Abro este texto com a observação: os Cadernos Proal foram uma das experiências mais gratificantes de minha trajetória na área da comunicação.
Os Cadernos constituíram iniciativa do Centro de Pesquisas de Jornalismo Empresarial (Cepeje), criado no início dos anos 1970 pela Proal – Programação e Assessoria Editorial –, empresa idealizada pelo jornalista Manuel Chaparro por ocasião de nossa saída da Folha de S.Paulo, onde fazíamos Suplementos Especiais. Sócio da Proal e já professor na Cásper Líbero (1968) e na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), 1969, propus aos outros dois sócios, o próprio Chaparro e o publicitário Luiz Carrion, a criação de um centro de estudos e debates com a finalidade de pesquisar o jornalismo empresarial, fenômeno que ganhava corpo no início da década de 1970 e para cujo fortalecimento muito contribuíram a Proal e os Cadernos, conforme veremos.
Para melhor entendimento de sua importância, permito-me traçar um pano de fundo abrigando a comunicação especializada, território no qual a Proal exerceu suas atividades.
No final da década de 1960, na esteira da industrialização do Sudeste, descortinava-se o panorama da comunicação organizacional, primeiro pelo nicho que, naquele momento, batizamos de “jornalismo empresarial”, conforme pode se ler no primeiro texto sobre o tema, veiculado no primeiro Caderno Proal em junho de 1971.
As organizações privadas e públicas iniciavam um processo profissional de interlocução com seus públicos. Davam-se conta da necessidade de uma forte relação com os consumidores. Percebiam que o ato de compra de produtos e bens pela clientela deveria embutir a “compra” do conceito, da identidade, do renome, da fama da empresa.
Ao adquirir um relógio, o comprador supunha adicionar à compra o valor da marca. O vendedor argumentava que os produtos adquiridos pelo consumidor eram de boa qualidade. E as empresas abriam o leque expressivo para se dizerem honestas e merecedoras de confiança. Na esfera interna, no chão de fábrica, as organizações se preocupavam em convencer os empregados de que deveriam se orgulhar do lugar onde trabalhavam.
O dinheiro, porém, era curto, não dando para fazer comunicação interna e externa sob a rubrica do mesmo budget.
O surto industrial e o crescente ingresso das multinacionais no país contribuíram para sofisticar e ampliar os modelos de expressão e suas estratégias persuasivas, ensejando a estruturação, em áreas, dos programas de comunicação, ao mesmo tempo que se iniciava a era dos primeiros grandes conceitos, do adensamento e da expansão dos recursos para atender a todos os nichos do mercado. Como resultado desse impulso, o Brasil passou a desenvolver sofisticados e complexos sistemas de comunicação organizacional.
Nessa paisagem se inseria a Proal, com seu pioneirismo e inovação.
No início da década de 1970, com o fechamento de fértil experiência no campo do jornalismo interpretativo – Suplementos Especiais da Folha de S.Paulo –, abria-se o ciclo promissor da “comunicação organizacional”, que, inicialmente, designei em trabalhos acadêmicos de “comunicação empresarial”. Englobava atividades de jornalismo, relações públicas, publicidade e propaganda, editoração, entre outras. A pedra-mor desse largo edifício foi a do jornalismo empresarial.
Padrão profissional
Descrevo como entramos nessa rota. Vindos de Recife, chegamos a São Paulo em maio de 1967, convidados por Otavio Frias, para fazer os Suplementos Especiais. Um sucesso editorial e de publicidade. Uma equipe composta, no início, por não mais que oito pessoas, veio a se transformar em um grupo com cerca de cem profissionais, entre jornalistas, publicitários, pesquisadores e colaboradores, sob o comando de Calazans Fernandes.
