Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Uma nova visão da comunicação pública

Se a sociedade dispuser de veículos que expressem múltiplos pontos de vista em várias plataformas, o direito à informação estará assegurado

(…) em outro nível, as próprias audiências irão criar seus fluxos de informação, do zero, com ou sem nossa ajuda. Ashley Highfield, ex-diretor da BB.

O argumento em favor da utilidade da comunicação pública foi apresentado com rara elegância pelo professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Eugênio Bucci, em sua obra O Estado de Narciso. Bucci define uma emissora pública como aquela que é financiada pelo Estado, não obstante tendo, diante desse mesmo Estado, independência financeira, administrativa e editorial (Bucci, 2015, p. 126). Emissoras públicas devem estar “a serviço do direito à informação do cidadão, não dos slogans que os governos se comprazem em difundir” (idem, p. 75).

Na visão apresentada pelo autor, estações públicas de rádio e televisão cumprem um papel essencial para a democracia. Sua independência em relação ao Estado pode ser assegurada uma vez que sejam atendidos dois critérios: (1) a existência de dotações orçamentárias próprias, definidas pelo Parlamento, sobre as quais os governos não tenham ingerência, e (2) um arcabouço institucional apropriado, capaz de assegurar a devida autonomia editorial e jornalística dos veículos.

Seria possível falar, nesse âmbito, observando-se o panorama do setor, no plano internacional, de sistemas de baixa e alta institucionalização. O Brasil, por certo, enquadra-se no primeiro caso. Nossas emissoras públicas tendem a permitir uma ingerência exagerada dos governos em sua gestão e orientação editorial. Exemplos de alta institucionalização são os adotados em diversos países do mundo desenvolvido. Os modelos mais conhecidos são o americano, criado a partir do Public Broadcasting Act, de 1967, e o britânico, que tem como responsável a BBC.

Na literatura sobre comunicação pública, a BBC é amplamente reconhecida como um paradigma de qualidade e independência jornalística. Ela é financiada pela licence fee, uma taxa anual no valor de 145,50 libras, cobrada de todo cidadão com acesso à televisão em sua residência. O recurso não é administrado politicamente, mas repassado de imediato à estação pública de comunicação.

A taxa é obrigatória e, na prática, consiste em um imposto. Pouco importa se o contribuinte aprecia ou consome a informação produzida pela BBC. Ele é compelido a pagar. Uma pesquisa recente, realizada pela ComRes, uma das mais respeitadas empresas de consultoria em comunicação e políticas públicas da Inglaterra, mostrou que 52% dos cidadãos ingleses gostaria que a BBC passasse a ser sustentada por anúncios publicitários, em vez do tradicional modelo da licence fee.

É claro que uma só pesquisa não é conclusiva e, presumivelmente, há um reconhecimento relativo à qualidade da programação oferecida pela BBC.

Interessante é perceber que o maior contingente de suporte à permanência da licence fee encontra-se entre os cidadãos com maior renda, segmento que tem mais acesso a fontes de informação e canais por assinatura. É possível imaginar que parte significativa desse público tenderia a adquirir uma assinatura da BBC caso o sistema operasse segundo uma lógica de mercado. Da mesma forma, é perfeitamente racional imaginar que uma quantidade expressiva de consumidores prefira que o custo de manutenção da BBC, sem o aborrecimento produzido pelos anúncios publicitários, seja compartilhado entre todos os cidadãos ingleses.

Na conceituação sugerida por Bucci, e o exemplo da BBC demonstra isso com clareza, uma estação pública de televisão é estatal em um sentido bastante preciso: ela existe se (e somente se) o Estado cumprir a função que lhe é precípua, qual seja, de obrigar o cidadão a pagar pela oferta de um serviço, mesmo contra a sua vontade (argumento do bem público). Isso diz respeito, por óbvio, à clássica definição de Weber do Estado como monopólio legítimo do uso da violência. Os cidadãos ingleses eventualmente sem interesse nos serviços da BBC e que decidirem não pagar a licence fee terão a perfeita medida da sentença weberiana.

Canal para o cidadão

É evidente que o argumento a favor da existência de estações públicas de televisão não pode ser dado pela qualidade da programação que ela oferece. A questão central é se, no mundo atual, marcado pela abundância informacional e pelo vertiginoso avanço das tecnologias de comunicação, ainda faz sentido atribuir ao Estado a função de financiar a produção de informação.

A resposta de Bucci é positiva. Ele sustenta que uma emissora pública se define como um “posto avançado daquilo que o cidadão tem direito a perguntar à autoridade” (ibidem). Sua função se define com base na lógica da representação dos cidadãos ou da “sociedade”. O professor é explícito ao dizer que, por não ter finalidade de lucro e tampouco um proprietário particular a quem prestar contas, pode subordinar-se diretamente à sociedade (ibidem).  Ou, ainda, que as emissoras públicas existem para “contribuir de modo central na mediação do diálogo entre os cidadãos” (idem, p. 126).

A argumentação de Bucci segue, em linhas gerais, o clássico argumento da comunicação pública como resposta a problemas de falha de mercado.

O mercado simplesmente não dá conta de produzir informação em quantidade suficiente, ou ainda informação e “espaços críticos” com a qualidade desejável para uma democracia. Por setor privado, entenda-se aqui não apenas as emissoras particulares de rádio e televisão, mas também a ampla gama de canais comunitários, produtores independentes, canais digitais, sites, blogs, além do universo aberto de indivíduos emissores e receptores de informação, em especial nas redes sociais.

Trata-se de um argumento bastante conhecido. A comunicação pública funcionaria como um tipo de bem público. Seu consumo atende aos critérios de “não exclusão” e “não competitividade”. É impossível excluir as pessoas do seu consumo e incluir mais pessoas não acrescenta nada a seu custo de produção. Em tese, isso desestimularia sua oferta comercial.

Afora isso, haveria problemas de geração de externalidades (positivas ou negativas), de assimetria de informação. Esta última modalidade ocorre uma vez que a informação e o entretenimento podem ser definidos como bens de tipo experimental 5. Em tese, o consumidor tenderia a uma atitude passiva ou conservadora, evitando experimentar um bem que não conhece, mas que pode conhecer apenas após realizar a experiência. Vai aí o clássico problema das “preferências adquiridas”. O resultado seria a provisão ineficiente de certos bens (ao menos em tese) mais sofisticados ou inovadores.

Há ainda a ideia de que o mercado é ineficiente na provisão dos chamados bens meritórios. Isto é, bens cujo valor “intrínseco” supera o valor que as pessoas estão dispostas a pagar no mercado. É notório que tudo isso pode ser bastante subjetivo. O que define um bem meritório? Nos dias de hoje, como saber se, de fato, existe carência de espaços de comunicação para que as pessoas questionem a autoridade pública? Nesse âmbito, Bucci considera que há uma falha, e que uma emissora pública poderia cumprir algum papel nessa direção.

