Produzida pelo Observatório da Imprensa, com apoio do Instituto Clima e Sociedade, a série Ecossistemas de Informação da Amazônia busca mostrar como veículos jornalísticos sediados em cidades estratégicas da Amazônia Legal cobrem assuntos relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas. O foco foram dezesseis municípios: Rorainópolis e Boa Vista, em Roraima; Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira, no Pará; Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, no Acre; e Manaus, Parintins, Itacoatiara, Manacapuru e Coari, no Amazonas, tema deste quarto artigo. A análise teve como base reportagens veiculadas ao longo de 2020.
A pesquisa do Observatório identificou 89 veículos no estado: 77 em Manaus, seis em Parintins, três em Itacoatiara, dois em Manacapuru e um em Coari. A capital sedia as retransmissoras das principais redes de TV do país (Rede Amazônica/Globo, TV Norte Amazonas/SBT, Band Amazonas e RecordTV Manaus) e os jornais impressos (Jornal do Commercio, Em Tempo, Diário do Amazonas, Maskate News). A maior parte dos títulos, porém, concentra-se mesmo na internet: são 54 canais, entre blogs e portais de notícias.
Entre eles está o portal Amazônia Real, único veículo que se dedica à pauta político-ambiental no estado. Temas como “meio ambiente”, “floresta amazônica”, “mudanças climáticas” e “biodiversidade” aparecem transversalmente em quase todas as publicações. Só no segundo semestre de 2020, por exemplo, a série “O desmatamento da Amazônia brasileira” explorou as diferentes faces da desflorestação em dezoito matérias, tratando do impacto da produção de gado e de soja, o aumento da população e seu efeito na região, a fiscalização e a punição aos crimes ambientais, entre outras. Os textos foram escritos por Philip Martin Fearnside, vencedor do Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas.
Lúcio Flavio Pinto, veterano jornalista do Pará com reconhecida trajetória de defesa do meio ambiente, assina textos com duras críticas em relação à grilagem e outros esquemas que envolvem as terras da Amazônia, muitas vezes incluindo a política ambiental do atual governo (“A grilagem que dá certo”, 17/6; “Bolsonaro ameaça floresta”, 19/8; “Os bandidos da floresta”, 22/12). Outro tema frequente no site, o garimpo ilegal é abordado com ênfase em seus impactos ambientais em reportagens que dão voz às vítimas da atividade (“Saúde Yanomami denuncia à PF conflito entre indígenas e garimpeiros em Roraima”, 23/6; “PF realiza operação contra garimpo ilegal em terra dos Yanomami”, 26/11; “Estudo revela contaminação por mercúrio de 100% dos Munduruku do Rio Tapajós”, 26/11).
Além de ter uma editoria exclusiva para “questão agrária”, o Amazônia Real publica mensalmente notícias sobre os conflitos agrários em comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas. Mostra, ainda, os desafios enfrentados e a luta pela sobrevivência de populações que estão à margem do acesso à terra (“Reintegração expulsa à força 14 famílias em Boca do Acre, no sul do Amazonas”, 24/2; “A natureza está secando: quilombo no Marajó vive impactos do arrozal e clima de violência”, 6/4; “Subestação de energia entra em funcionamento e ameaça quilombolas em plena pandemia no Pará”, 24/12). O impacto do novo coronavírus nos quilombos e entre os indígenas também foi constantemente atualizado (“Pandemia já deixa rastro de destruição nos quilombos da Amazônia”, 6/5; “Como a pandemia avançou sobre os indígenas da Amazônia”, 28/9).
Popularidade nas redes sociais
Um dos veículos do estado com maior presença nas redes sociais é o Portal do Amazonas, com 1.032 milhão de curtidas no Facebook. Embora diversas postagens sejam assinadas pelos profissionais da redação, boa parte dos textos — como as notícias sobre a Assembleia Legislativa do Amazonas e a Câmara Municipal de Manaus — é produzida por assessorias de comunicação e veiculada em dezenas de outros sites do estado. Temas como apreensão de madeira (“Batalhão Ambiental bate recorde de apreensão de madeira ilegal no Amazonas”, 21/10) e agricultura familiar (“Wilson Lima entrega implementos agrícolas para impulsionar setor primário de Novo Airão”, 20/12), portanto, são abordados sob o viés oficial. Desmatamento, meio ambiente, incêndios, biodiversidade e outras palavras-chave de interesse do projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia não aparecem de maneira relevante.
Vinculado ao impresso Diário do Amazonas e com 397 mil curtidas no Facebook, o portal D24am publica, sobretudo, notas com informações reproduzidas de outros jornais, assessorias de órgãos públicos e Agência Brasil (“Críticas de Arthur sobre política ambiental repercutem internacionalmente”, 17/8; original no site da prefeitura de Manaus). Sobre desmatamento, diversos textos destacam a presença e o posicionamento do vice-presidente da República, Hamilton Mourão (“Combate ao desmatamento começou tarde, diz Mourão”, 11/7; “Governo federal prorrogará presença das Forças Armadas na Amazônia Legal”, 26/10; “Mourão vem ao AM para mudar imagem do país”, 4/11).