Chaparro, braço direito de Calazans, havia sido assessor de imprensa da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Chegara ao Brasil em 1961, pressionado pela ditadura salazarista em Portugal. Recebeu o convite de dom Eugênio Sales, na época bispo de Natal, para trabalhar no jornal A Ordem, da diocese. Um jornal que deixou profundas marcas, transformando-se no veículo de maior destaque do Estado. Fazia jornalismo de vivência e investigação. Já a passagem de Chaparro pela Sudene se destacou pela contribuição dada à estruturação de uma área – assessoria de imprensa –, para a qual garantiu padrões profissionais. Rompia com velhas práticas (entre as quais, os jetons) que marcavam (manchavam) a atividade.
Os Suplementos Especiais foram extintos ao final de 1969, após desavenças entre os sócios da Folha, Otávio Frias e Carlos Caldeira Filho, este contrário àquele empreendimento. No olho da rua, embarcamos na canoa da Proal, que nascia sob nossa fé e apenas um cliente, a Ultragaz, para a qual passamos a fazer o jornal interno Ultragazeta, transferido ao Chaparro por Joelmir Beting, seu primeiro feitor, que assumia importante coluna na Folha de S.Paulo.
No final dos anos 1960, o Brasil respirava ares do período autoritário. O medo reinava nos ambientes internos, e as estruturas de recursos humanos controlavam profissionais contratados de todas as áreas. Vivia-se, portanto, sob o clima da comunicação vigiada.
Em meados dos anos 1970, o mercado de trabalho jornalístico dava sinais de saturação. Os profissionais da imprensa lutavam para sobreviver e garantir seus empregos nos espaços (em refluxo) do “jornalismo revolucionário”, a imprensa diária. Jovens jornalistas, saídos das faculdades, eram atraídos pela chama do jornalismo de denúncias e combate a qualquer modalidade jornalística praticada sob a égide do “imperialismo”. A referência era o jornalismo empresarial, “coisa do poder econômico, das empresas capitalistas”. Nos espaços de formação de opinião, a discussão acirrava a dicotomia do mundo de bons e maus, oprimidos e opressores, esquerda e direita. Nas camadas intelectuais, o discurso separava os “antiquados” e os “modernos”, os “apocalípticos” e os “integrados”, na perspectiva descrita por Umberto Eco para definir contingentes inseridos na moderna comunicação de massa e seus opostos.
Ser assessor da imprensa, na época, equivalia a ter estampado na testa o selo “vendido aos capitalistas”. Diante dessa moldura, como professor iniciante na ECA, tive a ousadia de enfrentar o “paredão da moralidade”, ou seja, a bateria de preconceitos contra o capital. A clivagem ideológica respirava padrões antigos: a luta de classes. As relações capital-trabalho se apresentavam como um jogo de soma zero, com a vitória de um empatando com a morte do outro. Parceria e integração eram verbetes abolidos das páginas da negociação coletiva. Os manuais de trabalhadores e empresários continham alfabetos opostos.
Era, portanto, um desafio inimaginável alguém da área acadêmica optar por um exercício reflexivo na área das “empresas capitalistas”, sobretudo quando a reflexão abarcava o terreno da comunicação, e, pior, quando esta ocorria na esfera do maior centro de produção científica do país, um polo da excelência do pensamento, a USP. Fui em frente. Criamos a disciplina de assessoria de imprensa. E, logo depois, a de jornalismo empresarial. Alguém dizer na universidade que trabalhava em jornalismo empresarial era demonstrar que estava “vendido ao capitalismo internacional”. Foi assim que consolidamos na USP o estudo da comunicação organizacional.
(Hoje, o mercado de assessoria de imprensa concentra mais de 70% das oportunidades de trabalho para jornalistas. Trata-se da maior empregadora do mercado jornalístico, atraindo tanto recém-formados como profissionais experientes, saídos das redações em função da crise que abala os grandes veículos.)
Se a escolha pelo jornalismo empresarial enfrentava dúvidas quanto à importância desse tipo de atuação, a opção pelo mesmo campo como objeto de estudo acadêmico trouxe reações virulentas. Nos anos 1970, como frisei, o jornalismo empresarial era indissociável de tendências ideológicas.