Em outros momentos da vida brasileira, a comunicação pública foi justificada segundo parâmetros distintos. Quando da criação da TV pública, no final dos anos 1960, a lei estabeleceu que “a televisão educativa se destinará à divulgação de programas educativos, mediante transmissão de cursos, palestras, conferências e debates”. Na época, no Brasil, o tipo de “escassez” identificado era distinto do diagnóstico feito por Bucci. Ambos, porém, seguem a ideia de que há uma falha no mercado de comunicação.

Por fim, há falhas associadas ao tema do monopólio natural. O mercado de comunicação tenderia a apresentar traços monopolísticos devido à restrição de canais de transmissão (spectrum scarcity) associada ao alto custo de entrada (equipamentos, profissionais e infraestrutura). Nesse contexto, a concentração da oferta de informação e imagem é a tendência esperada do mercado.

O argumento que buscamos apresentar neste artigo vai em uma direção contrária. Ele parte da observação de que vivemos hoje em um contexto bastante distinto daquele que marcou o nascimento da comunicação pública, no Brasil, e que deu sentido, de um modo geral, à tradicional ideia da comunicação pública como resposta às falhas de mercado. O contexto contemporâneo, marcado pela abundância da informação (Press, Williams e Bruce, 2010), obriga-nos a repensar o argumento tradicional. Utilizando a expressão do historiador Tony Judt, “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E o senhor, o que faz?”

Outro ponto de vista

Nesse contexto, apresenta-se o que iremos chamar de argumento ou via pluralista. Ele dirá que a liberdade de expressão e o direito à informação são mais eficientemente assegurados não como provisão de uma emissora ou agência pública, mas com base na obtenção de certo estado de coisas na sociedade, no qual os cidadãos, individual ou coletivamente, em cada comunidade, disponham de múltiplos veículos e recursos comunicacionais capazes de expressar seus pontos de vista e visões de mundo.

A inspiração original deste argumento pode ser encontrada nos escritos de Tocqueville, em seu clássico Democracia na América, quando disse:

Na América, não há sequer uma aldeia que não possua o seu jornal. Pode-se facilmente imaginar que não é possível estabelecer uma disciplina ou unidade de ação entre tantos competidores. Cada um trata de competir de seu próprio jeito. Todos encontram-se, efetivamente, perfilados a favor ou contra o governo; mas sua crítica e sua defesa são feitas em milhares de formas distintas. Eles não podem formar aquelas grandes correntes de opinião que põem abaixo os diques mais fortes. (Tocqueville, 2000)

Tocqueville enfatiza a existência de um amplo e descentralizado mercado de veículos de informação. Em que pese a imprensa seja forte e onipresente, oferecendo espaço para a expressão do universo caótico de opiniões, de todos os matizes políticos, nenhum veículo, ou grupo de veículos, tem, individualmente, a força para condicionar a opinião pública ou afetar de modo unilateral o governo, qualquer que seja a sua orientação política. Há, portanto, um sentido de potência (dada sua maciça presença) e fragilidade (dada sua dispersão) na atuação da imprensa.

É esse estado de coisas que produz um ambiente saudável e positivo em termos de comunicação pública. Registre-se que a observação data do início da década de 1830. Há, por certo, uma longa tradição seguindo o que estamos denominando de argumento pluralista.

A consideração de Tocqueville captura um traço da formação americana. Um dado de realidade, mas também um valor. Ele está presente no argumento de James Madison sobre o tema do facciosismo na vida republicana, apresentado na obra O Federalista (nº 10). Madison preocupava-se com o perigo de que o espaço público, em particular nas centenas de comunidades de médio e pequeno porte que integravam as jovens colônias americanas, fosse objeto de “captura” por parte desta ou daquela facção política.

Preocupação análoga encontramos no universo da comunicação. Tal como o espaço público democrático, ela se encontra permanentemente sob risco de captura. Em boa medida, é disso que trata esse trabalho. O risco de que uma opinião cronicamente parcial ou “facciosa” se torne hegemônica, pelo exercício do poder econômico ou político, pelo monopólio privado ou público.

Madison observa que há duas formas de lidar com o facciosismo: eliminá-lo ou controlar seus efeitos. A primeira alternativa deve ser descartada, uma vez que implicaria a eliminação da própria liberdade de opinião. A segunda alternativa é a única desejável. Para efetivá-la, apela ao método republicano dos check and balances, dos freios e contrapesos, assim como a um raciocínio muito próximo ao que chamamos de argumento pluralista. Ele diz que, com uma “maior diversidade de partidos e interesses”, é menos provável que algum deles, ou uma coalisão entre eles, invada os direitos dos demais cidadãos (O Federalista, nº 10).

Em outra passagem, Madison é ainda mais explícito, sugerindo que é “pela oposição de interesses opostos e rivais” que encontramos, na experiência humana, a melhor estratégia para conter os “defeitos presentes nos melhores propósitos”. A liberdade é mais bem protegida com base em uma dada configuração do mercado, em sentido amplo – o mercado de ideias, meios de expressão e modos de exercício do poder –, do que pela ação de uma certa organização ou agência, mesmo quando movida pela mais generosa das intenções.

Sem tutela

O argumento pluralista expressa uma tradição do pensamento moderno, particularmente presente no mundo anglo-saxônico, que aposta na ideia de dispersão do poder, autonomia e equilíbrio dos “contrários” como a via mais segura para a garantia da liberdade. Em Sobre a Liberdade, John Stuart Mill defendeu essa ideia, quando advogou simultaneamente a garantia do acesso à educação pública e a completa retirada do Estado da gestão da educação (Mill, 1991, p. 149). A multiformidade da oferta de ensino, sem uma visão dominante e sem a tutela do Estado, seria a melhor garantia da preservação da individualidade e do pluralismo de ideias.

Mill foi ainda mais adiante na sustentação disso que chamamos de via pluralista, com base em uma reflexão muito simples: se o governo deve fazer algo em benefício dos indivíduos, em vez de deixar que eles próprios o façam, “individualmente ou em associação voluntária” (idem, p. 152).
A questão é bastante ampla. No plano da educação, por exemplo, o filósofo sugere que o governo subsidie, por meio de uma espécie de voucher, a educação dos mais pobres. No âmbito da imprensa e da comunicação, em sentido amplo, a resposta parece clara: ao Estado só é dado intervir “negativamente”, isto é, quando o exercício da liberdade de expressão estiver em perigo. Objetivamente em perigo. De um ponto de vista “positivo”, isto é, no que diz respeito à produção da informação e da opinião, o Estado, bem como qualquer uma de suas agências, deve se manter afastado.

Mill reconhece haver casos em que os indivíduos, voluntariamente, possam não desempenhar tão bem uma atividade quanto o governo (ou com o suporte do governo), mas acrescenta: “é, entretanto, desejável que o façam, antes que o governo, para a sua educação – um modo de robustecer suas faculdades ativas, exercitar o seu discernimento…”(ibidem). Ele compreendia a liberdade como um modo de desenvolvimento e aprendizado coletivo, capaz de produzir laços de solidariedade e espírito público. Sua ênfase recai sobre a “associação voluntária”. A provisão pública, afora inibir esse amplo processo de aprendizagem, tenderia a “aumentar desnecessariamente o poder” do Estado e sua influência sobre  as “esperanças e os temores” da sociedade.

