sanger (36 anos), ambos formados em Filosofia, procuravam popularizar o software wiki, de autoria compartilhada, distribuído gratuitamente. Recebida com enorme ceticismo, a Wikipedia é hoje um caso de sucesso na web comparável ao sistema operacional Linux (ambos são programas de código aberto) e o mecanismo de buscas Google.

A enciclopédia tinha pouco mais de 382 mil verbetes disponíveis no final de outubro, quase seis vezes o conteúdo da tradicional Enciclopédia Britânica, com a diferença de que todo o material foi produzido gratuitamente por seus leitores, colaboradores e tradutores online.

Em três anos, a Wikipedia conseguiu neutralizar a maior parte das críticas recebidas por conta de dúvidas sobre a autenticidade do material publicado. O processo de certificação com base na aprovação dos conteúdos pelos próprios leitores acabou sendo reconhecido por jornais como o americano Christian Science Monitor (http://www.csmonitor.com/) , o site de notícias econômicas Bloomberg News (http://www.bloomberg.com/) e o diário canadense Globe and Mail (http://www.globeandmail.com/), que adotaram a enciclopédia online como referência para pesquisas e material histórico.

A dupla Jimmy e Larry lançou a idéia do Wikinews por meio de uma plebiscito online em que se pergunta se os adeptos do sistema wiki desejam ou não ampliar a experiência de autoria compartilhada para a área do jornalismo. A votação termina no dia 12 de novembro depois de um debate virtual traduzido para dez idiomas (entre eles o coreano, vietnamita, japonês e chinês). Você pode ver parte do debate na página WikiNews/Vote (http://meta.wikimedia.org/wiki/Wikinews/Vote).

A aprovação da idéia é dada como certa, principalmente porque a consulta parece integrar uma cuidadosa operação de marketing. Mas a grande incógnita será a posição dos votantes sobre os cinco princípios que os inventores do sistema pretendem aplicar no Wikinews: neutralidade político-ideológica, gratuidade no acesso e uso do material publicado, transparência no processo editorial, descentralização administrativa total e respeito à diversidade cultural dos autores.

Os críticos do Wikinews alegam que lograr a neutralidade é muito mais difícil num jornal do que numa enciclopédia. O colunista Dan Gillmor, autor de um best-seller sobre o jornalismo participativo [veja remissão abaixo] disponível em (http://weblog.siliconvalley.com/column/
dangillmor/archives/010954.shtml
) mostrou-se cético, qualificou algumas partes do projeto como ingênuas e prometeu aguardar um pouco mais antes de dar uma opinião definitiva.

Lei de Jarvis

O caso dos sites noticiosos OhmyNews e do Indymedia não serve como referência porque nenhum deles se pretende neutro em matéria política. Por isso há muita gente na web que não acredita na possibilidade do Wikinews conseguir escapar da polarização de interesses, especialmente os político/eleitorais, quando as reportagens forem feitas por amadores. Como identificar rapidamente possíveis interesses ocultos em cada material recebido?

Outra fonte de dúvidas é a questão da credibilidade e veracidade das informações a serem publicadas. Nos debates sobre a viabilidade do projeto surgiram muitas referências à hipótese de um provocador colocar informações inverídicas ou difamantes. Esta possibilidade é real e já foi estudada pelos responsáveis pelo OhmyNews, que calcularam em seis minutos o tempo que leva para os demais leitores identificarem uma notícia falsa e a corrigirem.

Os idealizadores do Wikinews afirmam que nenhum dos grandes jornais mundiais conquistou a credibilidade de forma instantânea. Foi geralmente um ‘processo muito longo até que um veículo como o The New York Times alcançasse a condição de jornal de referência’, diz o canadense Peter Tupper, um especialista em jornalismo online, defensor da tese de que o futuro do jornalismo mundial está no sistema wiki. O artigo de Peter (http://www.thetyee.ca/MediaCheck/current/
JourFutureWikipedia.htm
) foi citado por quase duas dezenas dos blogs jornalísticos mais lidos dos Estados Unidos.

O sistema de produção de notícias via software wiki foi informalmente testado em setembro passado, durante o episódio do seqüestro em massa de alunos de uma escola na cidade de Beslan, na Rússia. No dia seguinte, o material publicado na Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Beslan_school_massacre) já era 46 vezes maior do que a primeira notícia publicada no site; e a informação, fornecida por internautas russos residentes na cidade, era tão precisa e detalhada que passou a servir de referência para a grande imprensa americana.

Mas a cobertura do massacre de estudantes em Beslan pela Wikipedia seguiu as normas típicas de uma enciclopédia, ou seja priorizou o material de apoio e produzido por outros. Já no caso do Wikinews a proposta é trabalhar apenas com material original, colhido pelos ‘repórteres-cidadãos’ e o mais atualizado possível. Nestas condições, o processo de validação do material pelos demais leitores dificilmente ocorrerá no mesmo ritmo do desenrolar dos acontecimentos, especialmente no caso dos eventos mais espetaculares.

Outra grande incógnita é a capacidade do Wikinews competir com agências de notícias – como Associated Press, Reuters e France Presse – em matéria de velocidade. Nelas há um controle centralizado que garante o fluxo de informações, enquanto no modelo de jornalismo participativo tudo vai depender do empenho e interesse de pessoas sem nenhum vínculo ou obrigação contratual com o site.

Em condições normais pode-se que as incógnitas são grandes demais para antecipar um desfecho positivo. Mas na internet as surpresas são uma constante. A chave do sucesso do Wikinews não está nos seus criadores, adeptos e nem mesmo no software, mas na massa de usuários anônimos. É impossível saber de antemão como eles se comportarão, apesar do que garante a chamada ‘lei de Jarvis’ [do blogueiro Jeff Jarvis (http://www.buzzmachine.com): ‘Se permitirmos que as pessoas controlem meios de comunicação , elas darão um jeito de usá-los’. E seu corolário: ‘Se não dermos o controle, as pessoas o tomarão’.

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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica; e-mail (ccastilho@gmail.com)