Jornalismo na Proal
Quem nos ajudou nesse desafio foi a Proal, na qual desenvolvia minha atividade jornalística em paralelo ao magistério na USP e na Cásper. A prática no campo do jornalismo empresarial impunha questões diferenciadas da prática na grande imprensa. Nos veículos empresariais, o desafio era encontrar uma forma de levar um conteúdo hermético para um público leitor de diferentes padrões culturais. As tentativas de solucionar esse desafio renderam bons frutos.
A saída para levar os assuntos mais complexos ao heterogêneo público leitor dos veículos empresariais foi a adoção de estruturas criativas para as matérias. Lembro o caso do jornal interno (Panorama) da General Motors. Para explicar a produção de um carro, fazíamos analogia com o corpo humano. Cada área da produção era associada a uma parte da anatomia humana. A mesma estrutura foi adotada em matérias de outros jornais de empresa, como o da Cosipa (O Chapa), também sobre o processo de produção. Outra característica relativa aos jornais e revistas de empresa era a angulação das matérias. Que se concentrava na glorificação das empresas. Era na verdade um jornalismo empresarial muito voltado para os dirigentes, e com o objetivo de mostrar a cara dos presidentes de empresas, acentuar os padrões da empresa, “uma ilha de felicidade”. Mudamos essa abordagem.
Toda a nossa experiência desenvolvida no jornalismo empresarial e, posteriormente, na comunicação organizacional, pode ser entendida como uma extensão do esforço da Proal para profissionalizar o mercado. Para tanto, contávamos com o acervo dos Cadernos Proal (relato mais adiante). Teoria e prática caminharam em paralelo, eis a característica que orientaram os nossos passos.
Nossa atuação permitiu-nos realizar o duplo exercício de editores e de repórteres de publicações empresariais. Os profissionais que pensavam os melhores caminhos para a estruturação de uma matéria, que idealizavam as publicações, eram os mesmos que produziam os textos. Foi uma rica experiência.
Feras na equipe
Figuras da Proal: Silvestre Pedro da Silva, ex-Folha; Luiz Novaes, também ex-Folha. Na grande imprensa, foram ambos bem-sucedidos. Silvestre dedicou-se à fotografia de flores e frutas, tornando-se um dos maiores especialistas brasileiros nessa área. Tem diversos livros publicados. Luiz Novaes, depois de grande tempo na Folha, está aposentado. Hoje, produz sua cachacinha artesanal.
O time de bons e experientes jornalistas se completava com Antônio Caraballo, Ana Maria Cicaccio, Estela Lemke, Luiza Helena Vilas Boas Russo (que deixou o jornalismo para exercer a medicina), Olga Maria, Dora Dimand, Danilo Pereira, Danilo Agrimani e Marino Maradei, que também trabalhava no Jornal da Tarde. Na parte da produção gráfica e diagramação, o talento de Cesar Camarinha e do produtor gráfico Serginho, que contavam com o apoio de Valdemar na finalização da arte e Severino dos Ramos Araújo no paste-up e arte final. O braço direito de Chaparro na frente administrativa era Rubens Ferrari, enquanto a área comercial, administrativa e financeira ficava sob a responsabilidade do gaúcho e sócio Luiz Carrion.
Com essa equipe, o jornalismo empresarial na Proal ganhava sistematização, organização, produção profissional. Experiências que até então se davam na área do jornalismo especializado eram dispersas e amadorísticas. Nosso desafiante projeto era o de produzir jornais de empresa à moda dos grandes veículos.
O Cepeje, uma espécie de foro para debater e pensar o jornalismo, nos ajudava a avaliar tendências, apontar alternativas para o mercado de trabalho. Necessitávamos de um canal, um instrumento que pudesse canalizar as discussões e servir de ponte entre a Proal, o mundo acadêmico, a categoria jornalística e o mercado de trabalho.
Fazíamos, assim, de nossa pequena empresa uma extensão da universidade. Convidávamos professores e pesquisadores para discutir densas pautas sobre jornalismo e comunicação. Passamos a ser considerados um passo avançado no mercado.
