Os três últimos dias de novembro colocaram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no “olho do furacão”. O período é subsequente à apresentação feita por Haddad sobre as medidas de cortes de gastos do governo federal, em pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, na noite do dia 27 de novembro. O ministro sempre ocupou – e seguirá ocupando – espaço relevante na grande imprensa, por óbvio, em decorrência da importância do cargo, mas, depois do anúncio, ele foi içado ao centro da pauta econômica da mídia, e de forma extremamente desfavorável.
A apresentação do pacote representou um grande desgaste para a imagem de Haddad e, consequentemente, para o governo do presidente Lula na área econômica, na visão da grande imprensa. Não que a situação estivesse tranquila, mas, como sempre é possível piorar, a reação da imprensa foi desastrosa para o Palácio do Planalto. A demora em anunciar o pacote submeteu o ministro Fernando Haddad a um desgaste desnecessário, e o episódio ficou caracterizado como mais um exemplo de que o governo parece não se importar com a opinião pública.
O tom do noticiário, presente em editorais, artigos e reportagens publicadas nos jornais, no “day after”, deram vazão à reação do mercado financeiro ao pacote de corte de gastos. A imprensa relatou que a medida foi apresentada após uma série de reuniões ministeriais e consecutivos adiamentos nas semanas que sucederam o pronunciamento. Haddad vinha repetindo havia mais de duas semanas que as medidas estavam prontas e a demora desgastou a imagem do ministro ao evidenciar as “dificuldades políticas para estruturar o plano”, apontou reportagem da Folha de S. Paulo, do dia 28. Além disso, os adiamentos alimentaram as expectativas do mercado e elevaram a pressão por um pacote robusto e com números críveis, o que acabou não acontecendo.
Os veículos ainda mostraram que ideia de anunciar também a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês, medida que vai na direção contrária aos cortes, representou uma derrotada para Haddad, que queria mexer na tabela do IR apenas em 2025. A imprensa apurou que prevaleceu a avaliação política da necessidade de mostrar que todos dariam uma cota de sacrifício no ajuste. A divulgação da notícia começou a circular no meio da tarde e pegou o mercado financeiro ainda aberto. A reação foi imediata e provocou disparada do dólar, que fechou em R$ 5,91, maior valor nominal da história. Vista como populista pelo mercado financeiro, a correção da tabela é promessa de campanha de Lula.
A máxima que diz “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia”, título do terceiro álbum do grupo de rap Racionais MC’s, não cabe neste caso. Um dia após o anúncio da medida, ministros da área econômica apresentaram o detalhamento do pacote de cortes de gastos, que foi recebido novamente com ceticismo por economistas e analistas de mercado, para os quais as medidas não devem ser suficientes para resolver o problema das contas do país, diante do risco elevado da dívida pública. O dólar voltou a disparar e fechou em R$ 5,89, renovando a máxima histórica, após bater R$ 6 pela primeira vez durante o pregão. O assunto foi manchete dos principais jornais do país, no dia 29.
O Estado de S. Paulo: Dólar bate em R$ 6 e pressiona governo por cortes efetivos
Folha de S. Paulo: Dólar bate históricos R$ 6 com desconfiança de pacote de Lula
O Globo: Ajuste fiscal tímido frustra, e dólar chega a bater R$ 6
Para piorar a situação, no dia 30, o assunto de maior repercussão na área econômica foi o posicionamento do Congresso sobre os pacotes. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicaram que a proposta do governo para isentar de IR os salários até R$ 5 mil mensais não terá uma análise rápida no Congresso e que a sua aprovação vai depender de “condições fiscais”. Nas cordas, como um adversário de Mike Tyson no auge, Haddad afirmou que as medidas podem ser corrigidas, durante almoço promovido pela federação de bancos. O ministro admitiu ainda que o pacote não é um “grand finale” e repetiu que o problema fiscal do país não será resolvido com uma “bala de prata”.
Recente pesquisa da Genial/Quaest mostrou que a avaliação negativa do mercado financeiro sobre o terceiro mandato de Lula voltou ao pico de 90%, em dezembro. O presidente brincou com a situação e disse que ganhou o apoio de 10%, já que durante a eleição presidencial, em 2022, 100% do mercado financeiro era contra ele. A frustração do mercado reverberada pela imprensa nesses três dias não representa, necessariamente, um ponto fora da curva.
Desde o início, o governo Lula vem sofrendo grande pressão da chamada Faria Lima, mesmo diante de indicadores positivos, como alta do PIB nos três primeiros trimestres do ano e taxas recorde de baixa no desemprego no trimestre terminado em outubro. Resta saber se o governo conseguirá reverter essa situação desfavorável e melhorar sua imagem diante do mercado e, consequentemente, da mídia hegemônica.
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João Pedro Fragoso Schleder é Pós-graduado em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e jornalista com 15 anos de experiência.