As próximas semanas serão decisivas para o futuro dos meios de comunicação e da liberdade de imprensa na Argentina. Em 7 de dezembro vence a liminar dada ao Grupo Clarín suspendendo os efeitos do artigo 161 da Lei sobre os Serviços de Comunicação Audiovisual, de 2009. A lei, do governo Cristina Kirchner, tem por objetivo restringir a atuação dos meios de comunicação e obriga empresas a se desfazerem de licenças dentro do prazo de um ano. O Grupo Clarín é um dos mais atingidos pela lei, embora o texto esteja sendo criticado por diversos setores da mídia no país e mesmo na América Latina. A Lei dos Meios, como é chamada, é vista como uma tentativa do governo kirchnerista de pressionar meios de comunicação independentes ao mesmo tempo em que órgãos oficiais despejam dinheiro de publicidade em veículos alinhados com o governo.
“Espero (para o dia 7 de dezembro) o melhor dentro do pior. O governo impôs uma data, convertendo esse dia em algo que não deveria ser. Eles querem vender a ideia de que 7 de dezembro vai começar uma etapa a favor da liberdade da imprensa, quando é exatamente o contrário. O que esperamos é que o dia 7 não se transforme em outra data da vergonha na Argentina”, afirmou Ricardo Roa, editor-chefe do Clarín, no Rio.
Lei inconstitucional
Roa acredita que o governo de Cristina Kirchner é parcial e persegue o Grupo Clarín. Para ele, o momento serve de aprendizado em defesa da democracia argentina: “Estamos vivendo o pior momento do jornalismo na democracia, o pior momento desde a ditadura. Estamos com um governo que não gosta de transparência, que não informa, que persegue o jornalismo e vê os jornalistas como inimigos”, disse Roa, lembrando que a população percebe isso e que grande parte dos cartazes da marcha em Buenos Aires contra o governo, há dez dias, era sobre a Lei dos Meios.
Para Roa e outros representantes da imprensa argentina, a lei é inconstitucional por diversos motivos. O primeiro deles é que a nova regra criada por Cristina Kirchner quer rever de forma imediata concessões que haviam sido renovadas em 2005 por um prazo de dez anos, ou seja, altera direitos adquiridos e concessões renovadas dentro da lei. Também estabelece que os grupos com mais concessões que o permitido vendam ativos em um ano, o que pode desvalorizá-los de forma abrupta, afetando o direito à propriedade e a liberdade de expressão.
Os críticos da Lei dos Meios também dizem que não há precedentes internacionais como o criado por Cristina Kirchner, nem mesmo em países com restrição à liberdade de imprensa, como a Venezuela. Outro argumento é que a concentração de mídia na Argentina é inferior á registrada inclusive em nações desenvolvidas, como a Itália e o Reino Unido, e que há, de fato, pluralidade de opiniões nos meios do país.
Estudos indicam que a publicidade oficial argentina cresceu 1.300% desde 2003, com a chegada dos Kirchner á presidência, e que hoje 80% das TVs, rádios e jornais dependem dos recursos oficiais.
Semelhança com Chávez
Martín Etchevers, gerente de Comunicação Externa do Grupo Clarín, disse que a empresa espera uma entre três medidas até 7 de dezembro: que a Suprema Corte avalie de forma definitiva a constitucionalidade da Lei dos Meios, que a liminar seja prorrogada ou que se inicie a contagem do prazo de um ano para que o Grupo Clarín se adapte à lei – período que seria útil enquanto a Justiça não julga o mérito. O que ele acredita que não deve ocorrer é a cassação das licenças do grupo por decreto.
Héctor D’Amico, secretário geral de redação do jornal La Nación, afirma que o apoio internacional tem sido fundamental na luta contra o cerceamento à liberdade de imprensa na Argentina. Ele cita, por exemplo, o apoio dos jornais membros do Grupo de Diarios América (GDA), do qual o GLOBO faz parte. Apesar de sua empresa não ser afetada pela Lei dos Meios, ele acredita que precisa lutar contra ela: “Seríamos míopes, cegos, se não fizéssemos nada. São práticas parecidas com as adotadas por Hugo Chávez na Venezuela”, disse.
Fabián Falco, presidente do El Cronista Comercial, disse que o jornalismo independente está cada vez mais difícil na Argentina.
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[Henrique Gomes Batista, de O Globo]