A Proal passou a contar com a colaboração de um dos mais sérios estudiosos do jornalismo, o Carlos Eduardo Lins da Silva, hoje consagrado mestre, redator principal dos Cadernos Proal, que passou a veicular estudos e debates. Depois, Carlos Eduardo migrou para a Folha, a convite de Otavio Frias Filho, que o conheceu por causa de uma boa entrevista concedida para uma de nossas edições. Carlos foi, depois, secretário de redação e ombudsman do jornal, tendo sido o principal responsável pela elaboração do manual de redação da Folha.
O projeto na prática
Periodicamente, a Proal organizava animados grupos de discussão. No nosso espaço, acolhíamos jornalistas de bom conceito, como Carlos Monforte, que assessorava o órgão do governo de São Paulo responsável por obras (cliente da Proal), o professor José Marques de Melo, a professora Cremilda Medina, entre outros. Sob a proposta de debater o jornalismo especializado, lançamos, em junho de 1971, o primeiro número dos Cadernos Proal.
É oportuno reconhecer que tínhamos como espelho os Cadernos de Jornalismo e Comunicação de O Jornal do Brasil. Um marco na história do jornalismo brasileiro. (Lembremos que o Jornal do Brasil foi a maior referência de qualidade jornalística do jornalismo nacional, principalmente durante o longo período em que sua redação foi dirigida por um dos maiores jornalistas, o grande Alberto Dines. A era Dines fez história. Lançado no dia 9 de abril de 1891, o Jornal do Brasil chegou ao seu período áureo [fins dos anos 1950 até a primeira metade dos 1980] marcado por uma inovadora reforma gráfica, consolidada e aprimorada durante os tempos de Dines. O JB influenciou não só os outros jornais, mas também uma geração de jornalistas vindos de diversas regiões do Brasil. Foi o guia de toda uma geração de jornalistas, entre os quais posso me incluir.)
Pinço esse depoimento de um texto de Mariluce Moura e Carlos Eduardo Lins da Silva, na Pesquisa Fapesp, sobre a contribuição de Alberto Dines ao jornalismo no Brasil:
A considerável contribuição abriga desde os Cadernos de Jornalismo e Comunicação editados pelo Jornal do Brasil nas décadas de 1960 e 1970, ao clássico O Papel do Jornal, livro de 1974, do exame acurado a que submeteu os veículos de comunicação brasileiros na coluna Jornal dos Jornais da Folha de S. Paulo, na segunda metade dos anos 1970; ao contemporâneo Observatório da Imprensa, iniciado no final dos anos 1990. Dines tem feito e ao mesmo tempo pensado com rigor o jornalismo brasileiro, quase ininterruptamente, há seis décadas. Isso em paralelo a toda a sua experiência em organizar redações, de par com a capacidade de inventar veículos. E, claro, nos breves intervalos, escrever livros soberbos, como Morte no Paraíso, de 1981, e Vínculos do Fogo, de 1992, biografias de Stefan Zweig e de Antônio José da Silva, o Judeu, respectivamente.
O formato dos Cadernos Proal, em sua primeira fase, assemelhava-se ao formato dos Cadernos de Jornalismo e Comunicação do JB, de 22,5 cm (altura) x 16 cm (largura).
Objetivos e métodos
O propósito dos Cadernos Proal estava anunciado no texto de apresentação: “Partir para a institucionalização definitiva desse tipo de jornalismo especializado”. Ali estava registrada a criação do Cepeje, um setor dedicado ao estudo desse segmento. O embrião dessa ideia surgiu por ocasião do Segundo Congresso Brasileiro da Associação Brasileira dos Editores de Revistas e Jornais Empresariais (Aberje), que se transformou, depois, em Associação Brasileira de Comunicação Empresarial.
A Aberje foi criada em 1967 por um grupo de profissionais que atuavam em comunicação empresarial, tendo à frente Nilo Luchetti, chefe de relações sociais da Pirelli e editor da revista Notícias Pirelli. Em sua primeira fase, a entidade concentrou-se na profissionalização das publicações de empresas.