A observação de Tocqueville, assim como as teses de Madison e Mill, exemplificam a via pluralista. Diremos que ela tem algo a acrescentar ao debate contemporâneo sobre a liberdade de expressão. De um modo mais direto, afirmaremos que ela ganhou força e realidade a partir do processo vertiginoso de crescimento e fragmentação dos meios de informação, dados pela revolução tecnológica nos dias atuais.

Trata-se de um debate que tem, de certa maneira, colocado em questão o papel e a pertinência do modelo de financiamento da BBC. Simon Jenkins (The Guardian, BBC), ex-editor da revista Times e atual presidente do National Trust britânico, abertamente questiona o status da emissora estatal em uma época de revolução tecnológica, na qual “navegamos em dúzias de canais digitais da BBC e não conseguimos saber o que os distingue de outros canais comerciais”. Jenkins projeta um futuro em que o governo interfira de modo muito limitado na oferta de informação, apenas e tão-somente em áreas claramente não providas pelo mercado. “Sem palácios, sem licences fee e certamente sem 23 mil funcionários” 8.

A visão do jornalista aproxima-se do argumento pluralista, ao dizer que a garantia de uma imprensa livre não é algum órgão regulador ou conselho, mas sim “a imprensa livre dela mesma. Pluralidade, competição, transparência, exposição e por vezes alguma fúria são seus melhores guardiões”.

Posição distinta é a defendida pelo experiente economista Martin Wolf. Em artigo recente no Financial Times, Wolf fez uma candente defesa do papel da BBC como emissora pública. Ele apresenta a lógica inversa do que denominamos argumento pluralista. Ele diz que “se alguém desejar entender o que acontece se a mídia passa a compartimentar o país em guetos mentais, veja o que ocorreu nos Estados Unidos desde o fim das redes e a rejeição da doutrina da equidade” 9
(fairness doctrine).

Wolf sugere que, em uma realidade social mais complexa e heterogênea (podemos imaginar, com maior diversidade étnica e cultural), faz-se ainda mais necessária a existência de uma emissora como a BBC do que à época de sua criação, em 1922. O jornalista oferece um interessante argumento nessa direção, mencionando uma frase do senador americano Daniel Moynihan, segundo a qual “todos têm direito a suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. A tese é de que caberia a uma emissora como a BBC oferecer uma “base comum de fatos”
(common facts) e uma arena compartilhada para o debate.

O argumento, sob o ponto de vista do presente trabalho, é revelador. Talvez se confrontem, aqui, duas visões sobre o que constitui o pluralismo de opiniões. Na lógica do pensamento que apresentamos, os cidadãos têm, efetivamente, “direito a seus próprios fatos”. Indivíduos, profissionais de imprensa, blogueiros, radialistas, youtubers e historiadores podem apresentar versões infinitamente distintas da mesma sequência de fatos. Podem errar e acertar, pois é essa a matéria-prima da liberdade de expressão.

Na lógica do argumento pluralista, aquilo que Wolf chama de uma “base comum de fatos”, nada mais é do que uma seleção de elementos de realidade, ou a “narrativa” desses mesmos elementos produzida por um editor, jornalista ou emissora, seja ela pública ou privada. Wolf parece desconsiderar problemas de agência, fazendo crer, como em parte também faz Bucci, que uma emissora pública – dado seu insulamento político e econômico – pode representar “diretamente” a sociedade.

O paradoxo de Condorcet

A ideia de uma representação direta da sociedade nos remete ao debate sobre o tema do pluralismo ou da imparcialidade na oferta de informação. É perfeitamente razoável supor que, em uma sociedade pluralista, o cidadão contribuinte tenha o direito de exigir que a sua emissora pública atue com rigor e imparcialidade. Que evite o proselitismo político, ou inflexione sua
programação para esta ou aquela corrente de opinião.

Nossa tese é de que esse objetivo é muito difícil, quando não impossível, de ser obtido. Por duas razões. A primeira delas pode ser chamada de razão epistemológica. Definições sobre o que significa agir com imparcialidade ou traduzir adequadamente a ideia de opinião pública nos obrigam a enfrentar o paradoxo originalmente apresentado pelo Marquês de Condorcet, na França pré-revolucionária, e “equacionado” no final dos anos quarenta do século passado por Kenneth Arrow, com seu teorema da impossibilidade.

A tese fundamental de Arrow diz que, partindo de pressupostos básicos associados à autonomia dos indivíduos e à racionalidade de suas escolhas 10, é impossível obter uma escala de preferências para a sociedade a partir da ponderação de escalas equivalentes apresentadas pelos indivíduos. Admitindo-se o critério elementar de transitividade das escolhas individuais, chega-se a uma escolha coletiva intransitiva. No universo da comunicação, podemos imaginar que isso diga respeito não apenas à escolha e ao ordenamento dos conteúdos, como também aos estilos e pontos de vista a partir dos quais a informação é apresentada. O argumento pluralista sugere que, à semelhança da impossibilidade de Arrow, é ilusória a expectativa de que um órgão de comunicação, público ou privado, possa produzir uma síntese, ou “editar o debate da sociedade”, ordenando a informação “relevante” e capaz de refletir adequadamente preferências e interesses difusos dos indivíduos.

Liberdade individual

Aplica-se ao universo da comunicação a formulação do economista espanhol Antonio Argandoña, segundo a qual “não há bem comum, entendido como a soma dos bens de todos os participantes; o bem comum resulta da colaboração. É o conjunto das circunstâncias, regras e quadros de atuação que permite a cada um atingir o seu próprio fim” (Alves e Moreira, 2004, p. 16). Segundo o argumento pluralista, a comunicação se apresenta, por definição, como um bem da sociedade civil, de natureza difusa, e não do Estado. Um bem que escapa a qualquer possibilidade de “síntese”, seja realizada por uma agência pública, privada ou independente.

A segunda razão diz respeito diretamente ao exercício da liberdade individual. Profissionais do jornalismo exercem seu ofício segundo os valores políticos, estéticos e morais que julgam apropriados. Por vezes, esses valores envolvem agir com mais equilíbrio, oferecendo espaço para múltiplas visões de mundo. Por vezes não. Em determinadas circunstâncias a expressão de valores exige precisamente a tomada de posição. Luis Fernando Verissimo traduziu essa ideia em sua conhecida sentença, feita à época da Guerra do Golfo, segundo a qual “quem mantém a objetividade diante de uma cidade bombardeada pode ser um bom jornalista, mas é um péssimo ser humano” 11. A noção expressa por Verissimo, por óbvio, pode servir como senha para toda sorte de parcialidade. Mas revela uma consideração de valor amplamente considerada no universo do jornalismo.

O argumento pluralista enfatiza a ideia de que agir de modo mais ou menos parcial faz parte da prática jornalística. Grandes publicações globais, do jornal The New York Times, passando pelo francês Le Monde, até a inglesa The Economist, assumem claramente pontos de vista. Há espaço para a diversidade, há pontos de vista contraditórios, mas há uma linha editorial que se revela nas múltiplas escolhas editoriais, envolvendo colunistas, comentaristas, textos editoriais etc. Não é diferente o caso dos grandes veículos de comunicação, sejam públicos ou privados, no Brasil 12.