A atenção dada pelo veículo a populações ribeirinhas, comunidades quilombolas e povos indígenas concentra-se em notícias relacionadas à pandemia da covid-19 e à vacinação (“Frente cobra ações para proteger povos indígenas durante a pandemia”, 5/4; “Justiça determina providências para proteção de indígenas e povos tradicionais do AM”, 1/6). Em relação a incêndios, o jornal enfatiza as políticas de combate ao fogo, sem informar causas e consequências ambientais provocadas pelas queimadas (“Prefeitura e Exército percorrem áreas urbana e rural em prevenção às queimadas em Manaus”, 21/8; “Governo envia Força Nacional para auxiliar no combate aos incêndios”, 6/10).
Com mais de 172 mil curtidas no Facebook, o Portal Amazônia vale-se, principalmente, do reaproveitamento de textos produzidos por assessorias de comunicação e outros veículos, como o G1, para tratar, por exemplo, de apreensão de madeira (“Apreensões de madeira ilegal no AM têm aumento de 91% nos primeiros nove meses do ano”, 20/10; “No Pará, Polícia Federal faz maior apreensão de madeira da história do país”, 22/12), desmatamento (“Rondônia tem aumento de 88% nos alertas de desmatamento em outubro, revela Imazon”, 21/11) e incêndios (“Queimadas em terras indígenas de RO têm alta de 24% de janeiro a setembro na comparação com 2019, revela Inpe”, 4/10).
Apesar de não publicar textos sobre a relação dos ribeirinhos com o meio ambiente, o portal fez extensa cobertura do avanço da covid-19 nas comunidades beira-rio (“Durante pandemia, alunos da área ribeirinha de Manaus recebem material didático impresso em casa”, 9/6; “Livro sobre combate ao coronavírus em comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas é lançado no Amazonas”, 31/12). Povos indígenas aparecem em matérias com diferentes temas, como a pandemia (“Aplicativo vai atualizar casos de covid-19 entre indígenas na Amazônia”, 7/9), presença política (“Representatividade de indígenas cresceu nas eleições de 2020”, 19/11), saúde (“Pesquisa indica exposição crônica de indígenas Munduruku ao mercúrio na região da bacia do Tapajós”, 12/11) e agricultura (“Indígenas recebem capacitação da FAS sobre agricultura e medicina tradicional”, 2/12).
Parintins
Principal presença online dentre os veículos identificados na cidade, o portal Parintins 24H, com quase 38.000 curtidas no Facebook, dá prioridade a notícias sobre política e polícia — é sob a ótica de operações policiais que aparecem palavras-chave como desmatamento, incêndios e apreensão de madeira (“Polícias desarticulam esquema criminoso de extração e comércio ilegal de madeira no Amazonas”, 2/6; “Operação Curuquetê 2 reforça ações de combate ao desmatamento e queimadas ilegais em Apuí”, 19/8; “MPAM cria força-tarefa para combater desmatamento ilegal e queimadas no estado”, 16/10).
Grileiros e garimpeiros receberam apenas uma menção, em “Desmatamento em Goiás traz impactos de norte a sul do país” (27/6). Trata-se de matéria sem identificação de autoria, com imagem creditada a José Paiva, reproduzida em mais de vinte outros veículos das regiões Norte e Centro-Oeste, como O Anápolis, News Cuiabá e Agora-TO. O Portal do Agronegócio atribui o texto à Fundação Grupo Boticário. A prática de postar conteúdo de assessoria de comunicação sem avisar o leitor aparece, ainda, em “JBS anuncia o programa Juntos pela Amazônia” (23/9), copiado de material divulgado pela empresa, sobre um projeto relacionado a sustentabilidade.
A pandemia do novo coronavírus fez com que o Parintins 24H tratasse do avanço da covid-19 entre os quilombolas (“Municípios da Calha Norte recebem apoio para sensibilização e enfrentamento à covid-19”, 22/7) e os povos indígenas (“Médicos cubanos reforçam combate à covid-19 em mais de 17 mil indígenas no Dsei Parintins”, 6/9 e “Testagem em massa revela crescimento de casos de covid-19 entre os Sateré-Mawé e Hixkaryana”, 4/12, entre outros). Também abriu espaço para dar visibilidade a iniciativas em prol das reivindicações da comunidade (“Líder indígena cobra de Caprichoso e Garantido posicionamento pela luta dos povos nativos”, 19/6; “Indígenas e ambientalistas discutem causas em seminário do Boi Garantido”, 5/12).
Sem editoria específica para tratar de meio ambiente ou mudanças climáticas, o portal Parintins Amazônia deu pouca atenção a temas como apreensão de madeira (“Polícia Civil deflagra segunda fase da operação Flora Amazônica na capital e em Manacapuru”, 18/7) e incêndios (“Wilson Lima decreta situação de emergência ambiental no Amazonas e antecipa plano de combate às queimadas”, 23/5). A atuação de grileiros e garimpeiros, porém, mereceu críticas em algumas publicações, mesmo que o tema principal da matéria fosse outro, como a disseminação da covid-19 (“Atingidos pela pandemia, indígenas contam seus mortos e acusam governo de omissão”, 8/8, texto produzido pela Agência Senado; “Tuxaua Amado Menezes da tribo Sateré-Mawé morre de coronavírus”, 15/10).