Pois bem, naquele congresso apresentamos os fundamentos centrais do jornalismo empresarial, material veiculado no primeiro número dos Cadernos Proal: “Jornalismo empresarial: objetivos, métodos e técnica”.
Ali se apresentavam os “Mandamentos do jornalismo empresarial”.
1 – O veículo deve ter seus objetivos claramente definidos;
2 – As regras gerais do jornalismo adaptam-se perfeitamente ao jornalismo empresarial;
3 – Para ganhar um tratamento profissional, o veículo deve ser entregue a profissionais;
4 – Cada edição deve ser planejada para que a qualidade possa ser previamente garantida;
5 – A qualidade gráfica do veículo pode vender uma boa imagem da empresa;
6 – Para o veículo entrar nos hábitos do leitor deve ter periodicidade regular;
7 – A distribuição do veículo garante também o seu sucesso;
8 – Veículo que não muda pode criar desinteresse.
Esse primeiro conjunto de regras simples passou a nortear as nossas atividades na Proal, numa época carente de teoria. O “mandamento” número 3, por exemplo, refletia uma polêmica vivida pela área de comunicação: a discussão sobre que profissional deveria assumir a responsabilidade pelos veículos internos de uma empresa. Os profissionais de relações públicas tinham conquistado tal espaço, seguindo uma tradição já consolidada nos países da Europa e nos Estados Unidos. Ao sistematizar o campo, vinculei-o à área jornalística, abrindo intensa polêmica com a área de relações públicas.
Horizonte ampliado
As publicações, sob a ótica das RPs, apresentavam muitos problemas. Dizíamos nos Cadernos Proal: “O amadorismo tem quase sempre horizontes curtos e, com a melhor das intenções, comete pecados que empobrecem a publicação, tais como: a) promoção exagerada e ingênua das pessoas; b) redação rebuscada e prolixa, fruto da limitação ou do excesso de imaginação não disciplinada pela técnica; c) o artificialismo, quando não a pieguice, predominando o estilo, sobrepondo-se à objetividade; d) a exaltação de detalhes sem significado, em prejuízo do entendimento ou da informação global do assunto; e) a utilização exagerada de uma adjetivação pomposa e exuberante”.
Com direcionamento específico para o jornalismo empresarial, os Cadernos Proal duraram até 1977. Da primeira fase, quatro Cadernos foram editados, todos eles voltados para o jornalismo empresarial e para as técnicas da reportagem.
Na segunda fase, durante o ano de 1978, a publicação abriu-se para acolher uma pauta mais densa, posicionando-se como um veículo especializado em comunicação de massa, aí entendido não só o jornalismo, como também publicidade, televisão, cinema, rádio, relações públicas, entre outros campos. A publicação passou, então, a se chamar Cadernos de Comunicação Proal, cuja pauta, conforme se lia na capa, se propunha a abrigar Estudos, Debates e Análises de temas e Comunicação de Massa. Espelhamo-nos em Press Actualité, uma revista francesa dedicada a estudos sobre a imprensa, com seu formato mais quadrado. Os Cadernos Proal tinham, na segunda fase, 20 cm (altura) por 18 cm (largura).
A primeira edição dessa nova etapa foi apresentada por editorial comentando a mudança de foco:
Em sua nova fase, Cadernos Proal deixa a vereda do jornalismo empresarial para se embrenhar por caminhos mais largos, campos mais densos. A proposta fundamental dos Cadernos é a de abarcar a multiplicidade de linhas que tecem a complexa área da comunicação, numa perspectiva de debate e discussão aberta, com a finalidade de apresentar ao universo de profissionais e estudantes de comunicação uma literatura de apoio e orientação a suas atividades (…). Em sua programação, poderão ser vistos trabalhos inéditos, principalmente da área de pós-graduação, além de artigos encomendados a especialistas do Brasil e do exterior.
