A Suprema Corte argentina rechaçou ontem (10/12) o pedido do governo de retirar da primeira instância a ação judicial que impede a entrada em pleno vigor da Lei de Mídia, de 2009. A decisão, tomada em sessão fechada, deve abrir uma crise institucional com o Executivo. A lei, que visa a impedir a concentração de mídia em poucos grupos econômicos, permite ao governo tirar concessões de TV aberta, rádio e TV a cabo do Grupo Clarín, que faz oposição à presidente Cristina Kirchner. Anteontem, em ato público, Cristina pediu que o Judiciário respeite a vontade popular.
Com a decisão de ontem, o governo não poderá acionar diretamente a Suprema Corte. Terá dez dias para apresentar um novo recurso para o mesmo colégio de juízes que concedeu a última liminar que beneficiou o Grupo Clarín, um tribunal de segunda instância. Mas essa nova iniciativa só deverá ser examinada pelo Judiciário no próximo ano. O recurso rejeitado pela Suprema Corte permitiria que a lei começasse a ser aplicada mesmo antes do julgamento da constitucionalidade de dois artigos questionados pelo Clarín.
Caso o governo perca o novo recurso, as concessões do Grupo Clarín na mídia eletrônica só poderão ser retiradas quando a primeira instância julgar o mérito da questão, para a qual não há sequer juiz designado após três anos da guerra de liminares. O impasse judicial monopoliza a política argentina nas últimas semanas. O governo recusou dez indicações de juízes para o caso feitas pelo Conselho de Magistratura, órgão de controle externo encarregado da designação de juízes federais. O Executivo participa e vota nas reuniões do Conselho, que contam ainda com representantes do legislativo e da sociedade civil. O órgão nasceu na reforma constitucional de 1994, com a intenção de democratizar o Judiciário.
Per saltumreprovado
A história do poder nos anos 90 foi marcada por escândalos, que culminaram no processo de impeachment contra Julio Nazareno, ministro da Suprema Corte ligado ao ex-presidente Carlos Menem. Nazareno foi destituído pelo Congresso em 2003, já na Presidência de Néstor Kirchner, marido e antecessor de Cristina, morto em 2010. Com o tempo, o próprio Conselho passou a ser mais uma arena de disputa entre governo e oposição. Cristina não conta com a maioria no órgão, mas tem poder de veto.
A tensão aumentou a partir de maio deste ano, quando a Suprema Corte decidiu que a liminar que amparava o Clarín vigoraria apenas até 7 de dezembro, data em que se completaram três anos da entrada em vigor da lei de mídia. Mas a corte não fixou instrumento para decidir sobre a constitucionalidade da lei, tema que depende da indicação de um juiz, parada no Conselho. No último dia 6, o Clarín obteve uma outra medida cautelar, restabelecendo o impasse.
Para contornar o Conselho da Magistratura, a maioria governista no Legislativo aprovou uma lei que permite ao governo pedir que determinados processos sejam remetidos para a Suprema Corte. Este mecanismo, chamado de per saltum, foi reprovado em seu primeiro teste ontem.
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[César Felício, de Buenos Aires, do Valor Econômico]