Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Não existem mais dispositivos “pessoais”

Mark Zuckerberg não mediu palavras para declarar que a era da privacidade acabou. O diagnóstico interessa ao Facebook.

A empresa, avaliada em mais de US$ 100 bilhões, vive de facilitar o compartilhamento de dados pessoais, de fotos a currículo profissional. Isso na superfície.

Por trás das cortinas, os dados dos usuários são processados, gerando uma biografia permanente que analisa padrões de interação com outras pessoas, sites, buscas, compras e mais. Revela o corpo e a alma da pessoa.

O caso Carolina Dieckmann apenas expõe de forma dramática um problema geral: o que fazer quando a informação é tão fácil de ser disseminada?

Não se sabe ainda ao certo como as fotos da atriz saíram de um dispositivo pessoal (celular, tablet ou computador) e foram parar no espaço público da rede. Essa é a raiz do problema. Não existe mais dispositivo “pessoal”. Tudo que se conecta à rede é, em alguma medida, público. O problema é a ficha cair.

Há quatro meses foi descoberto que o iPhone permitia a aplicativos acessar e copiar as fotos nele contidas, sem aviso prévio.

Lei específica

Alguém pode ter sido Carolina Dieckmann sem saber. Em outro incidente, descobriu-se que o aparelho registrava os deslocamentos do usuário, também sem avisar.

Esse é um desafio a ser enfrentado pelo direito. O Brasil protege a privacidade na Constituição Federal.

Mas, paradoxalmente, não há lei específica que regule o tema no país. Com isso, os limites de atuação do judiciário não são claros.

Está em elaboração um anteprojeto de lei para regular a proteção de dados pessoais, feito pelo Ministério da Justiça. Ele não vai resolver todas as questões: a informação vai continuar fugidia.

No entanto, pode servir de indutor para melhorar práticas públicas e privadas no tratamento dos dados.

Como incentivar as empresas de tecnologia (incluindo fabricantes de celulares, provedores e sites) a aperfeiçoar suas práticas de segurança relativas a dados privados.

É uma estratégia similar ao que vem sendo feito nos EUA. A Casa Branca redigiu um documento com princípios de privacidade (ele começa dizendo que a privacidade nunca foi tão importante).

A expectativa é que ajude a promover autorregulação. Se não funcionar, a disposição é adotar uma lei específica por lá também. Até que isso aconteça, a responsabilidade pela proteção dos dados fica em grande parte com o próprio usuário. Enquanto for assim, informação e bom senso são aliados.

***

[Ronaldo Lemos é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha de S.Paulo]