O Brasil é um país altamente influenciado pela mídia, especialmente no que compete ao cenário televisivo. A forma pela qual a TV entra na vida de cada indivíduo provoca reflexões pertinentes, considerando que o acesso à informação e o entretenimento básico ocorreram quase exclusivamente por meio das emissoras. A principal fonte de comunicação do país é a televisão, especialmente se estiver em análise a abrangência da internet e de outras mídias que, por mais que tenham alargado sua área de atuação, ainda estão longe de atingir o número considerável alcançado pela televisão. Segundo o censo 2010 [informação consultada na notícia: “IBGE: pela 1ªvez, domicílios brasileiros têm mais TV e geladeira do que rádio”; disponível aqui, acesso em 07/03/2013], mais de 95% da população brasileira tem aparelhos de TV em seus domicílios, o que comprova a dependência desse veículo no que compete ao acesso à informação.
O que muitas vezes é esquecido é o direito do telespectador de exercer a sua cidadania através do meio tecnológico mais difundido no país. No texto, “Cidadania, informação e direito à comunicação” [MAIA, Aline Silva Correa. Cidadania, informação e direito à comunicação. Disponível aqui, acesso em 7 mar. 2013], a pesquisadora Aline Silva Correa Maia aborda questões concernentes à cidadania, ao jornalismo e o acesso aos meios. De tal texto, três ideias destacam-se e merecem maior aprofundamento: a ideia de Comunicação presente na Constituição Brasileira; o direito à comunicação como uma prerrogativa da cidadania e a participação do público como questionador e produtor dos conteúdos veiculados.
Fiscalização do conteúdo
A Constituição Federal determina que as emissoras de rádio e TV devem construir uma programação que atenda aos princípios educativos, artísticos e informativos, embasada numa perspectiva ética e valorativa no que compete à cultura nacional e regional. Não é preciso ir muito longe para observar que nem tudo garantido pela lei está sendo cumprido no contexto televisivo brasileiro da contemporaneidade. Se é assegurado ao público o direito à informação de qualidade, com vistas a promover a sua autonomia, o que se vê, inúmeras vezes, é a queda na qualidade das atrações e o pouco investimento em formatos educativos e inovadores, especialmente no âmbito da TV aberta. A estrutura da grade de programação do Brasil segue padrões de mercado consolidados pela emissora líder de audiência e torna a forma de representação televisiva quase que homogênea.
Poucas são as variações no modo de apresentar o jornalismo, o esporte, os programas de humor, a dramaturgia, entre tantos gêneros do mundo da TV. Uma situação que demonstra a falta de cumprimento de tal prerrogativa legislativa é programação da Rede TV!, canal paulista que já tem mais de 50% da programação preenchida com infocomerciais, programas religiosos com horários comprados e produções independentes sem propostas definidas que só definham ainda mais a qualidade da produção televisiva. O que se pode esperar da emissora em termos de um novo projeto de TV, algo tão difundido na sua estreia, em novembro de 1999? A situação atual precisa ser revista, a fim de que o canal se torne realmente uma nova opção de qualidade para o público.
O que está em jogo não é apenas a falta de qualidade, mas a ausência de uma política de programação que privilegie, de fato, aspectos educativos, artísticos e informativos. No caso da Rede TV!, um grande direito do cidadão está sendo violado, que é o acesso a atrações de qualidade produzidas pelos brasileiros. A apatia da população no que concerne ao questionamento de tal situação mostra o quanto ainda se está distante da cidadania voltada para a comunicação. Falar em cidadania não é apenas trabalhar com a noção da garantia dos direitos, mas do posicionamento autônomo, crítico e ativo do indivíduo diante daquilo que lhe é posto. Reivindicar uma participação mais enfática é garantir que a verdadeira função da mídia seja cumprida. As emissoras de TV são concessões públicas cujas ações são entregues pelo Estado para empresários do ramo, mas o papel de fiscalização do conteúdo produzido é papel de todos os que assistem aos programas.
Futuro mais palatável
Falta o engajamento e a mobilização de alguns setores da sociedade para reclamar e conduzir a televisão atual a um cenário mais auspicioso. O que fazer quando os programas educativos e os de formação cultural não são exibidos ou quando exibidos em horários inconvenientes? Fazer valer o direito à participação ativa no protesto contra o que é visto e na transformação dos produtos. Tal posicionamento leva a discussão da terceira ideia incitada pelo texto lido: a participação do telespectador não só como consumidor passivo, mas como produtor de conteúdo, que não quer apenas ser representado de forma estereotipada, mas se sentir partícipe de uma cidadania plena afiançada pela Comunicação.
No texto de Aline Maia, há o exemplo do quadro “Central da Periferia”, apresentado por Regina Casé, em 2007, no programa Fantástico, da Rede Globo. No quadro em análise, a apresentadora visitou Clichy, subúrbio da França, e ouviu dos moradores que há uma vontade grande dos grupos sociais da localidade de se verem representados como realmente são. Ao produzirem e não apenas sendo produtos, essas pessoas vão poder vivenciar uma cidadania plena, tendo em vista que a realidade mostrada será transmitida por meio de alguém que realmente sabe do que está falando. Tal situação comprova a ânsia da periferia por um olhar “diferente” daquele comum: preconceituoso e redutor.