Nessa primeira edição, escrevi sobre o modelo brasileiro de comunicação, fazendo pontuações como esta: “Somos demasiadamente liberais nas questões ligadas a crimes, catástrofes ou escândalos do mundo das vedetes (…). Em algumas faixas de conteúdo, procuramos seguir o princípio da responsabilidade social (…). E, em outras áreas, (…) aplicam-se os princípios do autoritarismo de Estado”. Há ainda uma matéria sobre as escolas de comunicação e uma sobre a criação da figura do ombudsman na imprensa americana; uma crítica assinada pelo jornalista Rubens Ewald Filho a respeito do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos (de Bruno Barreto, 1976); e um artigo técnico sobre a “narrativa do jornal de empresa”.
Pauta variada
Nas edições seguintes, a pauta variada incluía um texto sobre a reportagem e a realidade brasileira, juntando entrevistas com grandes repórteres e editores da época, como José Carlos Marão, que chefiava a redação de Quatro Rodas; Murilo de Carvalho, responsável pela Cena Brasileira de Movimento, afamado veículo alternativo; Mino Carta, ex-chefe de Veja, Isto É e Jornal da Tarde; e Eurico Andrade, da revista Realidade. Ainda no Caderno, ampla matéria sobre propaganda social; Otavinho e Julinho, herdeiros da Imprensa, texto de Carlos Eduardo; uma análise do novo currículo de comunicação; o perfil do mestre Câmara Cascudo e do historiador Paulo Duarte; o balanço da Música Popular Brasileira, de 1967 a 1977; um estudo em profundidade sobre a imprensa brasileira, feito por José Salvador Faro; além de outras matérias sobre o jornalismo e cinema, de Rubens Ewald Filho; e uma análise sobre comunicação e dominação, a cargo do professor Luiz Beltrão.
Nas edições seguintes – terceira e quarta –, um amplo estudo sobre televisão e criança, resultado de um debate promovido pela Proal, na USP, oportunidade em que trouxe ao Brasil um dos mais renomados pesquisadores do tema, o professor Charles Atkin. O encontro reuniu professores de educação, escritores, pesquisadores, jornalistas, publicitários, como Mário Altenfelder, Roberto Duailibi, Alfredina de Paiva e Souza, Maria Helena Souza Patto, Tatiana Belinky, Lauro de Oliveira Lima, Carmen Fagundes, Fúlvia Rosemberg, Glauco Carneiro, José Marques de Melo e Carlos Eduardo Lins da Silva. Tornou-se referência nos estudos sobre o impacto da TV no desenvolvimento da criança.
A experiência da Proal e dos Cadernos Proal entrou nas salas dos cursos de jornalismo, editoração, relações públicas, publicidade e propaganda, da ECA. Explico. Entrei na ECA, por concurso, em 1969. Ali, ministrei diversas disciplinas técnicas de jornalismo, sempre sob a batuta de José Marques. À medida que fomos estendendo e adensando as nossas práticas de jornalismo empresarial, passamos a sentir a necessidade de levá-las para os bancos universitários.
E, assim, a USP foi pioneira na criação da disciplina “jornalismo empresarial”, sob minha responsabilidade. Estava lançada a semente de uma floresta que iria germinar árvores frondosas, frutos diversificados e muita discórdia. Depois, a disciplina passou a ser ministrada, também, para alunos dos cursos de relações públicas, publicidade e propaganda da ECA.
Competição acirrada
Grande polêmica instalou-se no mercado e na academia. Como disse anteriormente, jornalistas eram acusados por profissionais de relações públicas de “invadirem” territórios que consideravam seus, no caso, a produção de publicações de empresa. Até a área de assessoria de imprensa era motivo de disputa entre profissionais dos dois campos. Nos domínios do sindicato dos jornalistas e dos conselhos de profissionais de relações públicas, desenvolvia-se feroz discussão em torno do jornalismo empresarial. Confesso que, desde os primórdios, sempre tive a resposta na ponta da língua para essa questão: “Quem tem competência se estabelece, seja profissional de relações públicas, seja jornalista”. Considerava adjetiva tal questão. Substantiva, mesmo, devia ser a tarefa de ampliar os limites da comunicação empresarial.
