Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Limites à frágil democracia brasileira

Segundo Max Weber, uma das características que definem o Estado é o monopólio da violência. Para o sociólogo alemão, esta instituição central das sociedades modernas possui a exclusividade do uso da força física dentro de um território. Trata-se de um uso da força que é legitimado, posto que aceito pelo conjunto da sociedade. Mas não há o risco de esse uso ser abusivo? A resposta para essa pergunta parece ser fácil. Sim, esse risco existe. Consequentemente, ela provoca nova indagação. O que fazer então? A resposta que tem sido dada pelas democracias contemporâneas é a seguinte: exercer o controle social do monopólio da violência pelo Estado. Em outras palavras, cabe à sociedade definir, mediante um debate público, necessariamente marcado por tensões e conflitos, quais são os limites desse uso, que fronteiras ele não pode ultrapassar para que os direitos humanos sejam garantidos. E nesse debate outra instituição das sociedades modernas desempenha um papel crucial: a imprensa. E se as forças da ordem que funcionam como o braço armado do Estado quiserem obstruir esse debate, contendo a atuação da imprensa?

É sobre essas questões que a matéria “Um repórter ameaçado de morte”, publicada na revista Época pela jornalista Eliane Brum, nos convida a refletir. Nela, a repórter trata do exílio forçado do seu colega André Camarante, do jornal Folha de S.Paulo, que se viu obrigado a sair do Brasil. Isto aconteceu porque Camarante, que há 13 anos faz uma excelente cobertura da atuação policial, recebeu ameaças após escrever uma nota em que questionou a postura utilizada nas mídias sociais por Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, candidato a vereador da cidade de São Paulo nas eleições do último domingo (ver aqui). O coronel Telhada é reformado pela Polícia Militar e chefiou a Rota até novembro de 2011. Em sua página no Facebook, destaca o jornalista em seu texto na Folha, ele relatava supostos confrontos com civis, sempre designados como “vagabundos”. Camarante, que já havia denunciado intervenções da polícia de São Paulo que violaram os princípios básicos do estado de direito, se mostrava preocupado com certas declarações de Telhada, tais como: “Tem gente que ainda quer defender essa raça de safados […] e algumas ‘organizações’ querem defendê-los como vítimas da injustiça da polícia.” A reação não tardou. O ex-policial e então candidato a vereador passou a incitar os seus contatos a enviarem mensagens ao jornal contra o repórter, acusado por ele de ser um “notório defensor de bandidos”.

Não podemos ficar imobilizados

Camarante se viu então cercado de ameaças que extrapolaram os limites da organização na qual trabalha, um dos mais prestigiosos veículos de imprensa do Brasil, para alcançar sua vida privada e sua família. Decidiu, então, em acordo com seu empregador, deixar o país com esposa e filhos. Mas mantém à distância o seu ofício de jornalista investigativo. “Existem inúmeras maneiras de fazer reportagem”, aponta.

Voltemos à interrogação colocada anteriormente: o que acontece quando as forças da ordem que funcionam como braço armado do Estado desejam obstruir o debate público contendo a atuação da imprensa? Não é minha intenção respondê-la aqui. Desejo tão somente provocar você, leitor, para que leia os links indicados e reflita sobre ela. Deixo, contudo, uma possível trilha para sua reflexão: Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, cujo slogan de campanha foi “Uma nova Rota na política de São Paulo”, foi o quinto vereador mais votado na capital paulista, ao passo em que André Camarante continua escondido para garantir a vida. Quando isso acontece, não podemos ficar imobilizados, mas devemos admitir que nos encontramos diante de um sério risco à nossa frágil democracia.

***

[Pedro Jaime é mestre em Antropologia Social pela Unicamp, doutor em Antropologia pela USP e em Sociologia & Antropologia pela Universidade Lyon 2 e professor da Universidade Mackenzie e da ESPM-SP]