Há pouco mais de um ano escrevi um artigo sobre a censura na República Popular Chinesa (‘Censura prévia e internet‘, Observatório da Imprensa 24/8/2004), onde se pode ler o seguinte:
‘Mas a grande censura chinesa acontece nos sites de busca. O Yahoo! aceitou primeiro a autocensura, o Google, em princípio, rejeitou, mas em 2002 foi fechado por uma semana. Agora, visando o mercado que a China representa, aderiu, através do Baidu, o site mais usado no país. Existem os verbetes proibidos, como Tibet Livre, Taiwan Independente, direitos humanos ou 4 de junho (dia do massacre da Praça da Paz Celestial). Procurados no idioma mandarim, recebem como resposta ‘o documento não existe’. Explicam as autoridades ‘que é assim mesmo , algumas palavras não levam a lugar algum, é como se não existissem.’ Na China adotou-se uma polícia de informática que objetiva ‘pescar’ os navegadores com intenção de ‘fomentar a discórdia’. Assim, em 1° de maio, foram presos 61 internautas, o que faz da República Popular a maior prisão para ciberdissidentes do mundo’.
A censura continua igual. No último dia 1º de maio, na solene festa do trabalho, a agência jornalística oficial chinesa Xinhuanet anuncia o processo contra o jornalista Shi Tao, de 37 anos, redator-chefe do jornal Notícias Econômicas Contemporâneas, da cidade de Changsha, que acabou condenado a 10 anos de prisão.
O Tribunal do Povo aceitou as acusações formuladas contra ele por uma divisão especial da polícia, a Agência para a Proteção dos Segredos de Estado. Shi Tao é culpado de divulgar via e-mail notícias reservadas, que tomou conhecimento durante uma reunião da redação de seu jornal. E qual foi esse grande ‘segredo de Estado’ que chegou à redação de um jornal provinciano? Nada mais nada menos que a circular enviada todos os anos pelas autoridades de Pequim, proibindo que a mídia divulgasse qualquer notícia sobre o massacre da Praça Tienanmen, quando se aproximava mais um aniversário do ocorrido em 4 de julho de 1989.
Shi Tao foi classificado de dissidente pelo simples fato de ter enviado por e-mail uma cópia do texto a um amigo chinês residente nos Estados Unidos, que o publicou na internet.
Tudo seria normal num país onde outros mais de 40 jornalista se encontram nos cárceres, se não fosse um detalhe: Shi Tao usou o correio de Yahoo!, o portal que tem sua sede no Silicon Valley, na Califórnia. O portal passou o e-mail à polícia e justificou-se alegando que somente tinham aplicado as leis em vigor na China.
‘Direitos humanos’
A atitude pusilânime do Yahoo! passou tranqüilamente. Em outros tempos teria desencadeado manifestações hostis. É difícil encontrar precedentes similares na época da União Soviética, do Chile de Pinochet, na racista África do Sul ou na Espanha franquista: uma multinacional ‘entregar’ um presumido dissidente à polícia de um regime autoritário, admitir o fato sem arrependimento e a delação deixar indiferente a opinião pública de países democráticos.
Em 2002, o Yahoo! Espontaneamente havia assinado um compromisso, prometendo ‘autodisciplina’ para empregar as regras da censura vigentes na China. Esse zelo ajudou, e muito, nos seus negócios. Em agosto passado, por 1 bilhão de dólares, Yahoo! comprou 35% da Alibaba.com, o maior portal de comércio eletrônico da China.
Mas a empresa americana não está sozinha nisso. Em junho, a Micorsoft lançou um portal na China que consente aos utentes criar um blog, mas para tanto teve que banir as palavras ‘democracia’, ‘manifestações’ e outras mais, consideradas perigosas ao regime.
Tudo isso vem somente reforçar o controle de Pequim sobre a internet, que já é muito rigoroso. Dezenas de milhares de técnicos trabalham para o governo, agindo com filtros cada vez mais sofisticados que impedem o acesso aos sites proibidos, como os da BBC.
Na semana passada, em Nova York houve um encontro entre George W. Bush e Hu Jintao, presidente da República Popular da China e secretário-geral do Partido Comunista chinês. O presidente americano tratou muito superficialmente o assunto dos direitos humanos; sua maior preocupação era outra: como convencer os chineses a moderar as exportações, no sentido de reduzir o imenso déficit comercial dos Estados Unidos.
‘A América, com relação à China’, escreve o The New York Times, ‘tem uma política ambígua com relação aos direitos humanos. A chamamos de comércio’. [Texto de apoio: ‘Yahoo! é espiã da China’, de Federico Rampini, em la Repubblica, 19/9/2005]
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Jornalista