Em 1973, apresentei a primeira tese de doutorado no Brasil no campo do jornalismo e da comunicação empresarial, que desenvolvia o escopo apresentado no primeiro ensaio sobre o tema. É claro que fui muito influenciado pela experiência vivida nos Cadernos Proal. Vale lembrar que o mercado brasileiro começava a oferecer boas perspectivas. De um lado, sentia-se a necessidade de as empresas desenvolverem publicamente a identidade, na tentativa de criar imagens compatíveis e adequadas ao surto de modernização.
De outro, impunha-se a meta de integração interna, tradicionalmente perseguida pelos programas do setor de recursos humanos, mas não necessariamente com a eficiência que o mercado e a sobrevivência da empresa requeriam. A partir dessa dupla escala de necessidades, desdobravam-se os esforços e, em consequência, as visões diferenciadas em torno das estruturas capazes de assumir com maior competência as missões corporativas de planejamento e execução das ações de comunicação.
As sementes da Proal e dos Cadernos brotaram nas mais diferentes frentes do mercado da comunicação especializada, na universidade, na pesquisa, enfim, na densa agenda dos estudos e pesquisas de comunicação em nosso país.
Um a um, os velhos preconceitos contra as assessorias de imprensa e o jornalismo empresarial foram caindo e as disputas entre relações públicas e jornalistas refluíram, principalmente porque o corporativismo dos respectivos setores cedeu lugar ao fator competência. As empresas começaram a contratar profissionais pelo critério da qualidade profissional, não mais exigindo qualificações exclusivas das áreas da comunicação. Nas empresas, os modelos tornaram-se mais complexos, com a emergência de subáreas no sistema de comunicação.
Parceria necessária
Os setores de marketing, historicamente arredios, aproximaram-se da comunicação empresarial em função da necessidade de conceber e executar programas e projetos em parceria. Por fim, até os mais resistentes “pensadores” contrários à atividade da comunicação empresarial foram obrigados a rever suas posições. Alguns deles chegaram a ingressar em órgãos públicos para desenvolverem programas de comunicação empresarial que abominavam.
No final da década de 1970, no âmbito das organizações, percebia-se forte ênfase aos valores do associativismo e da solidariedade, modo de “esquentar” o clima interno. A função da comunicação como alavanca de mobilização aparecia como eixo da mobilização dos trabalhadores em torno da meta de dar o melhor de si à organização. Do ponto de vista externo, a propaganda continuava a lapidar a imagem institucional. Notava-se, ainda, sorrateira disputa entre as diversas áreas – recursos humanos, relações públicas, marketing, vendas e jornalismo – para comandar o sistema de comunicação. Os primeiros modelos corporativos começavam a aparecer.
Em 1983, esbocei, em minha tese de livre-docência, um modelo sistêmico para abrigar as áreas da comunicação empresarial. Já não me conformava em tratar exclusivamente de jornalismo empresarial apenas uma vertente entre as dez abarcadas pela comunicação. Registrei os alicerces para o entendimento das tipologias organizacionais, a partir do sociólogo Amitai Etzioni, que fundamenta sua visão nos poderes remunerativo, normativo e coercitivo. Acrescentei mais um: o poder expressivo. Ou seja, a obtenção de eficácia organizacional, que se dá por meio da aceitação, do engajamento e da participação do trabalhador no processo produtivo, não se dá apenas por meio do salário, do castigo ou da norma. Dá-se também por meio da comunicação. Que exerce uma função-meio para obtenção de uma função-fim.
Vislumbrei a hipótese e passei a desenvolvê-la na academia e no mercado.
Em palavras finais, a semente jogada pela Proal frutificou. A grande árvore da comunicação organizacional exibe, hoje, fortes galhos semeados pelo adubo de um pequeno e pioneiro empreendimento.
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Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP (aposentado), consultor político e dirige a GT Marketing e Comunicação.