A considerar pelas notícias atuais comparadas com as antigas, vê-se que grande parte da imprensa inglesa continua explorando o ponto fraco da sociedade: a intimidade alheia. Sucesso de tiragem no século 18 e 19, os tabloides e os jornais britânicos parecem continuar a surfar na crise econômica europeia, pois os sucessivos escândalos e a bisbilhotice têm sido o prato principal desse tipo de mídia e garantem ótimas “manchetes” e vendas.
No ano passado, o escândalo britânico envolvendo o magnata australiano da mídia, o judeu Rupert Murdoch, que levou ao fechamento do seu jornal News of the World, fundado em 1843 e tido como o de maior tiragem aos domingos no Reino Unido, mostrou a face obscura continuada da imprensa britânica, que insistia em utilizar de escutas telefônicas clandestinas para bisbilhotar a vida privada de personalidades e autoridades.
Em 1912, os arapongas inventaram o “dictógrafo” que é um microfone oculto usado, então, nas investigações secretas policiais e políticas, mas o curioso é que o “dictógrafo” era também usado judicialmente para coletar provas em caso de separações conjugais. No entanto, o “dictógrafo” passou a ser usado pelos tabloides sensacionalistas para produzir “confissões” em conversas informais, ou para fazer o que se nomeou de “jornalismo investigativo” – hoje usam conjuntamente microcâmeras – realizando flagrantes de ilícitos de toda ordem, ou colocando autoridades em “saias justas”.
A Inglaterra é um país de contradições, pois mesmo durante o puritanismo da Era Vitoriana, as casas de banhos públicos e os bordéis funcionavam abertamente e com clientela do mais variado tipo. Até o século 20, houve na Inglaterra a “venda de esposas”, que era realizada em praças públicas nos mercados e tinha um ritual próprio, mas a imprensa divulgava em forma de deboche os casos que chegavam às redações, como que fazendo uma recriminação pública de um evento que ia contra os costumes da família e da Igreja. Exemplo: o jornal Chelmsford Chronicle, em 18 de julho de 1777, publicou um caso de “venda de esposa” com ironia:
“Segunda-feira passada, Jonathan Heard, jardineiro em Witham, vendeu a mulher e o filho, uma ave e onze porcos, por seis guinéus, para um assentador de tijolos da mesma localidade. Hoje ele os pediu de volta e os recebeu de braços abertos no meio de uma enorme multidão. Os mais bem informados acham que o assentador de tijolos fez um péssimo negócio.”
O tempo passou, mas o prazer que os jornais e tabloides britânicos parecem sentir em bisbilhotar a intimidade alheia continua, lamentavelmente, o mesmo…
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[Luís Olímpio Ferraz Melo é advogado e psicanalista, Fortaleza, CE]