Confesso não ter muita paciência para o chamado efeito-manada nas redes sociais. Por isso não tinha lido muita coisa sobre o episódio da atriz Zezé Polessa com o motorista que trabalhava para a Globo.
Li, agora, uma reportagem de O Dia sobre o tema. Entrevistaram a filha do motorista. Ele era cardiopata, sentira-se mal no dia fatídico, a ponto da filha pedir que não fosse para o trabalho.
Foi, pegou a atriz – que tinha compromisso de gravação – e levou-a a um endereço errado. Teria levado uma bronca. Deixou a atriz, piorou (pois já estava mal quando saiu de casa, a ponto de sua situação chamar a atenção da filha), foi para um hospital onde morreu.
“Luciana Lopes, de 30 anos, filha de Nelson, conversou ontem [quarta, 16/1] com a coluna. Segundo Luciana, Nelson saiu para trabalhar na segunda-feira de manhã contra a vontade dela. “Ele não estava se sentindo muito bem e eu pedi que ele ficasse em casa. Mas meu pai teimou. Disse que ia buscar a Zezé Polessa rapidinho e que por volta do meio-dia já estaria em casa. Só que ele não voltou”, revelou. Luciana contou ainda que o pai ligou pra ela avisando que estava passando mal”.
Criou-se o linchamento. A atriz foi acusada de assassina pelo mero fato de ter-se irritado com um motorista que errou o endereço.
Começa o jogo de exploração da catarse.
Pelo Google chego no Yahoo Notícias a um colunista educadíssimo (“algumas pessoas estranham o fato de eu cumprimentar absolutamente todo mundo quando entro em um ambiente fechado” pois foi educado “por minha saudosa mãezinha, a gloriosa dona Irene”), brilhantíssimo (entrou no “universo da televisão” graças a uma entrevista ao Jô (e remete o prezado leitor para três links da entrevista), modestíssimo, pois alvo de todos os olhares das “pessoas da TV” (diz que pessoas da TV “ainda entranham ao me ver cumprimentando e brincando com faxineiras”). Não fosse o episódio Zezé Polessa, como o mundo saberia de tantas virtudes escondidas?
Agora vem a notícia de que a recém-futura-famosíssima promotora de justiça Christiane Monnerat vai abrir investigação contra a atriz, acusando-a de atentar contra o Estatuto do Idoso. Se a atriz sabia que o motorista era cardiopata, poderá ser inidiciada por homicídio culposo, diz ela. Faltou dizer que, se a atriz furou os olhos do motorista, será indiciada por homicídio doloso. Se planejou o crime no dia anterior, por homicídio premeditado. E se não fez nada isso, é uma desmancha-prazer por impedir que as pessoas justas possam se promover ainda mais e aproveitar o curso de media training que provavelmente frequentou para se preparar para esses momentos de brilho.
Argumentos recorrentes
Quem quiser ser um linchador virtual (seguindo o mesmíssimo modelo dos linchamentos midiáticos) a fórmula é simples:
1. A busca de culpados.
Tragédias sem culpados não promovem a indignação. Sempre trate de encontrar um culpado. Pode ser o INSS, que não aposentou o motorista; a empresa para a qual ele trabalhava, que não acompanhou seu estado de saúde; a Globo, que contratou a empresa; o Lula que não deixou o INSS aposentar o motorista. Mas se for uma pessoa física, com CIC e RG, é melhor ainda.
2. A solidariedade com a vítima.
Na hora de buscar os culpados, sempre se coloque como defensor da vítima. Pode acusar quem quiser, até o Papa, desde que, se alguém reagir contra suas acusações responda que “daqui a pouco o motorista é que vai ser condenado”. Jamais deixe passar a impressão de que você é um explorador de tragédias para benefício próprio: poder mostrar-se “generoso”, “indignado”, “solidário”. Para efeito externo, você é um justiceiro solidário com a vítima.
3. Não se esqueça de mencionar o poder do acusado.
Essa malandragem é boa. Aqui entre nós, sabemos que uma atriz é uma atriz, uma estrela é uma estrela. A acusada é atriz, classe média, descartável. Mas, como trabalha na Globo, invoque essa condição na hora de rebater as defesas que possam ser feitas dela.
4. Descubra a preferência política da acusada.
Essa é ótima. Depois de descobrir mostre como ela foi influenciada por todos os valores divulgados por aqueles canalhas que fizeram sua cabeça política.
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[Luis Nassif é jornalista]