Os cadernos de jornalismo e Comunicação, uma inovação introduzida em maio de 1965 no Jornal do Brasil por Alberto Dines, significaram uma busca de aprimoramento técnico dos jornalistas. A publicação foi lançada quando ainda estava em curso a reforma do Jornal do Brasil, que teve início no final dos anos 1950 e se estendeu ao longo dos anos 1960, influenciou outros jornais e deixou marcas no jornalismo brasileiro.
Devemos lembrar que o Jornal do Brasil foi criado em 1891 e que em 1930, como solução para problemas financeiros, tornou-se um “boletim de anúncios”, deixando de lado os temas políticos e a cobertura das artes e literatura. O jornal perdeu então o caráter noticioso e voltou-se quase exclusivamente para os classificados. Por manter a primeira página inteiramente ocupada por anúncios, recebeu nessa época o apelido pejorativo de “jornal das cozinheiras”. Mas não se omitiu totalmente diante dos principais acontecimentos políticos e adotou uma linha conciliatória durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945).
Nos anos 1950, a partir do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), o país passou por profundas mudanças no plano econômico e social, entrando numa fase intensiva de industrialização, e assistindo a manifestações artísticas de vanguarda, com o surgimento ou amadurecimento de movimentos literários, artísticos e musicais que se definiam por uma reflexão crítica sobre a produção até então existente. A imprensa em um contexto democrático e de grande criatividade cultural foi marcada por transformações significativas, com a introdução de novas técnicas de apresentação gráfica, inovações na cobertura jornalística e renovação de linguagem.
De acordo com Marieta de Moraes Ferreira no texto “A Reforma do Jornal do Brasil”, publicado no livro A Imprensa em Transição. O Jornalismo Brasileiro nos anos 50 (Editora Fundação Getulio Vargas, 1996), as mudanças no JB podem ser vistas da perspectiva dessas transformações, que marcaram o governo JK. O início dos anos 1950, quando novos administradores assumiram a orientação do jornal – a condessa Pereira Carneiro e seu genro Manoel Nascimento Brito –, abriu caminho para as mudanças que seriam introduzidas.
Em 3 de junho de 1956, foi lançado o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, o SDJB, que, como explica Marieta Ferreira no texto citado, serviu de ponto de partida para a reforma do jornal. Ainda segundo Marieta, o SDJB foi o resultado da confluência de algumas iniciativas: a primeira foi a compra de um novo equipamento gráfico capaz de dar ao jornal condições técnicas de expansão; a segunda foi a viagem da condessa Pereira Carneiro aos Estados Unidos para observar as inovações que a imprensa norte-americana tinha introduzido; a terceira foi a chegada de Reynaldo Jardim, responsável pela criação do Suplemento Dominical. Nesse suplemento, Jardim começou misturando vários assuntos e tinha inicialmente como alvo o público feminino. Abriu espaço para novos autores, cineastas, artistas, poetas e cronistas, e deu ênfase a temas ligados ao teatro, ao cinema e às artes plásticas.
O sucesso do Suplemento Dominical estimulou a direção do jornal a aprofundar a reforma. Foi convidado para coordenar essa nova etapa Odylo Costa Filho, em dezembro de 1956. O jornalista trouxe outros colegas que vinham de experiências inovadoras em jornais como o Diário Carioca, Tribuna da Imprensa e Última Hora.
Essa fase levou à ampliação do noticiário, ao aumento do número de páginas do jornal e à introdução da fotografia na primeira página. A partir de 1959, sob a orientação de Amilcar de Castro, o jornal sofreu modificações gráficas. Surgiram o Caderno C, de classificados, e o Caderno B, dedicado às artes, teatro e cinema. A redação foi reestruturada, e, a partir de 1962, já sob a direção de Alberto Dines, foram criadas as editorias, que se especializaram na cobertura de temas como política, economia, esportes, cidade, internacional. A editoria de fotografia foi também um marco na mudança. A reforma teve grande impacto e serviu de exemplo para as transformações subsequentes da imprensa brasileira. O JB começou a ser lido pela elite política e empresarial.
Segundo Cecilia Costa, autora da biografia Odylo Costa, Filho: O Homem com uma Casa no Coração (Relume Dumará/Prefeitura, 2000), o jornalista saiu do jornal em dezembro de 1958 – e a reforma continuou sob a orientação de Amilcar de Castro, Janio de Freitas, Wilson Figueiredo, Carlos Lemos e outros.
