Tive oportunidade de assistir a uma palestra do cineasta e pesquisador Joel Zito na terça-feira (28/8). Sempre trabalhei na área da diversidade. No entanto, os dados apresentados por ele durante o evento me impressionaram. Ele ressaltou que a pesquisa que deu origem ao livro O Negro da TV Pública revelou que dos 172 programas de variedades exibidos durante uma semana nas principais TVs públicas do país (TVE do Rio, TV Cultura São Paulo e TV Nacional do Sistema Radiobrás) somente três tiveram a cultura negra como tema principal, ou seja, 1% da programação. Foi desvendado também que os eurodescendentes ocupam 86% dos postos de apresentadores/as e 93,3% dos cargos de jornalistas.
Seria a TV brasileira mais branca do que pensamos? O país que hoje tem mais de 50% da população negra, conforme dados do IBGE, retrata nas suas telas uma inverdade. A falta de representatividade do negro também se repete dentro do Congresso Nacional. Pesquisa recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) demonstra que o perfil do parlamentar brasileiro é formado por homens brancos e com ensino superior.
Até quando o Brasil vai mascarar suas faces? Um dia desses estava conversando com um amigo sobre a aprovação das políticas de cotas, que ocorreu no Senado Federal no início de agosto, e ele afirmou ser totalmente contra. Eu, sabendo que ele é um homem branco de classe social alta, resolvi não entrar em uma discussão mais severa. No entanto, perguntei-lhe o seguinte: quantos amigos negros você teve na escola, quando era criança? Sem surpresa para mim, mas talvez uma timidez, somente timidez para meu amigo, ele respondeu que não se lembrava de nenhum colega negro/a.
Estímulo para a mídia
Resolvi me calar naquele momento por saber que a negação dessa camada da sociedade não seria solucionada com o meu grito, já que todo o contexto faz parte de uma violação contínua dos direitos dos negros/as brasileiros. O que me interessa é participar dos bastidores dessa discussão e saber que faço parte de uma parcela da população que tem a oportunidade de ter um olhar diferenciado e ter consciência da importância da representação da diversidade nos veículos de comunicação e em todos os espaços de poder.
Sobre a falta de representatividade, lembro-me também de quando fui ser coordenadora de comunicação do esporte paraolímpico brasileiro em 2003/2004. Minha equipe teve uma dificuldade imensa para tratar do tema, pois primeiro tínhamos que explicar o que era o esporte paraolímpico (hoje chamado de paralímpico) para os profissionais da redação e depois enfrentávamos a dificuldade de aceitação deles em relação ao assunto. Não sei se existe uma pesquisa sobre o retrato da pessoa com deficiência nos veículos de comunicação. O que tenho conhecimento é que mais de 14% da sociedade brasileira possui algum tipo de deficiência, também de acordo com dados do IBGE.
Sobre essa experiência, vale dizer que tive a oportunidade de desenhar o plano de comunicação da instituição para os Jogos Paraolímpicos de Atenas e foi triste colocar como estratégia o estímulo para a mídia. O CPB teve que pagar as passagens, hospedagens e até mesmo diárias para incentivar os veículos de comunicação para a cobertura dos Jogos de Atenas, em 2004. O único veículo que se custeou, na época, foi a Rede Globo.
Todos são diferentes
Em Atenas, a equipe que trabalhou na comunicação teve a oportunidade de conhecer grandes campeões do esporte e da vida. Eu estava vivendo um marco na cobertura jornalística do esporte paraolímpico e o Brasil inteiro pôde acompanhar os feitos de Clodoado Silva, um nadador parolímpico de origem pobre e cadeirante, que hoje é ídolo de várias pessoas devido à cobertura que foi realizada. Naqueles jogos, foram seis medalhas de ouro e recordes mundiais e parolímpicos. Era a prova de que a diversidade teria que estar na linha editorial do esporte.
No entanto, hoje (29/8) dia em que começa a edição dos Jogos Paraolímpicos de Londres, percebi que os jornais estão publicando algumas matérias tímidas – e tudo isso porque o CPB ainda utiliza a mesma política de convidar os jornalistas com todos os custos pagos pela organização. Mesmo pagando para se ter uma cobertura jornalística, as capas de jornais como Folha de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense não trouxeram o assunto como abordagem principal. Será que se os nossos atletas um dia forem os primeiros no quadro de medalhas paralímpicos teremos espaço na manchete principal para falar sobre o assunto? Porque os paraolímpicos ficaram em 9º no quadro geral de medalhas em Pequim e hoje ainda temos que incentivar financeiramente os veículos de comunicação para cobrirem os Jogos.
Quando o Brasil vai saber retratar proporcionalmente a raça do seu povo, seu multiculturalismo e suas diferenças nos veículos de comunicação? Meu sonho é poder ver uma apresentadora negra e nordestina no principal jornal televisivo do Brasil. Meu sonho é um dia poder saber que um atleta paraolímpico ganha o equivalente ao que recebe um atleta olímpico. Meu sonho é saber que as escolas estão preparadas para receber pessoas diferentes e encarar essas diferenças como eficiência. Afinal, como diz o velho chavão: todos são diferentes.
As máscaras da mídia
Tive a oportunidade de desenvolver um trabalho que repercutiu dentro do esporte paraolímpico e hoje, cada vez que escuto algo sobre o assunto, fico emocionada, pois o Brasil já conhece o que é esporte paraolímpico devido à luta de muitas pessoas que trabalham na área. As lutas da sociedade civil pelo reconhecimento de segmentos da sociedade, como os negros/as e as pessoas com deficiência, continuam a todo vapor. É certo que assistimos a um período de mudanças sociais, política e econômicas que permitiram a redução das desigualdades e inclusão. Ainda é muito pouco. Essas políticas não se refletem nas políticas de comunicação do nosso país.
Ao encontro de tudo isso, vale lembrar que foi lançada na segunda-feira (27/8), a campanha nacional “Para expressar a liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, que visa a construir um novo marco de regulação da comunicação. A intenção é mudar o histórico de negação da pluralidade na mídia brasileira. Esse é um passo que pode ajudar a transformar as máscaras que foram criadas na mídia e que, indiretamente, são repassadas para o povo brasileiro. Talvez essa luz possa iluminar o caminho da representação da diversidade do povo brasileiro. Enquanto isso, dependeremos de poucas iniciativas de sucesso dos veículos.
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[Gisliene Hesse é jornalista, antirracista, mestre em comunicação pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e ex-coordenadora de comunicação do Comitê Paraolímpico Brasileiro]