A pergunta relevante, aqui, diz respeito a como poderia se posicionar uma emissora pública, diante desse desafio de se comportar de modo “mais ou menos parcial”. Que linha editorial assumir? Que tipo de “equilíbrio” seria possível obter entre a quase infinita multiplicidade de visões e opiniões, por definição instáveis e mutantes, que se produzem em uma sociedade complexa? Produzir um ranking de preferências comum a toda a sociedade, espécie de “bem comum” comunicacional, pode ser tão impossível como produzir uma equação entre diversos rankings de opinião. Vencer a impossibilidade de Arrow não parece uma hipótese de simples solução.

Muitas emissoras públicas tentam vencer esse paradoxo e agir no limite extremo da opinião consensual. Seu risco, nesse caso, torna-se o inverso do comportamento faccioso: a insipidez. A informação morna, politicamente administrada, despida de avaliação ou julgamento. Informação que tende a meramente reproduzir o que o mercado já oferta em abundância. Informação que carece precisamente do elemento “curatorial” que define boa parte do papel da impressa, nesta época de fragmentação da informação, e que se esperaria em emissoras destinadas a cumprir um papel de senso crítico da comunidade.

Em boa medida, é o que sugere a legislação brasileira. Observe-se o Artigo 47 do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT):

“Art. 47. Nenhuma estação de radiodifusão, de propriedade da União, dos Estados, Territórios ou Municípios ou nas quais possuam essas pessoas de direito público maioria de cotas ou ações, poderá ser utilizada para fazer propaganda política ou difundir opiniões favoráveis ou contrárias a qualquer partido político, seus órgãos, representantes ou candidatos, ressalvado o disposto na legislação eleitoral”. 13

A lei brasileira não exige propriamente que as emissoras públicas ajam com imparcialidade, equilíbrio ou busquem um ponto arquimediano relativo à multiplicidade de pontos de vista existentes na sociedade. A lei proíbe, simplesmente, “difundir opiniões favoráveis ou contrárias” a qualquer partido político. A legislação data de 1962 e parece razoável supor que demande alguma atualização. Mas ela traz um significado. A intuição democrática segundo a qual não cabe a uma emissora pública emitir opinião política. Isto é, não cabe a uma emissora pública cumprir uma das missões mais elementares da imprensa, a saber, formular a crítica pública ou suporte a governos, fiscalizar e promover o debate de ideias nesse terreno algo difuso que constitui o universo da política

Criação da EBC

O mesmo parâmetro, é interessante observar, se repete no texto da Lei 11.652/08, que instituiu os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública e autorizou a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Em seu parágrafo único do Art. 3, a lei é explícita em vetar “qualquer forma de proselitismo na programação”.

Surge aqui o que se poder chamar de “problema ontológico” da comunicação pública. A lei veta que uma emissora pública cumpra uma de suas funções mais elementares. Uma forma de tratar a questão é considerar que o CBT, ou mesmo a lei de criação da EBC, sejam documentos legais ultrapassados ou mal formulados em muitos de seus aspectos, e que o desafio da comunicação pública seja efetivamente encontrar o “ponto de equilíbrio” capaz de expressar a pluralidade das visões de mundo em uma sociedade complexa.

Neste ponto, ingressamos em um universo bastante vago. Expressar o pluralismo social pode significar muitas coisas. Duas atitudes surgem bastante comuns no contexto brasileiro. Uma delas parece propor o enfrentamento do problema, exigindo que a emissora pública procure difundir, em sua programação jornalística, as oposições políticas predominantes no debate público e/ou político do momento. Essa parece ser a atitude adotada pelo jornalismo da TV Cultura do Estado de São Paulo. Exemplo disso é o seu Jornal da Cultura 14. O risco do modelo é dado pelo tipo de interpretação proposta ao debate público. O risco de reduzir, por exemplo, a complexidade do debate a um tipo de dualismo político ao velho estilo “esquerda x direita” ou “governo x oposição”. De qualquer forma, trata-se de tentar lidar com o problema do pluralismo.

Outra atitude consiste na negação do problema. A ideia, sem dúvida difícil de sustentar, de que a prioridade – para usar a expressão de Verissimo – é agir como “bom ser humano” e buscar aí alguma compatibilidade com a ideia de pluralidade. De um modo geral, essa parece ser a atitude adotada pela TV Brasil, em especial no âmbito de seu jornalismo político. Mesmo sendo evidente o alinhamento político de seus analistas e protagonistas de opinião, seu presidente, em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, foi taxativo em negar qualquer critério dessa ordem, dizendo que (referindo-se às estrelas de seu jornalismo) “se tinham perfil de esquerda ou de direita, pouco me interessa. Não peço ficha de filiação partidária para ninguém” 15. Na definição dos “valores” da empresa, em seu portal, não consta a ideia de “pluralidade”, mas sim a noção de “diversidade” cultural. Nessa interpretação, a intenção de representar múltiplos pontos de vista parece se restringir a elementos de natureza étnica, estética ou de gênero, não se estendendo ao universo das ideias políticas, em amplo sentido.

Seria ingênuo considerar, porém, que a linha editorial adotada por uma emissora pública (incluindo aí sua interpretação da ideia de “pluralidade”) dependa exclusivamente, ou mesmo principalmente, da visão adotada pelo governante eleito a cada mandato. Emissoras públicas funcionam como um tipo de burocracia, sujeitas à disjunção principal-agente 16.
Burocracias públicas não são agentes neutros, individuais, autointeressados; é possível identificar a comunicação pública como altamente vulnerável ao problema da “captura pelos provedores” (providers capture).

Emissoras públicas são estruturas burocráticas. No Brasil, funcionam ora como fundações de direito público, ora como autarquias. Em ambos os casos, constituem-se como organizações burocráticas tradicionais. Suas características traduzem-se em centralização orçamentária, não competição, estrutura hierárquica, regramentos públicos, garantindo impessoalidade e corpo estável de servidores.

O poder dos burocratas

Nessas condições, é razoável imaginar que o corpo de funcionários, aqui envolvendo jornalistas, redatores, programadores, editores e produtores, desempenhe um papel que vai além da mera expressão dos interesses ou visão dos governantes de cada momento. Burocracias são formadas por agentes maximizadores (Tullock, 2006), gozando de relativa autonomia para a promoção de fins próprios. Devine especula que funcionários, nessas condições, podem não definir seu interesse em termos de ganho monetário, mas em razão de “mais status, um escritório maior, mando sobre mais funcionários, menos trabalho ou outro tipo de bem ou vantagem” (Devine, 60). Tullock sugere uma medida mais objetiva de utilidade: o tamanho. Burocratas tendem a considerar que suas chances de status, poder sobre recursos, pessoas e outras vantagens estão, em regra, associadas ao crescimento do próprio aparato burocrático (Tullock, 2006).

