Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Imprensa livre sob ameaça na América Latina

A liberdade de imprensa está sob ameaça constante em países da América Latina. Seja por causa de governantes que tentam chantagear veículos de comunicação impondo restrições à publicidade ou mesmo propondo a criação de órgãos e leis que visam a controlar a mídia, seja por meio de cartéis de narcotraficantes que executam repórteres e editores que expuseram (ou não) os meandros desses negócios criminosos. O assunto foi discutido no encontro do Grupo de Diários América (GDA), cujos representantes estiveram no Rio durante a semana passada para debater os rumos do setor de mídia e da organização, que reúne jornais de veículos de 11 países da região, incluindo O Globo.

Em três desses países, as restrições ao trabalho da imprensa são flagrantes. Na Argentina, segundo Luis Saguier, diretor-executivo do diário La Nación, o governo da presidente Cristina Kirchner “não tolera qualquer tipo de crítica” e busca atingir a mídia independente proibindo as principais cadeias de supermercado de anunciar nos jornais para reduzir receitas desses grupos. No México, segundo Roberto Rock, diretor-editorial do El Universal, os frequentes assassinatos de jornalistas impuseram um clima de medo em que a principal ameaça à liberdade de expressão é a autocensura. O país já perdeu uma centena de jornalistas na última década, vítimas de traficantes de drogas que se vingaram depois que detalhes de seus cartéis criminosos foram revelados.

Segundo Marco Arauz, subdiretor-geral do El Comercio, o personalismo do presidente equatoriano Rafael Correa criou um clima de permanente tensão entre governo e mídia. A situação pode piorar com a proposta de criação de um conselho que terá o poder de aplicar sanções contra conteúdo publicado por veículos de imprensa. Até autoridades são proibidas de dar entrevistas e, a exemplo de Hugo Chávez, Correa fala horas na TV.

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Marco Arauz: “Está por vir uma lei que vai regular conteúdo na mídia”

A exemplo de Chávez, Rafael Correa também toma a TV para falar por horas e proíbe entrevista de ministros.

A imprensa é livre no Equador?

Marco Arauz – Hoje a imprensa enfrenta ataques sistemáticos do governo, que enxerga nos veículos independentes o último reduto de pensamento ligado aos velhos grupos políticos e empresariais. O presidente Rafael Correa proibiu seus ministros de darem declarações à imprensa, com o argumento de que a informação é um bem público e, quando os ministros dão informações a jornalistas, estão permitindo que os veículos façam transações comerciais com esse bem público.

Há iniciativas de controle do conteúdo jornalístico?

M.A. – Está em vigência uma lei que obriga a atividade jornalística a ser transparente, mas ela não é aplicada. Mas está para vir uma lei de comunicação que estabelece um conselho de regulação da imprensa. Então, ela irá regular conteúdo na mídia.

Como é a presença do presidente Rafael Correa na TV?

M.A. – Correa costuma fazer intervenções na TV, geralmente aos sábados. Tem um programa onde constantemente ataca a imprensa, chegando a mostrar fotos de jornalistas.

Como Hugo Chávez, na Venezuela?

M.A. – Ele fica menos tempo, cerca de duas horas, mas é um procedimento bastante parecido.

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Luis Saguier: “O governo quer eliminar qualquer tipo de crítica”

Na Argentina, há uma tentativa de se controlar o que sai publicado nos jornais.

Quais são as principais ameaças à liberdade de imprensa na Argentina?

Luis Saguier – Além da ingerência do governo sobre o Judiciário, há ataques contra veículos independentes, que além de não receberem publicidade oficial, sofrem com a recente medida do governo proibindo as principais cadeias de supermercado e de eletrodomésticos de anunciar nos jornais. O governo não tolera qualquer tipo de crítica.

Acontece na Argentina o assassinato de jornalistas, tão comum na América Latina?

L.S. – Felizmente isso não acontece por lá.

Há alguma tentativa de estabelecer o chamado controle social da mídia?

L.S. – Sim, mas de forma indireta. O governo argentino constantemente afirma, seja por meio de veículos públicos ou publicações comerciais aliadas, que a mídia é contrária aos interesses nacionais. Então, há (esse discurso), mas indiretamente.

A relação do governo e da imprensa ficou em evidência recentemente no caso da Lei dos Meios. Como é a situação hoje?

L.S. – A situação é muito complicada. Trata-se de uma asfixia dos veículos independentes no país para depois tentar dizer o que se deve escrever ou dizer. O governo quer eliminar todo tipo de crítica.

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Roberto Rock: “A maior ameaça hoje é autocensura”

No México, cem jornalistas foram assassinados na década. Crime organizado preocupa.

Como se manifestam as restrições à imprensa no México?

Roberto Rock – A maior ameaça à liberdade de expressão é hoje a autocensura da mídia. A antiga ameaça por parte dos políticos continua sendo um problema, sobretudo em alguns estados onde o governo ainda pensa que pode controlar a mídia com o orçamento publicitário oficial. Outro fator importante é o crime organizado. Em metade do país, bandidos ameaçam a imprensa, chegando a matar jornalistas.

Quantos jornalistas já foram mortos por causa disso no país?

R.R. – Na última década, cerca de cem jornalistas foram assassinados. No ano passado, que foi um dos piores, oito ou nove foram mortos.

Por que isso acontece?

R.R. – O problema está ligado aos cartéis do narcotráfico, mas a razão por trás disso é a impunidade. Os criminosos acreditam que podem fazer o que quiserem, sem temer as consequências. E o governo tem a responsabilidade de impedir que isso aconteça dessa forma.

Você falou em autocensura. Como ela tem funcionado?

R.R. – A autocensura é uma maneira de tolerar o crime. Em lugares onde há criminosos envolvidos no Legislativo, a mídia não diz nada sobre o crime organizado, não cobre nem investiga os envolvidos. Isso para evitar ataques. Mas não é uma garantia de fato.

E como é a relação com o novo governo?

R.R. – O governo mexicano tem tido uma postura politicamente correta com relação à mídia. O Partido Revolucionário Institucional (PRI, que governou o país por sete décadas e voltou este ano à Presidência na figura de Enrique Peña Nieto) costumava controlar a imprensa, mas isso mudou. O PRI de agora entende que deve ser moderado. Eles são tecnocratas, liberais. Vamos ver seu comportamento nos próximos meses, mas não acredito que eles virão com leis nesse sentido.

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Rennan Setti, do Globo