Em entrevista ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), realizada em dezembro de 1997, Dines declarou que essa “foi a mais importante reforma gráfica feita no Brasil”:
O jornal não só tirou os fios que separavam as colunas como passou a usar o branco, a abrir as fotos de qualidade, e a publicar textos mais elaborados – e aí sofreu a influência do Diário Carioca, porque grande parte das pessoas que estavam lá tinham passado pelo Diário Carioca ou pela Tribuna da Imprensa, que também era filha do Diário Carioca. Então, realmente, essa reforma do Jornal do Brasil foi uma das coisas mais importantes da imprensa brasileira.
Projeto em curso
A ideia de criação dos Cadernos de Jornalismo, segundo Dines, ocorreu durante o curso de extensão de três meses que foi fazer na Columbia University, em Nova York, em setembro de 1964. O curso era voltado para editores de jornais latino-americanos. Para Dines foi a primeira experiência em uma universidade. O curso possibilitava que os estudantes, em grupo de três, escolhessem jornais onde fazer uma visita prolongada. Dines se juntou a um jornalista argentino e outro da Colômbia. Os três estiveram no Los Angeles Times e, depois, já sozinho, Dines foi para o New York Herald Tribune e o New York Times. Ao voltar para o Brasil tinha a ideia de aproveitar essa experiência. Uma das coisas que marcaram sua visita foi o que viu no New York Times: um mural enorme feito pela redação que se chamava Winners and Sinners. Vencedores e pecadores. O mural apresentava comentários sobre matérias publicadas pelo jornal, erros, críticas etc.
A direção do Jornal do Brasil, logo que Dines voltou dos Estados Unidos, incentivou-o a preparar algo de inovador. A inovação não poderia ser um mural, mas deveria ir na mesma direção. Dines falou então com Fernando Gabeira, que dirigia o Departamento de Pesquisas do jornal e propôs que ele participasse da criação dos Cadernos de Jornalismo. A empresa JB tinha uma gráfica pequena, e Dines conseguiu com o gerente da gráfica a impressão dos Cadernos, com uma pequena tiragem, para difundi-los internamente entre os jornalistas, os amigos e as agências de publicidade, a fim de discutir a profissão.
No texto de apresentação da primeira edição, Dines afirmava: “Este não é o jornal do jornal. É apenas um tímido ensaio de um jornal para jornalistas. Será isso possível? Será isso por demais pretensioso? Não conseguimos manusear com tanta habilidade a atenção e o interesse de centenas de milhares de leitores, não conseguiremos manobrar com os meandros da curiosidade dos jornalistas? Jornalista não é leitor? Se não é leitor, como conhece os seus segredos?” (nº 1, maio de 1965, p. 1). E, mais adiante: “Como cumprir a função educativa e de difusão cultural se ao próprio jornalista não forem fornecidas oportunidades para o seu aprimoramento? Esta é a motivação número 1 desta publicação ainda que a meta seja grande demais para um grupo de jornalistas isolados alcançar” (p. 7). Ainda indicava que, embora o Jornal do Brasil tivesse facilitado recursos para a edição dos Cadernos, estes eram considerados um órgão à parte da empresa, não eram parte da edição diária, nem estavam sob a intervenção do colegiado de editorialistas.
Assuntos tratados
Na primeira edição, encontram-se textos de autoria de repórteres do JB, como Heráclito Salles, e artigos de jornalistas norte-americanos, do New York Times, da revista Look. Os textos escolhidos estavam voltados para as técnicas de produção jornalística, para a comunicação na sociedade industrial, o papel do intelectual na comunicação de massa, entre outros temas. De acordo com Dines, os Cadernos de Jornalismo deveriam ser uma adaptação do media criticism do jornalismo americano, uma forma de discutir o pensamento jornalístico brasileiro.
Inicialmente, os Cadernos saíam na base de quatro a cinco por ano. A ideia era que a publicação deveria ser bimestral, mas as dificuldades internas não o permitiram. No primeiro trimestre de 1968 foi feito um acordo com uma rede de livrarias, a Entrelivros, para vender os Cadernos de Jornalismo, a fim de atingir um público mais amplo, além dos jornalistas, como educadores, publicitários e sociólogos. Ainda em 1968, os Cadernos passaram a publicar o resumo de um livro que discutisse a comunicação e que poderia ser utilizado pelos estudantes de jornalismo. Ao serem vendidos em livrarias, bancas de jornais ou por assinatura, passaram a ter um espaço dedicado à publicidade, o que produzia lucro. Encontram-se entre os anunciantes a Cia. de Cigarros Souza Cruz, as Indústrias Klabin de Celulose, o Banco Nacional de Minas Gerais, a Fleischmann e Royal produtos alimentícios, entre outros.