É possível especular que funcionários busquem maximizar um conjunto mais amplo de fins, eventualmente associados a algum sentido de realização pessoal, orgulho profissional ou atenção ao interesse público, adequadamente definido. Em uma emissora pública, é bastante razoável supor que aspectos relevantes de sua definição editorial sejam objeto de “captura” pelo corpo burocrático-funcional. A possibilidade de “editar a opinião pública” e utilizar o espaço de comunicação pública para expressar ideias e pontos de vista pode ser em si mesmo entendido como um tipo de “bem” a ser maximizado.

Emissoras públicas estão sujeitas a um duplo problema de agência. O primeiro, mais comum e usualmente ressaltado, diz respeito à relação entre governos e opinião pública. Devendo refletir os “interesses difusos” da sociedade, tendem a expressar pontos de vista próximos aos do governo, a cada momento. Uma boa legislação protetiva, assegurando autonomia funcional de uma autarquia ou fundação pública, poderia, em tese, dar conta desse problema. O segundo problema diz respeito à relação entre governos e a própria organização burocrática. Se governos não representam adequadamente o “interesse difuso”, quem o faria? O próprio corpo funcional? Conselhos de representantes da “sociedade civil”? Quem guardaria a chave que conduz uma emissora qualquer ao “ponto arquimediano”?

O argumento pluralista que apresentamos neste artigo oferece uma resposta: ninguém. Há um problema de “impossibilidade”, associado ao argumento de Condorcet; há uma questão de agência, amplamente documentada na literatura da teoria da escolha pública, e há uma evidência empírica, situada (1) no próprio modelo de regulação da comunicação pública, que busca vetar o proselitismo político, assim como (2) na experiência mesma de nossas emissoras públicas, que parece revelar de modo bastante claro isso que chamamos de “duplo problema de agência”.

Tomemos dois exemplos típicos, extraídos da experiência recente da comunicação pública brasileira. Os casos buscam identificar o padrão de diversidade dos convidados dos programas Roda Viva, da TV Cultura, e Espaço Público, da TV Brasil 17.

Há pontos em comum nos dois casos. Em ambos, o jornalista âncora do programa é lato sensu identificado com as posições políticas do governo controlador da emissora. Em ambos os casos há uma predominância de opinião associada ao governo controlador. Nesse âmbito, e tomados apenas esses dois casos, não se verifica um problema de agência na relação entre governo e emissora. O que pode ser considerado frustrante, considerando a expectativa de que a emissora seja a expressão dos interesses difusos. Diria: a expectativa “republicana”.

A comparação entre ambos os programas mostra que há uma diferença de intensidade no viés de opinião. O Roda Viva apresenta um grau de diversidade ou pluralismo mais consistente do que o percebido no Espaço Público. São 70,87% dos convidados deste último que expressam posições alinhadas ao governo federal. No caso do Roda Viva (então controlado por um governo de oposição ao governo federal), o percentual de convidados com postura similar é de 30,15%. Apenas 1,94% dos convidados do programa Espaço Público apresentavam posturas de oposição manifesta ao governo federal, controlador do veículo.

Isso pode indicar que a TV Cultura do Estado de São Paulo tenha uma estrutura institucional protetiva mais robusta do que a TV Brasil, ou que seu corpo dirigente e funcional tenha sido mais atento à ideia de expressar valores do pluralismo. Esse tema exigiria outra pesquisa, e não é nosso foco aqui. O ponto é apenas observar que há um evidente viés político-ideológico em ambas as emissoras, ainda que com intensidade distinta e sob o veto da legislação vigente.

Nosso argumento dirá: veículos de informação tendem a agir dessa maneira, ainda que de modo matizado. É possível pensar que o viés ideológico ou o “governismo” de uma emissora pública não se produza diretamente como orientação deste ou daquele governo. Ele pode funcionar como um jogo de afinidades eletivas em torno de um governo, dos nomes que ele sugere para integrar um conselho curador, dos executivos que ele indica, do perfil de jornalistas contratados para produzir e apresentar programas, ou mesmo daqueles selecionados por concurso, mas que recebem mais ou menos oportunidades de atuação. Essas variáveis produzem o que se poderia chamar de um “contexto de opinião”. Diremos que é nesse contexto de opinião que se produz, no dia a dia, a orientação política da emissora. É evidente que sempre se poderá dizer, como fez Martin Wolf, anteriormente citado, que uma emissora como a BBC “desagrada tanto a direita como a esquerda”, e que por isso deve estar fazendo um bom jornalismo. É possível, ainda, que tudo isso pareça bastante subjetivo. E por certo não representa a regra, no contexto da comunicação pública na América Latina (Bianco, Esch e Moreira, 2012).

Vem daí a força do argumento pluralista: em vez de imaginar que uma emissora ou sistema de emissoras públicas sejam capazes de sintetizar interesses e preferências difusos da sociedade, talvez seja melhor apostar em que certo estado de coisas, a saber, um amplo e  multiforme universo de veículos competindo entre si pela audiência e confiança dos cidadãos possa, no conjunto, cumprir mais adequadamente essa função.

Da escassez à abundância

Há uma razoável convergência, na literatura histórica, sobre o fato de que os sistemas públicos de comunicação surgiram, na primeira metade do século 20, como forma de dar vazão à demanda democrática surgida da expansão urbana, da industrialização crescente e dos avanços da comunicação de massas. A oferta de comunicação, primeiro pelo rádio, e logo com a televisão, era vista como um meio de acesso equitativo à informação, educação e entretenimento. Países da Europa continental, assim como Japão, Austrália e Canadá, ergueram um amplo sistema de monopólio estatal na produção e difusão televisiva.

Não será objeto deste trabalho revisar este percurso histórico. É possível imaginar que os sistemas públicos de comunicação cumpriram um papel relevante na garantia de acesso à informação nas grandes democracias, e seu crescimento tenha ocorrido pari passu com a afirmação do estado de bem-estar social, que viveu seu apogeu no período do pós-guerra, até os anos 1970.

O ponto é que esse quadro foi alterado, a partir dos influxos da revolução tecnológica ocorrida nas últimas quatro décadas, cuja cronologia é bastante conhecida. O mercado de comunicação apresentou uma rápida expansão e diversificação, assistindo-se à passagem de um universo de oferta relativamente escasso de informação para um contexto marcado pelo paradigma da abundância (Press e Williams, 2010). Por certo se trata de um processo assimétrico, mas uma tendência irreversível de nossa época.

Nesse novo contexto, era natural que fossem postas em questão as razões outrora utilizadas para a legitimação dos grandes sistemas públicos de comunicação. É o que observa, em meados dos anos 1900, Eli Noam, professor e pesquisador da Columbia University. E isso antes do surgimento e universalização da comunicação digital:

Com o objetivo de oferecer programas de maior qualidade, políticas estruturais e regulatórias foram instituídas, tais como serviços de comunicação pública, regulação de programação e restrições de acesso protecionistas. A necessidade dessas políticas para assegurar a qualidade da oferta de comunicação declina à medida que a distribuição da televisão – devido a mudanças na tecnologia e na organização empresarial – ingressa na esfera das trocas econômicas normais de mercado e assim deixando a esfera da alocação política. Os eleitores-contribuintes que ofereciam suporte aos programas de maior qualidade agora podem ser supridos pelo mercado, onde sua capacidade de consumo gera opções que anteriormente exigiam a provisão por parte do sistema político. (Noam, 1987, p. 164).

