O governo da Argentina deverá redesenhar todo o setor de mídia eletrônica do país, redistribuindo as concessões de TV aberta e paga, a partir de 7 de dezembro deste ano. A data marca o dia em que o Clarín, principal grupo de mídia e rompido com a Casa Rosada desde 2008, deixa de estar amparado por uma liminar que impede a vigência plena da lei de mídia, aprovada em 2009.
A lei, conhecida no país como Ley de medios, foi proposta pela presidente Cristina Kirchner logo após sua derrota nas eleições parlamentares de 2009 e foi concebida para reduzir a presença do grupo no setor. Mas o Clarín obteve uma medida judicial suspendeu o artigo 161 da lei, que obriga os grupos que excedem os limites de concentração de mercado a se desfazerem de ativos.
Nenhum dos concorrentes do Clarín está enquadrado na lei, que limita a concentração a 24 licenças para operar a TV a cabo, cobrindo no máximo 35% do país. O Clarín excede sete vezes este número e detém 47% das assinaturas. No dia 7 de dezembro, o governo deverá intervir nas empresas do grupo e licitar as licenças excedentes. Mas, para garantir o sucesso da intervenção, terá que coordenar operações de ajuste nos conglomerados que são possíveis compradores.
Grupo Clarín aumentou o tom crítico
O controle da Casa Rosada sobre o setor irá aumentar. Todo o movimento de compra e venda de licenças de TV paga e aberta terá que ser aprovada pela agência reguladora comandada diretamente pelo governo. “Qualquer interessado terá que fazer uma substituição de ativos, vendendo licenças e emissoras por todo o país para ter a capacidade de herdar a parte que sairá do Clarín”, disse o ex-secretário nacional de concorrência Carlos Winograd. A lei estabelece ainda outras limitações. Quem fornece o serviço de TV a cabo está limitado a ter um único canal de conteúdo. Grupos estrangeiros não podem participar do setor como majoritários.
O Clarín faturou no primeiro semestre deste ano US$ 1,2 bilhão. Deste total, 66% vieram da TV a cabo. O jornal impresso responde por 21% do faturamento. Os restantes 13% são de serviços digitais, TV aberta e rádio. A grande expansão do grupo aconteceu durante o governo de Néstor Kirchner, o marido e antecessor da presidente Cristina Kirchner, falecido em 2010. Mas o grupo de mídia e o governo romperam em 2008, quando uma mobilização comandada por fazendeiros impediu o governo de aumentar a tributação do setor. O Clarín e outros jornais apoiaram as manifestações, que levaram à mais grave derrota parlamentar sofrida pelo kirchnerismo.
Na semana passada, o governo veiculou comerciais na TV afirmando que irá intervir e licitar as licenças excedentes do grupo ainda neste ano. O Clarín respondeu em comerciais onde acusa o governo de violar garantias constitucionais. Nos últimos meses, o grupo aumentou o tom crítico contra o governo em seus programas na TV.
Liminares têm prazo de vigência
Segundo Winograd, a limitação no número de licenças da Ley de medios retira economia de escala para o setor continuar se ampliando. Os investimentos ainda são coibidos pela proibição de convergência de mídia: as empresas que fornecem o serviço de TV a cabo estão impedidas de entrarem nos setores de telefonia e vice-versa.
O Clarín esteve protegido da lei até maio deste ano, quando a Suprema Corte decidiu que a liminar que suspendia o artigo que exigia a venda de ativos iria vigorar apenas até 7 de dezembro, independentemente da decisão final sobre a constitucionalidade da exigência.
A decisão do Judiciário criou um impasse: o governo sustenta que o artigo 161 deve entrar imediatamente em vigor e o Clarín afirma que a partir de 7 de dezembro começaria a ser contado o prazo legal de um ano que o grupo teria para se adequar. “Do ponto de vista jurídico, é pouco provável que o artigo seja declarado inconstitucional e do ponto de vista político, o governo poderá fazer um ato de força. Pela primeira vez e unicamente neste caso, o Poder Judiciário estabeleceu que suas liminares têm prazo de vigência”, afirmou o advogado do setor Andrés Gil Domínguez.
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[César Felício, de Buenos Aires, do Valor Econômico]