Da Secretaria de Comunicação da prefeitura de Manaus — mas sem que a fonte seja identificada —, foram reproduzidos diversos textos em que o então prefeito da capital, Arthur Virgílio Neto, critica a política ambiental do governo Bolsonaro. São exemplos dessa prática as matérias “Prefeito de Manaus solicita integração no Conselho Nacional da Amazônia” (7/6; original aqui); “Prefeito Arthur critica política nacional voltada à defesa da Amazônia” (18/7; original aqui) e “No Dia da Amazônia, prefeito reforça alerta sobre preservação e política ambiental” (4/9; original aqui).
Manacapuru, Itacoatiara e Coari
Em Manacapuru, na região metropolitana de Manaus, o veículo com maior presença nas redes sociais — mais de 35 mil curtidas no Facebook — é o Notícias.com, que saiu do ar no antigo endereço e migrou para um novo em 2021. Por isso, não entrou na amostragem realizada pelo Observatório da Imprensa para o projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia, que limitou a análise de conteúdo ao que foi produzido em 2020.
No portal Na Hora (24 mil curtidas no Facebook), foram feitas apenas duas menções a queimadas e desmatamento, ambas reproduzidas de releases providos pela Assessoria de Comunicação do estado: “O foco é o combate ao desmatamento no Amazonas” (19/6), que descreve uma reunião de órgãos ambientais e do Comando e Controle do Amazonas para elaborar um plano de combate ao desmatamento e às queimadas, e “Sustentabilidade Ambiental no pós-pandemia foi tema de reunião entre o Governador Wilson Lima e empresários” (12/8), dizendo que empresas estão “dispostas a contribuir com soluções para um país ambientalmente correto”.
Povos indígenas foram tema de uma única nota, também reproduzida da Ascom: “Comunidades indígenas do Amazonas recebem ajuda humanitária do Governo do Estado” (16/5), sobre a distribuição de cestas básicas, máscaras e álcool gel. Ribeirinhos, quilombolas e povos da floresta não aparecem na cobertura.
Os termos Amazônia, meio ambiente e biodiversidade surgem apenas em referência a empresas e órgãos oficiais, como Conselho da Amazônia, Banco da Amazônia, Eternal, Indústria, Comércio, Serviços e Tratamentos de Resíduos Sólidos da Amazônia, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Delegacia Especializada em Crimes contra o Meio Ambiente e Urbanismo (Dema), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Outra cidade da região metropolitana de Manaus, Itacoatiara tem a terceira maior população do estado: 102 mil pessoas em 2020, de acordo com a estimativa do IBGE. A única rádio identificada pela pesquisa, Difusora 94,5 FM, prioriza a programação musical e os horários de cunho religioso. No Portal Itacoatiara (187 mil curtidas no Facebook), com editorias de Entretenimento, Esportes, Eventos e Geral, a expressão “meio ambiente” aparece principalmente no nome de instituições e órgãos governamentais. Uma das exceções é o texto “PM encontra desmatamento em área de preservação ambiental em Novo Remanso” (18/6), que usa o termo ao citar uma lei de proteção – o conteúdo do link foi, também, o único exemplo encontrado com “desmatamento” e “floresta amazônica” no período analisado. Outras palavras-chave aparecem de maneira escassa, sem relação com a cobertura sobre meio ambiente e mudanças climáticas: Amazônia (“Dom Ionilton: a missionariedade na Prelazia de Itacoatiara”, 11/3), agronegócio (“Novos investimentos para crédito rural animam o setor primário”, 10/3) e ribeirinhos (“A Unidade Básica de Saúde Fluvial de Itacoatiara está em fase de acabamento”, 18/2), por exemplo. No portal Itacoatiara Alerta (83 mil curtidas no Facebook), nenhuma palavra-chave definida pela pesquisa do projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia foi identificada.
Quinto município mais populoso do estado, com cerca de 85 mil habitantes, e acessível somente por via aérea ou fluvial, Coari apresentou apenas um veículo de informação: o blog Coari em Destaque, que fez sua primeira publicação em junho de 2020. Até o fim do ano, nenhum dos 131 textos postados tratou de temas relacionados ao meio ambiente — o Observatório da Imprensa não encontrou citações a nenhum dos 26 termos-chave objetos da pesquisa. Em linhas gerais, o blog faz curadorias de materiais produzidos por outros títulos, com predominância de textos de Estadão, Reuters e IstoÉ.
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Gabriela Erbetta é jornalista e escritora.
(Colaboraram na pesquisa Pedro Varoni, Thallys Braga, Izabela Machado, Bárbara Morelli e Vitória dos Santos).