É o que ocorre, de fato, entre as décadas de 1980 e 1990, de modo global. Em 1980, os países europeus contavam com 36 estações de TV estatais e apenas três estações comerciais. Em 1997, eram 46 as emissoras públicas (uma expansão significativa), ainda que o número de emissoras comerciais tenha passado de 3 para 59 (Norris, 2000). A expansão das emissoras a cabo, via satélite e canais digitais não determinou a diminuição do número de emissoras públicas. Mas fez com que a audiência fosse distribuída entre um arco multiforme de emissoras públicas, privadas, de propriedade mista e canais independentes. Ampliou-se a diversidade e a fragmentação das opções de mídia.

Simultaneamente, cresce a pressão sobre os orçamentos da comunicação pública, em parte movida pela crise fiscal, em parte pelo próprio questionamento do sentido e da prioridade a ser dada ao investimento público em comunicação em uma época de explosão de novas mídias. Emissoras públicas são pressionadas a buscar alternativas de receitas, como fez a BBC inglesa, com a expansão global de seu braço comercial, a BBC Worldwide, lançada em 1995. Operações como a BBC Entertainment, criada em 2006, levaram a um crescente questionamento, por parte da concorrência privada, se a emissora estava saindo de seu foco e “invadindo”, em condições especialmente favoráveis, áreas da comunicação e do entretenimento comercial 18.

Isso levou a um interessante paradoxo. De um lado, se espera dinamismo e busca de novas receitas por parte da comunicação pública. Espera-se que ela cresça em audiência, crie produtos para licenciamento e desenvolva operações comerciais, exatamente como faz a BBC, que hoje gera algo como um quarto de sua receita a partir de sua atividade de mercado. De outro, pede-se que ela não saia de seu “foco”, não ocupe espaços de mercado tradicionalmente sob controle de emissoras comerciais. Opção de risco, na expressão de Peter Burke, na medida em que deixa as emissoras públicas à mercê do orçamento público e não raro “trancadas em uma armadilha temporal, incapazes de se adaptar a novas tecnologias” (Burke, 2009).

Há quem enxergue nesse processo uma inevitável perda de qualidade jornalística, quando não de subordinação da informação e do debate de ideias à lógica da imagem e do espetáculo 19. Posição distinta é defendida pela cientista política de Harvard Pippa Norris. Ela defende que “o novo padrão oferece uma diversidade de canais voltados a atender ao rebuscado e ao popular, aos diferentes níveis de exigência característicos da enorme variedade de grupos que integram a sociedade” (Norris, 2000). Alguém pode consumir apenas um resumo da informação do dia, de modo rápido, ou consultar o seu tablet para acompanhar os temas que considera relevante. “Se aceitamos
a ideia de que o aprendizado político é facilitado, e mesmo condicionado, pelo interesse genuíno das pessoas, então a pluralidade de canais e níveis de informação pode ser considerada bastante saudável para a democracia” (idem).

A década e meia que se passou desde a publicação do texto de Norris apenas assistiu ao aprofundamento dessa tendência de multiplicação, diversificação e fragmentação das alternativas de mídia. Não é objetivo deste trabalho detalhar os processos de fragmentação da mídia na sociedade atual. Sua direção parece clara: a expansão das oportunidades de acesso a alternativas de mídia e a perda de hegemonia por parte dos veículos tradicionais. Nos Estados Unidos, havia 104 canais de televisão disponíveis, em uma residência média, 43 a mais do que havia em 2000 (Castells, 2009, p. 93). O dado mais sugestivo, entretanto, revela a perda gradativa de hegemonia por parte dos canais de maior alcance. Em 1980, 40% das residências americanas sintonizaram um dos três canais de notícias líderes de audiência. O número caiu para 18,2% em 2006 (idem, p. 95).

É interessante, aqui, observar que o próprio conceito de acesso à televisão se torna cada vez menos relevante. Relatório produzido pela respeitada consultoria americana Nielsen, relativa aos padrões de consumo de mídia, nos Estados Unidos, mostrou que a audiência tradicional de televisão (incluindo canais abertos ou por assinatura), entre o público mais jovem (18-24 anos) caiu 38% nos últimos cinco anos. Isso equivale a uma redução média de 10 horas/semana, nessa faixa etária 20. A pesquisa mostra que houve de fato uma migração para outras modalidades de consumo de mídia. O dado mais relevante mostra que, pela primeira vez, o consumo de programação SVOD (subscrição de vídeo on demand, oferecido por provedores como Netflix, Hulu Plus, Amazon Prime), em streaming, divide, à razão de 50% para cada modalidade, a audiência dos lares americanos. Percebe-se aqui uma tendência. O consumo de imagem parece seguir cada vez menos a “grande curadoria”. Os indivíduos desejam escolher. Talvez seja tendencialmente inócuo apostar na ideia de uma emissora tradicional como estratégia de comunicação pública.

Coerente com essa mesma tendência, pesquisa realizada pelo Pew
Research Center em conjunto com a John S. and James L. Knight Foundation mostrou que, em apenas quatro anos, entre 2012 e 2016, cresceu de 49% para 62% o percentual de americanos adultos que declaram se informar por meio das redes sociais 21.
O Facebook é a fonte mais importante, sendo utilizada por 44% da população adulta norte-americana para consumo de informação e notícias. Novamente, há uma tendência à fragmentação e ao consumo individualizado e “autoral”, isto é, pelo qual cada cidadão produz o próprio percurso. Sempre será possível imaginar que uma emissora pública poderá atuar também das redes sociais, mas terá muita dificuldade de fazer, ela mesma, a mediação do debate entre as pessoas. Ela terá de disputar a atenção dos cidadãos em um universo caótico e virtualmente infinito de fontes.

No Brasil, verifica-se a mesma tendência. O número de assinantes de canais pagos registrou um crescimento superior a 500% entre 2000 e 2013. O país deu um salto de 3,5 milhões de assinaturas, em 2000, para mais de 18 milhões, em 2013 (Becker, Gambaro e Souza Filho, 2015). As cinco principais emissoras de TV aberta (Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Rede TV) passaram de 39,3% para 28,2% de audiência. A tendência é a mesma: crescem as opções de acesso e dilui-se progressivamente o domínio deste ou daquele veículo sobre o mercado. Um dos elementos centrais na definição de falha de mercado, qual seja, o risco de monopólio natural, a partir dos ganhos de escala e custos de entrada no mercado, parece progressivamente desaparecer. Perde inteiramente o sentido, por certo, o fator escassez. Sobrevive o elemento subjetivo da oferta de bens meritórios.

