Seria essa a definição de um blogueiro de sucesso? Meio artista, meio jornalista, meio político, meio santo até, em alguns casos. A presença da blogueira cubana Yoani Sánchez no Brasil pode ajudar a responder essa pergunta, que os jornalistas mais acautelados deveriam fazer a si mesmos, antes de cravar uma manchete sobre o fenômeno. Pois ainda aparecerão outros, como Yoani.
Estamos vivenciando o estopim da revolução que a internet e a web produziram abrindo brechas para inúmeras novidades que se fundem numa coisa só com rapidez. Nem é fabulosa essa rapidez, já deveríamos estar acostumados com tudo muito meteórico. Os jurássicos websites de conteúdo, inclusos nessa definição os sites dos jornais tradicionais, parecem desenvolver uma fome cibernética e comem todos os blogs que se assanham ganhar fama de vedete; já engoliram, com o rabo para fora da boca, os facebooks, twitters e outras mídias sociais assemelhadas. Os gadgets e aplicativos se proliferam, embeded, perdão, inseridos feitos fitoplanctons nesse oceano de nutrientes digitais, online. Atenção, em breve pode até faltar metáforas, ou não fazerem mais nenhum sentido. Não tardará para termos de utilizar a linguagem direta mesmo, e, doa a quem doer, quem não souber do que se trata, perderá a nave.
A blogueira cubana tem sido manchete de norte a sul, desde que pisou em solo brasileiro, primeiro para participar do lançamento de um documentário, onde é uma das personagens centrais, e de seu livro; depois, bem, sua agenda, tão flexível quanto a pauta de um blog, acabou em samba. Por pouco ela não embarca no Carnaval do Rio. É verdade que, tendo começado pela Bahia, não perdeu a chance de sentir a vibração dos surdos.
O avião que trouxe Yoani, de São Paulo ao Rio, aterrissou no Santos Dumont e pensei que ela fosse aparecer na janela da cabine, com meio corpo para fora, enrolada numa bandeira de Cuba, meio Romário, naquela chegada da Copa de 1994, meio Vampeta, em 2002, dando cambalhota na rampa do Planalto aos pés de FHC. Nenhuma coisa nem outra, mas talvez ela beije o chão de Cuba, ao seu retorno, e isso vire um meme.
Silêncio
Interessado em contrastar as palavras e bandeiras de Yoani com outras notoriedades cubanas, fiz contato com Andy Garcia, famoso ator nascido na Ilha. Andy não poupa oportunidade de revelar seu sonho, de um dia retornar ao país, porém somente quando o regime de Fidel cair, completamente. Recentemente tive o prazer passar-lhe informações sobre o barco que teria sido utilizado pelo personagem central de O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, dado que Andy Garcia está produzindo o filme Hemingway & Fuentes, em que o roteiro baseia-se na relação do barqueiro e amigo íntimo do prêmio Nobel e teria inspirado Hemingway para criar o Velho, daquele clássico da literatura.
Dá vontade de abandonar a Yoani aqui, mas impera concluir esse desvio no mar do Caribe, informando que não ouvi uma sílaba sequer, de Andy Garcia, sobre as ideias de Yoani, as represálias que ela teria ou vem tendo em Cuba – nada, silêncio total. Curioso que não se lê abaixo das manchetes sobre Yoani nenhuma informação de outras personagens cubanas. Nem eu e nem nenhum outro jornalista conseguiu quebrar o silêncio de ninguém da Ilhaalém de Yoani. Ou ninguém quis saber o que outras pessoas estão pensando disso tudo?
“Silêncio” foi uma das notinhas da coluna gratuita de O Globo, do Ancelmo Góis, aliás uma coluna que virou blog, um belo blog, diga-se de passagem, produzido por uma equipe de jornalistas, com direito a fotojornalista e… pensando bem, não é blog não. Góis retuitou em sua coluna a declaração de Yoani postada no Twitter: “#Cuba Hoy me preguntaron si no tenía miedo que manipularan mis palabras. No, respondí, me daría más miedo que manipularan mi silencio…”Precisa tradução? Tá bom, aqui vai: “Hoje me perguntaram se não teria medo de que manipulassem minhas palavras. Não, respondi, me daria mais medo se manipulassem meu silêncio”.
Os puristas se debruçarão sobre a frase em espanhol caribenho da Yoani e contestarão minha tradução livre. Eu também não gostei. Pois o defeito da versão em português se dá pelo fato de Yoani utilizar a linguagem rápida e relaxada dos blogs; apesar de Yoani desembarcar no Brasil enviesada entre ativista e político em campanha, ela é uma futura jornalista, pois sonha implantar uma imprensa livre em Cuba. Hoje, é blogueira profissional e, assim, dispara seus protestos contaminados por essa relutância entre uma coisa e outra e possivelmente atordoada com as dimensões das três atividades, e respectivas circunstâncias. Talvez nem ela mesma tenha concordado com o tempo verbal, após ter quebrado o próprio silêncio com uma bela frase de impacto, ou nenhum, talvez.
E nós, do que devemos ter mais medo? De uma imprensa falante, que preenche todos os espaços falando apenas sobre o efeito viral do momento? Ou de uma imprensa que vai se acostumando demasiadamente rápido com as fusões dos personagens midiáticos, de qualquer naipe, desde alguém que vai ao Canadá a um papa que abdicou da oportunidade de escrever uma história mais, digamos, bíblica? Neste último caso, sem explorar os recantos obscuros da informação. Arrisco um palpite: vivemos a era da “bloganarquia”.
Só falta perguntarem ao Renan Calheiros por que ele não renuncia, diante dos milhões de gritos de “Fora Renan”, ele responder “Nada a declarar’ e todos os jornais publicarem em manchete, sem mais nada a dizer. Pois continuam dando espaço para o José Dirceu condenado, que insiste em defender, à la Cuba, que ficha limpa é bobagem… Os jornais publicam isso.
Mas, cara Yoani, apesar das minhas palavras ambíguas, sucessos de mídia como o seu, pela sua causa pessoal, que interessa a todos, fazem um bem ao mundo. Sucesso para o seu livro, “De Cuba, com carinho“(Editora Contexto). Do Peazê com carinho, pero aspero.
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[Luís Peazê é jornalista]