Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma pesquisa preconceituosa

Ao discutir a diferença entre estudantes brancos e negros no Brasil, a imprensa presta um serviço ou reforça o preconceito de cor no país? A pergunta é sugerida pela leitura da matéria de domingo (12/8) do jornal O Estado de S.Paulo, distribuída pela Agência Estado a jornais de todo o país. No título, lemos: “Aluno branco de escola privada tem nota 21% maior que negro da rede pública”. Embora o título fale em diferença de 21%, a matéria esclarece que o rendimento de todos os estudantes – brancos ou negros – de escolas públicas é inferior em 17% ao de alunos das escolas particulares.

A publicação da pesquisa sobre as diferenças foi motivada pela aprovação da Lei de Cotas: “O projeto, que precisa ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, prevê que 50% das vagas das universidade federais sejam reservadas para alunos da escola pública – respeitando critérios de renda e reservas proporcionais por Estado para pretos, pardos e indígenas”.

O próprio Estadão traz o comentário de um estudante beneficiado pela Lei de Cotas para entrar na universidade: “Se eu tivesse tido uma formação adequada, passaria direto. Ainda assim, acho que cotas é como tentar tapar um buraco mais profundo.”

Esse buraco mais profundo merecia ser discutido com seriedade pela imprensa. Os exemplos de diferenças não faltam. Existem escolas e creches que aceitam crianças a partir de um ano, cobram em torno de mil reais por mês e oferecem aulas bilíngues, acesso ao dia a dia da criança pela internet e entregam aos pais, no fim da semana, um vídeo com todas as atividades dos filhos. Enquanto isso, os pais e mães pobres, que precisam deixar os filhos numa creche para poderem trabalhar, chegam a esperar mais de um ano por uma vaga nas escolinhas da periferia das grandes cidades.

Um passo

Dizer no título da matéria que os negros têm um rendimento menor que os brancos só vai dar argumentos para quem é contra a Lei de Cotas. A cor da pele é apenas um dado que reflete a situação dos negros no Brasil, como disse Priscila Cruz, diretora da organização Todos Pela Educação: “Na questão econômica, a explicação é que entre os pobres, os negros são os mais pobres. O lado pedagógico refletiria a baixa expectativa. Em uma sala de aula, se uma criança negra começa a apresentar dificuldade, a professora desiste de ensiná-la muito mais rapidamente do que desistiria de um estudante branco.”

Danielle Ferreira, diretora de Combate ao Racismo do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal da Bahia, afirma que “a cota é um instrumento de reparação, que permite o acesso à universidade de segmentos da sociedade até então alijados desse processo”.

A Lei de Cotas é apenas um passo. O que a imprensa pode cobrar do governo são os passos seguintes: uma melhora efetiva do ensino público no Brasil. E evitar que alunos brancos das escolas públicas não acabem desejando ter nascidos negros e pobres, como caminho garantido para uma vaga nas universidades brasileiras.

Do jeito que está, isso é o que vai acabar acontecendo.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]