A partir da sexta edição houve um acréscimo no título, que passou a ser denominado Cadernos de Jornalismo e Comunicação, e a publicação ampliou os seus objetivos. Estava voltada agora para um público mais amplo, e os temas não se limitavam a discutir a imprensa, podiam abranger problemas contemporâneos de várias perspectivas e discutir as práticas profissionais do jornalismo. Artigos sobre educação e comunicação, escritos por especialistas brasileiros e estrangeiros, passaram a ser uma constante nos Cadernos. No número 10, de maio de 1968, além do artigo de Dines sobre educação e comunicação, encontram-se textos sobre o futuro do ensino, um deles escrito por John I. Goodlad, da Universidade da Califórnia.
Encontram-se, ainda, artigos de sociólogos, como o francês Edgar Morin, que publicou “A Entrevista nas Ciências Sociais no Rádio e na Televisão” (nº 11, junho de 1968); um texto da filósofa alemã Hannah Arendt, “Entre o Passado e o Futuro” (nº 12, julho de 1968); um artigo do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, “A Juventude e a Rebelião das Massas” (nº 12, julho de 1968); e de muitos outros especialistas que escreviam sobre diferentes temas. A tiragem chegou a ser um pouco superior a 3 mil exemplares. Foi a primeira publicação no Brasil que se dedicou a abordar a crítica sobre a mídia.
Dines afirma em entrevista a Francisco Ucha, reproduzida no Observatório da Imprensa nº 684, em 06/03/2012: “(…) para mim os Cadernos de Jornalismo e Comunicação têm importância porque essa publicação foi a primeira etapa de uma série de coisas que fui fazendo nessa área: o Jornal dos Jornais, o Observatório da Imprensa”.
Outras experiências
Em 1969, Roberto Quintaes, ao entrar para o setor de pesquisa do JB, ficou encarregado de editar os Cadernos. Em setembro de 1973, surgiram as Edições JB. Sob a coordenação de Quintaes, elas deveriam incluir todos os subprodutos do jornal. Mas, após a demissão de Dines, em dezembro de 1973, Quintaes também deixou o jornal, o que levou à extinção das Edições JB, da pesquisa e de todos os subprodutos ligados a esses setores.
No conselho editorial e equipe de produção do JB, encontramos os nomes de: Alberto Dines, Fernando Gabeira, Wilson Figueiredo, Nélio Horta (diagramador), Roberto Quintaes, Luís Carlos de Oliveira e Roberto Machado.
Os Cadernos de Jornalismo abriram caminho para outras experiências feitas por Dines, como a coluna Jornal dos Jornais, na Folha de S.Paulo, na qual fazia críticas à mídia no período da ditadura militar, e o Observatório da Imprensa, em que passou a discutir o desempenho dos meios de comunicação de massa. O Observatório tem um programa semanal na TV Educativa do Rio de Janeiro e um site na internet, em que jornalistas, críticos da mídia, professores e estudantes de comunicação debatem o papel e a responsabilidade da mídia.
Até o momento em que Dines deixou o Jornal do Brasil, em dezembro de 1973, foram impressas 49 edições dos Cadernos. Os três últimos números, sem indicação de data, foram publicados em formato maior, e pode-se especular se isso foi uma forma de marcar a entrada de Walter Fontoura na chefia das editorias, no lugar de Dines, que tinha sido demitido no mês anterior. A última edição, a de número 50, preparada pouco antes de sua demissão e onde Dines analisava a imprensa brasileira e mundial, não foi publicada, e seus originais se perderam. Entre os textos havia um artigo intitulado “A Crise do Papel e o Papel dos Jornais”, no qual Dines chamava a atenção para a necessidade de um maior aperfeiçoamento da imprensa diante da televisão. Esse artigo deu origem ao livro O Papel do Jornal, cuja primeira edição é de 1974.
Para concluir podemos afirmar que os Cadernos de Jornalismo e Comunicação devem ser vistos como parte de um processo de modernização da imprensa escrita no Brasil. Verifica-se que, à medida que avançava o desenvolvimento industrial, aumentava o peso da publicidade e a imprensa ficava menos dependente do poder público, assumindo um caráter mais empresarial. Com os Cadernos a atuação da imprensa foi se tornando mais crítica quanto ao seu desempenho, o que atingiu não só o JB como a imprensa brasileira em geral.
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Alzira Alves de Abreu é doutora em sociologia pela Universidade Paris-V e pesquisadora associada do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (da FGV).