O jornalismo tem a função de tornar públicos os direitos e os deveres. Não é por acaso que a informação também é um elemento primordial para assegurar a cidadania. Quanto mais variadas forem as fontes da leitura jornalística, melhor a capacidade do público para captar as notícias, filtrar o necessário e formar sua própria opinião. Uma mídia mais cidadã vai permitir com que se produzam representações mais plurais e autênticas da nação brasileira, evitando o trabalho ínfimo com as minorias sociais e promovendo o exercício dos direitos e dos deveres através do meio de comunicação mais usado no país. É num projeto de mídia verdadeiramente assentado nos ideias de educação, entretenimento de qualidade e informação não tendenciosa que se depositam as esperanças de um futuro mais palatável para a comunicação, não apenas a televisiva, mas a que se manifesta de outras formas, como o rádio, a mídia imprensa e a internet.
Formas de narrar o multiculturalismo
O presente texto não desconhece a qualidade de muitas das produções brasileiras, apenas reivindica a atitude da população no que se refere à luta por uma comunicação concretamente cidadã. Além disso, reafirma a necessidade de o público deixar de ser mero consumidor e ganhar status real de produtor de conteúdo. Embora não seja citada no texto, a obra Consumidores e Cidadãos [CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Tradução: Maurício Santana Dias. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008], de Néstor Garcia Canclini (1995) pode ser relacionada com a discussão, na medida em que o autor latino também aborda a ideia de ser cidadão como uma etapa do ser consumidor, especialmente na dimensão dos bens simbólicos. De fato, está entre os objetivos do livro entender de que modo as mudanças nas formas de consumo provocam alterações nas formas de exercício da cidadania, bem como o papel do consumo e dos meios de comunicação na participação pública e democrática.
No capítulo “Cidades em globalização”, o autor analisa o conceito de consumo, estendendo-o aos processos de comunicação e recepção de bens simbólicos. Marcado por uma racionalidade econômica, o consumo é o conjunto de processos multiculturais em que se realiza a apropriação e o uso dos produtos. É nessa arena que os conflitos de classe ganham mais visibilidade. No mundo pós-moderno, a comunidade nacional heterogênea é transfigurada por uma comunidade transnacional de espectadores. Com o enfraquecimento do Estado e a força ilimitada das privatizações, surge o subconsumo da maioria, o desemprego e o empobrecimento cultural que faz da cidade um sistema transnacional de informação, comunicação, comércio e turismo característico de uma metafórica Babel, dada à dimensão dos conflitos. O autor defende, assim, que a compreensão dos fenômenos urbanos implica numa associação da Antropologia com a Sociologia, os estudos de comunicação e a Psicanálise.
Os grandes shoppings da contemporaneidade acabam se configurando como miniaturas urbanas e o reordenamento das concepções de consumo torna os processos de comunicação de massa importantes na compreensão do fenômeno pós-moderno. Cenário ideal para manifestação do declínio das metanarrativas, é também nas grades cidades que a identidade se mostra como uma construção imaginária influenciada pelo repertório textual e iconográfico dos meios eletrônicos de comunicação. Daí a necessidade de encontrar formas viáveis de narrar o multiculturalismo.
Exercício de direitos
Os meios de comunicação são agentes de inovação tecnológica e da criação de modismos e consumos. É só observar a prevalência dos filmes de Hollywood nas salas de cinema e locadoras de todo o mundo, o que expõe uma crise das produções cinematográficas locais, marcada pela tensão entre a liberdade de mercado, qualidade cultural e modos de vida específicos. Entre as possíveis transformações do modo de ver o cinema, está o surgimento de um espectador multimídia, o que marca a reorientação do fenômeno fílmico em relação à cultura nacional e transnacional. Além do cinema, formador de novas relações entre o real e o imaginário, os outros meios eletrônicos – tais como duas grandes empresas privadas latinas, como a Globo e a Televisa – têm uma absurda penetração na vida familiar, sendo a principal fonte de informação e entretenimento. Qual o lugar, todavia, das culturas minoritárias ou regionais não consagradas pelo folclore-mundo? No último capítulo da obra, Canclini analisa formas de negociação, integração e desconexão de identidades. Sendo os países latino-americanos marcados por um peculiar hibridismo, não deveriam as suas nações alimentar a indústria cultural que os oprimem, mas sim, buscas alternativas para o exercício de um multiculturalismo democrático. Existem diferentes formas de ser um cidadão global no mundo pós-moderno, onde se evidencia certa crise da nação e o surgimento de novas comunidades, formadas por consumidores da comunicação de massa.
Enxergar a comunicação de massa como um elemento definidor de opiniões e de costumes é cada vez mais necessário, num mundo onde ser cidadão está atrelado aos níveis de participação de consumo, inclusive, na dimensão dos meios simbólicos. Logo, o que se espera enquanto mídia cidadã, portanto, é o exercício de direitos e a participação efetiva dos indivíduos em tudo aquilo que influencia a vida em sociedade.
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Tcharly Magalhães Briglia é estudante de Rádio e TV (UESC/ Ilhéus, BA) e professor de Língua Portuguesa e Língua Inglesa em Itabuna, BA