Definitivamente, não é de hoje a ausência de negros em papéis de grande importância na televisão brasileira. A trama O direito de nascer, exibida entre 1964 e 1965, tinha como uma das personagens principais Mamãe Dolores, interpretada pela atriz Isaura Bruno que, por ser negra, despertou uma grande euforia nos atores negros da época, esperançosos de que aquela seria sua hora de ter seu devido lugar na televisão brasileira. Estavam enganados. Além da absurda técnica do blackface, recorrente nas décadas de 1960 e 1970 (o caso mais clássico é o da telenovela A Cabana do Pai Tomás), algumas tramas buscaram retratar a escravidão no Brasil, mas transmitiam a ideia de que a abolição da escravatura foi um feito dos brancos. Esses e outros momentos históricos para a compreensão da situação do negro na TV brasileira podem ser conferidos no documentário A negação do Brasil.
Muito tempo se passou depois desses fatos relatados, mas a situação pouco mudou. O negro continua sendo enquadrado, na maioria das vezes, no estereótipo de subalterno: em papéis de época, como motoristas, empregados domésticos, porteiros e até mesmo criminosos. Dificilmente o negro chega perto do papel principal, apesar dos avanços pontuais protagonizados por, entre outros, a atriz Taís Araújo, nos últimos anos.
A verdade, no entanto, é que a televisão vive uma contradição, pois afirma que os brasileiros precisam se identificar na trama a que assistem com os personagens, mas ignora o fato de que mais da metade da população brasileira é negra. Essa situação de exclusão da população afrodescendente fica bem clara nas telenovelas, telejornais (nos quais se vê uma minoria negra), nos reality shows e até mesmo nos programas de humor. Nesse caso específico, temos o programa Zorra Total, da Rede Globo, como um exemplo a não ser seguido.
Racismo, ridículo e humilhação
O humor apelativo, popularesco e polêmico do Zorra Total chega ao clímax com a personagem Adelaide, negra interpretada pelo ator Rodrigo Sant’anna. Adelaide não é nenhuma novidade, nenhuma revolução no padrão brasileiro, muito pelo contrário, faz parte da tradição de mais de cinquenta anos. A personagem negra é idosa, não tem os dentes da frente e entra no metrô pedindo esmolas e importunando as pessoas. Suas roupas deixam-na mal vestida, com um figurino extremamente exagerado e anormal, como se vivesse num estado deplorável. Além do preconceito pela sua cor e classe social, o programa insinua que ela exala um cheiro ruim. Adelaide é o símbolo da desumanização negra, do racismo. Talvez por ser um programa de humor, no entanto, o horror nem seja notado. Os criadores do personagem só alimentam o sentimento antinegro que alguns brasileiros têm consigo mesmos e mostra o privilégio da brancura como a característica superior e bonita. O grande problema do personagem é exatamente esse humor que ridiculariza o negro e faz lembrar as várias situações cotidianas nas quais o negro é discriminado.
Ainda bem que esse caso explícito de racismo na mídia não passou despercebido e a Rede Globo está respondendo uma ação promovida pela 19º Promotoria de Investigação Penal do Reio de Janeiro. Toda essa discussão, reacendida na semana da Consciência Negra, nos deixa com inúmeras interrogações: o negro vai conseguir um efetivo e permanente papel de destaque na televisão brasileira? Vai conseguir desassociar sua imagem do racismo, do ridículo, da humilhação? Sinceramente, essas são questões que só o tempo poderá responder.
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[Tainá Ribeiro Piton é estudante, Itabuna, BA]