Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Muito além do senso comum

Os números do Censo 2010 consolidam o retrato de um Brasil indígena que está muito além de certos chavões e mostram que o país precisa repensar as imagens que representam de forma mais fiel a realidade desses povos. Desde que o instituto divulgou, há alguns meses, os primeiros dados sobre esse levantamento, já se percebia que o Brasil tem, hoje, mais indígenas no Centro-Sul e no Nordeste do que na Amazônia Legal. Dos cinco estados com maior população indígena, três estão fora da Amazônia: Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco.

Ainda assim, para boa parte da população urbana de São Paulo ou Rio, a imagem mental do que seja um índio “de verdade” está muito mais próxima de um xinguano ou um yanomami do que de um guarani ou um pataxó. Ocorre que os índios amazônicos têm à sua disposição, hoje, mais de 98% das terras indígenas existentes. Já os indígenas não amazônicos, pouco mais de 50% do total, têm menos de 2% das terras. Em algumas regiões, como a Bahia ou Mato Grosso do Sul, o processo de demarcação de terras é conflituoso e se encontra indefinido até hoje.

Não surpreende, assim, que o IBGE agora mostre que 379.534 indígenas moram fora das terras indígenas. No Centro-Sul e no Nordeste, milhares migram ou residem temporariamente nas cidades por absoluta falta de condições de sobrevivência nas exíguas terras disponíveis. No Norte também é significativa a presença de indígenas nas cidades. Muitas vezes, essa mobilidade está relacionada à busca pelo acesso a serviços públicos.

Condições de sobrevivência

O critério da autoidentificação, considerado “soberano” pelo IBGE, sem que se buscasse enquadramento em listas pré-existentes, fez com que a pesquisa chegasse a números surpreendentes de etnias, 305, e línguas, 274.

O resultado deve ser visto como a prova de que continua vigorosa e desafiadora a sociodiversidade brasileira. Ainda há muito para ser pesquisado. Que mais pessoas se identifiquem como indígenas é um dos efeitos do fato de que, hoje, declarar essa herança cultural é motivo de orgulho, e não de vergonha ou temor, como décadas atrás, em tempos de autoritarismo.

Que o Brasil tenha nobreza suficiente para dar condições de sobrevivência a toda essa riqueza humana.

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[Spensy Pimentelé pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da USP]