Mais acesso à internet

O avanço mais significativo, entretanto, ocorreu na ampliação do acesso à internet. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2013) constatou que a banda larga estava presente em 97,7% (30,5 milhões) dos domicílios com internet de todo o país. Desse total, 77,1% (24,1 milhões) conectavam-se em banda larga fixa e 43,5% (13,6 milhões) em banda larga móvel. A tecnologia tem avançado não apenas no sentido de favorecer a diversificação do consumo, mas também da autoria. Em 2010, 11,9% dos usuários de internet, nos Estados Unidos, mantinham um blog 22, e os números têm crescido ano a ano. O ponto a ressaltar, observado pelo pesquisador Paul Verna, é a crescente indistinção entre blogs, em um sentido amplo, e os canais de mídia tradicional. Moisés Naim identificou esse processo de expansão dos “micropoderes” (não apenas no âmbito da comunicação), como uma tendência inexorável das sociedades contemporâneas na direção do que chamou, provocativamente, de “fim do poder” 23.
Naim tem em mente, de fato, o processo de fragmentação e fragilização do poder. Por certo, trata-se da perspectiva de um mundo mais instável, ainda que mais “democrático”. Suas implicações são evidentes para a tese que apresentamos neste artigo.

Uma forma de descrever o universo do “fim do poder”, na comunicação contemporânea, é recorrer ao conceito da cultura da convergência, que se tornou padrão nas definições do mundo-mídia com a chegada da internet e a progressiva integração de canais e redes de informação. Henry Jenkins, em seu Cultura da Convergência, descreve um mundo em formação. Ele escreve no centro do furacão de uma transformação qualitativa na comunicação. Vale a pena observar a definição de Jenkins:

Convergência representa uma mudança de paradigma  – um deslocamento de conteúdo de mídia específico em direção a um conteúdo que flui por vários canais, em direção a uma elevada interdependência de sistemas de comunicação, a múltiplos modos de acesso a conteúdos de mídia e a relações cada vez mais complexas entre a mídia corporativa, de cima para baixo, e a cultura participativa, de baixo para cima. (Jenkins, 2009, p. 325)

A um dado momento, Jenkins toma o Sequential Tart, portal digital voltado à cultura dos quadrinhos, como exemplo – um entre muitos – da cultura da convergência. Qualquer caso, nesse contexto, parece ingênuo, mas pode nos indicar alguma tendência. A cultura do nicho, do gosto individualizado, em primeiro lugar. O jornalista chega a usar a ideia da “cultura do fã”, mas a definição parece limitada. Melhor seria dizer: a cultura da autoria. Pessoas que não se conhecem conseguem facilmente constituir uma comunidade e passam a interagir espontaneamente, segundo uma “ordem sem hierarquia”. Algo que ele chega a associar à ideia de adhocracia (Jenkins, 2009, p. 324), oposta às variações clássicas da ideia de burocracia, ou mesmo de organização hierática. Manuel Castells cunhou a expressão “autocomunicação de massas” para se referir ao fenômeno. Trata-se de uma comunicação de massas em função de seu alcance global; e trata-se de autocomunicação em virtude da origem difusa da mensagem (Castells, 2009, p.88). O conceito não é novo. A comunicação contemporânea é policêntrica, e nada indica que dará meia-volta no futuro.

Iniciativa comunitária

Fenômenos associados à ideia de convergência são hoje amplamente conhecidos e estudados, ainda que possa haver interpretações divergentes sobre seu alcance. Jenkins não esconde seu otimismo com a perspectiva de uma comunicação de tipo “comunitária”, que vai muito além da ideia de “romper com a via de mão única entre emissor e receptor da informação”. Ele fala das smart mobs como grupos refletindo múltiplas identidades e capazes de expressar “novas formas de poder”. Sobre como muitos grupos diferentes e desconhecidos podem cooperar e “trabalhar juntos para o bem comum”. Espécie de utopia que se realiza no mercado, em sentido amplo. Cidadãos exercem poder, em relações progressivamente mais equitativas, atuando como protagonistas e criando um gênero novo de bem público. Um bem que se define como um “estado de coisas”, precisamente na linha do “argumento pluralista” que apresentamos no presente trabalho.

Nesse contexto algo caótico, a ideia de que uma emissora público-estatal possa produzir algum tipo de mediação entre os cidadãos soa como um recuo. Os cidadãos parecem estar assumindo essa função por conta própria. “Atores sociais e cidadãos estão usando essa nova capacidade das redes para fazer avançar seus projetos, defender seus interesses e reafirmar seus valores”, escreve Castells (Castells, 2009). O poder migra da “organização” para o indivíduo e o tecido de relações voluntárias entre as pessoas. Trata-se de um novo paradigma que vai além da ideia habitual da democratização dos meios de comunicação. Diremos que ele vai além ao mesmo tempo que reforça o princípio da soberania do consumidor (Armstrong e Weeds, 2007). Não parece plausível que os indivíduos e suas comunidades voltem a demandar, no futuro, que uma agência de Estado, ainda que independente, cumpra a função de conectar cidadãos e comunidades, há muito em vias de conexão espontânea.

Jenkins reconhece que se trata de um processo em construção. Define-se como um “utópico crítico”, capaz de enxergar novas possibilidades de diálogo, cooperação e protagonismo, nas democracias contemporâneas, em contraste com o pensamento que identifica o “pessimista crítico”, associado a autores como Mark Crispin Miller e Noam Chomsky, cujo foco prossegue sendo o tradicional discurso de denúncia da “grande mídia”. Do ponto de vista que inspira este trabalho, é perfeitamente irrelevante o tema do “tamanho” de um veículo de mídia, seu pertencimento a uma rede local ou global, pública ou privada. Pouco importa que a BBC tenha perto de 35 mil colaboradores diretos ou indiretos e que um site qualquer seja produzido por um único jornalista.

O mundo convergente, tal como descrito por Jenkins, será progressivamente indiferente a formas tradicionais de poder. Ele tenderá a reconhecer cada vez menos a ideia de gatekeepers preferenciais 25 capazes de editar, deste ou daquele ponto de vista, o debate público. Muito menos reconhecerá gatekeepers oficiais. O mundo convergente marca, em boa medida, a dissolução da ideia de gatekeeping, oferecendo lugar a um universo de múltiplos e instáveis centros de referência.

Nesse universo, não diremos que a comunicação pública perdeu seu significado. Diremos apenas que muitas das razões que serviam para justificar a sua existência desapareceram ou encontram-se em vias de desaparecer. De modo sintético: falhas de mercado associadas à provisão insuficiente de conteúdos perderam sua relevância. Isso envolve a geração de conteúdos educativos (cursos, palestras e debates) que constavam no Decreto-Lei 236/67, que definiu os objetivos da comunicação pública no Brasil, assim como opções de entretenimento e informação jornalística. Envolve também o que podemos chamar de “espaços de cidadania” (auto-organização nas redes sociais, petições online, blogs, canais de advocacy etc.). Nessa mesma direção, ampliou-se substancialmente a diversidade da oferta. Conforme observam Dijk, Nahuis e Waagmeester, “diferentes consumidores podem ser cobrados a preços variados por pacotes diversos de programação de forma a cobrir mais apropriadamente demandas individuais” (Dijk, Nahuis e Waagmeester, 2006).

Transformações estruturais

Na tabela a seguir, buscamos sintetizar o quadro de transformações estruturais a que assistimos no terreno da comunicação. O foco se concentra no elenco de falhas de mercado (bens públicos, monopólio natural, assimetria de informação, externalidades e bens meritórios). O objetivo não é detalhar o tema, em parte já abordado. O ponto é mostrar que o contexto da abundância informacional convida a uma revisão do argumento das falhas de mercado como fundamento para a comunicação pública.

Relativamente ao argumento da assimetria de informação, é possível sustentar a tese de que, dada à profusão da informação e à conexão das redes de consumidores (reputation trail, crítica, avaliação de expectadores, ranking de audiência etc.), os bens informacionais e de entretenimento passam a assumir progressivamente características de bens de busca (search goods), menos sujeitos a problemas de assimetria de informação comuns no modelo tradicional de informação. À parte esse fato, dificilmente uma agência público-estatal de comunicação conseguiria funcionar com mais eficiência do que o mercado em sua correção.

Há aí um problema de efetividade, que mencionamos ao final da tabela. O argumento da efetividade funciona da seguinte maneira: boa parte das razões que sustentou a comunicação pública, historicamente, estavam baseadas na ideia de que uma agência público-estatal independente poderia ser efetiva na correção de falhas de mercado. Armstrong e Weeds sugerem que esse foi o caso exemplar da BBC, quando a emissora, “em seu tempo de monopólio, podia efetivamente forçar os telespectadores a assistir aos programas que ela imaginava que eles deveriam assistir, tendo como alternativa desligar o aparelho” (Armstrong e Weeds, 2007).

As condições de efetividade prosseguiram tendo validade enquanto o número de canais disponíveis ainda era relativamente limitado. Em um contexto de oferta abundante, não obstante, a capacidade da comunicação pública para produzir resultados significativos é crescentemente mais reduzida.

Uma hipótese é considerar que, de fato, a oferta pública de comunicação só fazia mesmo sentido em um cenário de escassez e restrição de uso do espectro eletromagnético. Isso pode explicar, em boa medida, a razão pela qual a comunicação pública nunca foi pensada, ao menos de modo relevante, no contexto do mercado de mídia impressa. Bons veículos públicos de mídia impressa podem, em tese, corrigir problemas de assimetria de informação, gerar externalidades positivas e bens meritórios. Tais razões, entretanto, nunca foram decisivas para que o Estado atuasse de modo a corrigir eventuais falhas nesse mercado (Lindstädt, 2010). Não é difícil supor que, à medida que as restrições de espectro desaparecem, e as limitações de oferta associadas à caracterização da mídia eletrônica como bem público perdem relevância, o mesmo raciocínio passe a fazer sentido para a totalidade da oferta de informação.

Concluímos dizendo que, nesse contexto, não faz mais sentido imaginar que possa existir algum nível de consenso ou naturalidade na defesa do papel estratégico da comunicação pública para a democracia, como ainda se verifica em boa parte da literatura acadêmica sobre o tema. Argumentar em favor da comunicação pública, nesse novo contexto, exigirá um esforço renovado.

Uma hipótese, que não iremos aprofundar neste trabalho, é recorrer a um exercício do tipo sugerido por Ronald Dworkin, como seu leilão hipotético. Indivíduos em uma hipotética situação original de igualdade devem escolher princípios reguladores da sociedade. Eles recebem, cada qual, uma quantidade igual de recursos (vamos imaginar: fichas) para trocar pela provisão de certos direitos e bens públicos. Eles têm amplo conhecimento sobre a sociedade em que vivem, mas não sabem que lugar ocupam, ou irão ocupar, nessa mesma sociedade. Trata-se de um clássico modelo de escolha sob incerteza. Cada decisão representará um custo para o indivíduo, e será tomada com base em um acordo racional entre todos. A suposição é que seja possível obter escolhas por unanimidade.

Em uma situação como esta, os indivíduos usariam suas fichas para contratar a comunicação pública? É possível que um tema como esse não fosse tomado como um princípio regulador da estrutura social. Alguém poderia sugerir que ele fosse deliberado em nível legislativo, e que apenas uma tênue recomendação sobre a garantia de acesso à informação fosse registrada. Alguém poderia, porém, considerar que esse é um tema fundamental para a democracia e colocar a questão para deliberação.

O argumento pluralista

Os agentes deverão lidar com uma ampla variedade de questões. Não conhecendo seu lugar na sociedade, eles não sabem, por exemplo, se irão dispor de maior ou menor acesso a meios de informação, não conhecem seu padrão de renda e escolaridade. Desconhecem, da mesma forma, seu sistema de crenças e preferências.

De modo geral, eles dispõem de um bom conhecimento sobre a história, a formação cultural e regramentos institucionais que caracterizam a sociedade em que vivem. No plano da comunicação, é possível imaginar que eles têm boa informação. Por certo, conhecem a experiência da BBC e da PBS americana, assim como conhecem as experiências de comunicação pública historicamente desenvolvidas no contexto latino-americano.

Os decisores sabem que deverão escolher com base no princípio da restrição orçamentária. Seu raciocínio obedece à lógica do custo de oportunidade e eles sofrem, presumivelmente, os constrangimentos descritos pela teoria da perspectiva.

Cada unidade de recurso utilizado para o financiamento da comunicação pública reduzirá seu poder de compra no mercado. Eles podem ponderar sobre o ponto de vista de Mill, alertando sobre a desejabilidade de oferecer autonomia para que os indivíduos, voluntariamente, deem conta da oferta de informação, assim como o de Bucci, alertando sobre a desejabilidade de um tipo especial de provedor de informação, livre de pressões políticas e de mercado, atuando como moderador do debate público.

O princípio da restrição orçamentária lhes dirá que não basta perguntar, em abstrato, sobre a importância da comunicação pública. Será preciso defini-la como uma prioridade. Eles podem se lembrar do debate ocorrido na campanha presidencial americana de 2012, em que o então candidato Mitt Romney declarou não pretender continuar tomando dinheiro emprestado aos chineses para financiar a PBS e séries como a do personagem Big Bird, mesmo que simpatizasse com a PBS e com o grande e simpático canário amarelo de Sesame Street.

No Brasil, escolhedores racionais deverão fazer perguntas similares. Financiar a comunicação pública significará renunciar ao atendimento de uma série de outras demandas sociais. Será difícil, como vimos, apelar ao tradicional argumento das falhas de mercado. Não ajudará, da mesma forma, observar nosso retrospecto republicano no tratamento da informação pública. Qualquer decisão terá de ser tomada observando tendências de longo prazo no mercado de informação, sabendo-se que o orçamento público estará comprometido também em uma perspectiva de longo prazo. Nossos escolhedores racionais sabem que há alternativas aos modelos tradicionais de comunicação pública, que podem sem consideradas.

Eles podem recorrer a um modelo “corretivo”, como o sugerido por Simon Jenkins, em que o governo restringe seu financiamento a áreas claramente identificadas como nichos de escassez, cronicamente subofertadas pelo mercado. O incremento do que Ronald Dworkin chamou de “riqueza estrutural da vida cultural”, como vimos anteriormente. Observando cada uma das alternativas, nossos escolhedores racionais optariam por investir suas fichas na aquisição de uma emissora pública de comunicação?

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Fernando Luís Schüler é doutor em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor do Insper e titular da cátedra Insper-Palavra Aberta.